Reconhecendo o lazer enquanto um tempo e espaço de apropriação e produção crítica da cultura, este estudo/intervenção pedagógica busca compreender as interfaces entre a apropriação e a marginalização do fenômeno social lazer a partir da vivência de alguns elementos da cultura corporal (Capoeira, Atletismo e Dança) com idosas participantes do Programa Ação e Saúde, na Estratégia de Saúde da Família do Bairro Vila Nova na cidade de Guanambi - BA. Pretende-se, ainda, por meio da problematização/acesso aos elementos da cultura corporal o reconhecimento da relevância do lazer, tendo como recorte cultural as expressões destas manifestações corporais. Para isso foi indispensável a analise do processo de evolução do lazer, identificando e situando a sociedade urbano-industrial como uma das mais apelativas ao consumo, a análise da relação lazer/trabalho, a identificação do componente lúdico em alguns elementos da cultura corporal e a vivência de alguns conteúdos da dança, do atletismo e a capoeira. Tal intervenção se justifica importante uma vez que busca avaliar e superar a pouca valorização do lazer e mesmo sua marginalização, diminuindo as disparidades entre ser/trabalho/lazer e em última instância a saúde.

Inicialmente desenvolvemos um estudo, a partir de pesquisa bibliográfica na tentativa de compreender e delimitar a dimensão conceitual do lazer, bem como compreender suas nuances e complexidades. Utilizou-se o método dialético, pautado na prerrogativa de que em ciências sociais é o que se mostra adequado para compreender e apreender a realidade social em suas complexidades específicas; como técnica para levantamentos dos dados e provocar mudanças na conduta dos sujeitos envolvidos na pesquisa, optou-se por uma intervenção pedagógica desenvolvida na Estratégia de Saúde da Família do bairro Vila Nova na cidade de Guanambi-BA com um grupo de 25 mulheres adultas e idosas participantes do Programa Ação e Saúde.Tais intervenções foram realizadas durante dois meses, com duração de uma hora cada. No decorrer da intervenção problematizamos alguns pontos e coletamos alguns dados a partir de observação participante e de grupos focais, uma técnica que visa à "fala em debate". Para o tratamento dos dados recorreu-se à análise do discurso que segundo Mazière (2005), constitui num dispositivo de observação apto a revelar e apreender o objeto discurso que se dá pela tarefa de interpretar.

Durante a intervenção pedagógica observou-se que os participantes do estudo percebem o lazer associando-o ao descanso, ao entretenimento, ao consumo de bens culturais, a atividades recreativas, a eventos de massa, restringindo-o a um campo específico de interesses advindos da indústria cultural. Quanto aos valores, algumas pessoas relacionaram-no à produtividade da sociedade urbano-industrial capitalista; o trabalho foi eleito em nível superior, como dever moral e fim em si mesmo, já o lazer esteve classificado em nível inferior como forma de preguiça, atividade supérflua, ou mesmo atividades marginais, pouco significativas para a formação humana, exceto sob sua forma instrumentalizada para o aprendizado de papéis diferenciados entre os sexos, construindo/reafirmando determinados estereótipos. Além disso, algumas mulheres ainda conservam a visão de que "o trabalho doméstico é caracterizado pela fluidez", o que não tira o fardo das obrigações, especialmente por não ter horários livres, e em certos casos específicos com uma dupla jornada de trabalho o que acaba configurando o lazer como um privilégio de poucos. O lazer fica sempre para depois, devido a dificuldade em seu acesso, decorrentes de barreiras socioculturais e simbólicas advindas da relação contraditória lazerXtrabalho.

Diante de tais prerrogativas e significados a vivência/apropriação do lazer torna-se extremamente problemática especialmente por mulheres adultas e idosas,tendo em vista os padrões sociais estabelecidos. Além disso o estudo permite compreender como as mulheres participantes da pesquisa percebem o lazer, restringindo-o às produções e investimentos da indústria cultural, associando-o ao atual modo de organização da vida humana. Somado a isso cabe ressaltar que o lazer ocupa um lugar secundário na vida das pessoas e que a compreensão de sua importância para a garantia de condições necessárias à vida humana constitui-se numa possibilidade de enfrentamento à tendência instrumentalizadora e a intensificação do processo de alienação, cabendo enfaticamente compreender o lugar e a necessidade de políticas públicas de lazer inovadoras que assegurem a vivência deste como direito social.