62ª Reunião Anual da SBPC
D. Ciências da Saúde - 3. Saúde Coletiva - 5. Saúde Coletiva
REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS DE CUIDADO ENTRE USUÁRIOS PORTADORES DE FERIDA CRÔNICA DE MEMBRO INFERIOR EM UM SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE EM PAULÍNIA-SP
Marco Philipe Teles Reis Ponte 1
Kelly Cristina Lopes da Silva 2
Nello Pereira da Silva 2
Lucas Pereira de Melo 3
1. Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Piauí - UFPI
2. Faculdade Anhanguera de Campinas - FAC
3. Prof. MSc/Orientador. Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - USP
INTRODUÇÃO:
A ferida crônica de membro inferior (FCMI) pode ser definida como uma lesão de pele por perda circunscrita ou irregular dos tecidos da derme ou epiderme, podendo lesar o tecido subcutâneo e subjacente, em relação aos membros inferiores. Sua etiologia é variada, sendo acometimentos do sistema vascular, origens neuropáticas e diabetes mellitus suas causas rotineiras. O estudo justifica-se por resgatar a dimensão do processo de viver com a enfermidade crônica; grupo de doenças com implicações significativas nas políticas públicas de saúde no Brasil e no mundo. Nosso objetivo foi interpretar as representações e práticas de cuidado de usuários portadores de FCMI em um serviço público de saúde em Paulínia-SP. A partir disso, utilizaram-se tais informações para a promoção de reflexões por parte dos profissionais da saúde, com vistas a instrumentalizar suas atividades cotidianas como agentes envolvidos nos itinerários terapêuticos desses sujeitos sociais. Dessa forma, o saber e o viver desses pacientes serão considerados em seus processos terapêuticos. Esta pesquisa situa-se, portanto, em uma área interdisciplinar, cujas relações estendem-se entre os campos das Ciências da Saúde - Enfermagem e Medicina - e das Ciências Sociais, tendo maior expoente na Antropologia Médica.
METODOLOGIA:
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada no Ambulatório de Feridas do Hospital Municipal de Paulínia, Estado de São Paulo. Participaram do estudo oito usuários de ambos os sexos, sendo cinco mulheres e três homens, com idade entre 39 e 70 anos, que fazem tratamento ambulatorial no cenário da pesquisa e são signatários do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As informações foram coligidas no período de fevereiro a março/2010. As técnicas de coleta de dados utilizadas foram entrevistas individuais semi-estruturadas e questionários sócio-econômicos. As entrevistas foram registradas em áudio e transcritas na íntegra, adotando-se pseudônimos para os informantes. Os dados socioeconômicos foram tratados estatisticamente no programa Excel 2007. Para análise das informações utilizou-se a técnica de análise temática, emergindo as seguintes categorias temáticas: "Não vejo a hora de voltar para casa": impactos da ferida na vida cotidiana; Práticas de cuidados com a ferida crônica; e "É o nervoso": modelos explicativos referentes à ferida crônica. O estudo está registrado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas, Parecer nº 11/2010.
RESULTADOS:
"Não vejo a hora de poder voltar a trabalhar": impactos da ferida na vida cotidiana: foi possível atestar o esforço dos pacientes, permeados por frustrações e conquistas, para manter sua rotina diária próxima àquela anterior à ferida. Nesse sentido, observou-se forte prejuízo nas atividades laborais. Práticas de cuidado com a ferida crônica: os dados mostraram a hegemonia do Modelo Biomédico como forma de tratamento e fonte de alívio frente às dores intermitentes, principalmente em pacientes que recorreram aos serviços de saúde precocemente. Todavia, é notável a co-existência de sistemas de cura, com destaque às práticas religiosas, além da utilização de ervas e recorrência a outros métodos populares de tratamento, como complemento. "É o nervoso!": os modelos explicativos referentes à ferida crônica: tangem desde superstições populares, passando por associações ao estado psicológico, especialmente o nervoso, tema já consagrado na Antropologia Médica brasileira e, por fim, havendo origens encerradas na obviedade de um acidente. Desse modo, a amálgama das condições de vida, nível de instrução, recorrência à fé e práticas de saúde populares e oficiais, resultou em uma compreensão de sua condição entre o entendimento popular e o padrão biomédico.
CONCLUSÃO:
Diante das evidências do estudo, pode-se considerar que os diversos problemas de saúde visíveis na materialidade do corpo físico são, igualmente, permeados por questões simbólicas que se inscrevem no plano da vida cotidiana dos seus portadores, reafirmando o caráter social do processo saúde-doença. Além disso, ficou notória a composição de um itinerário terapêutico pautado no pluralismo da assistência à saúde, como reflexo da complexidade da realidade social na qual os usuários do serviço estão inseridos. Com isso, eles reinterpretam as práticas médicas oficiais em articulação com as crenças e práticas sobre a saúde e a doença vigentes em seu contexto cultural, como uma forma de resistência ao Modelo Biomédico hegemônico. À guisa de conclusões, pode-se inferir que os significados que a FCMI assume para os indivíduos portadores são diversos e são construídos cotidianamente na teia de significados simbólicos de seu meio cultural mais amplo. Neste sentido, cabe aos profissionais de saúde buscar compreender as entrelinhas e o não-dito nas queixas, por vezes repetitivas, dos usuários, como forma de promover encontros de cuidados culturalmente congruentes e sensíveis às vivências objetivas e subjetivas do processo saúde-doença desses sujeitos sociais.
Palavras-chave: Úlcera de Perna, Antropologia Cultural, Medicina Popular.