62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 5. Teoria e Análise Lingüística
A MESCLAGEM COMO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDO NO GÊNERO QUADRINHOS
Ada Lima Ferreira de Sousa 1
Marcos Antonio Costa 2
1. Departamento de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
2. Prof. Dr. / Orientador - Departamento de Letras - UFRN
INTRODUÇÃO:
Com o advento das ciências cognitivas, a linguagem é vista não mais como expressão do pensamento ou instrumento de representação do real, e sim como o elemento que possibilita a construção dos aspectos sócio-histórico-culturais dos quais participamos e compartilhamos. É na interatividade com o mundo e com os seus sujeitos que, através de linguagem, elaboramos o sentido. Essa operação pode ser altamente refinada. Nossa cognição permite, por exemplo, a elaboração de significados a partir da mesclagem, ou seja, da ativação simultânea de diversos esquemas, parte deles socialmente construídos e culturalmente compartilhados, e parte construída na situação interacional. A configuração desses domínios e da maneira como se mesclam varia conforme a expressão e o contexto linguísticos. Entendendo os quadrinhos como um gênero em que a união de códigos verbais e não-verbais possibilita a construção do sentido, elegemos como objetivo do trabalho o estudo da mesclagem como peça chave desse processo, e da sua culminância no fenômeno da metáfora. Queremos mostrar que a junção de imagens e palavras nos quadrinhos, comumente compreendida como elemento facilitador da leitura, pode, na verdade, resultar em jogos complexos, cujas pistas nem sempre são recuperadas em um primeiro contato.
METODOLOGIA:
O primeiro momento do trabalho consistiu na pesquisa bibliográfica de textos que possibilitaram a compreensão dos temas pertinentes à análise das obras "V de Vingança", de Alan Moore e Davyd Lloyid, e "Palestina", de Joe Sacco, à luz da teoria sociocognitiva. Privilegiamos os aspectos relacionados à construção dos sentidos através da percepção dos fenômenos da mesclagem e da metáfora. Os textos selecionados foram lidos, discutidos e fichados. Em seguida, retomamos a leitura das obras escolhidas como objetos de pesquisa e destacamos passagens que foram minuciosamente analisadas. Concomitantemente, as referências bibliográficas foram retomadas com o objetivo de consolidar o estudo das obras selecionadas.
RESULTADOS:
Identificamos, em "V de Vingança", mesclagens recorrentes, que resultam em metáforas sociocognitivamente estabilizadas, e mesclagens não convencionais, que elaboram novas perspectivas de mundo. No primeiro caso, compreendemos as relações quando mobilizamos conhecimentos de maneira a vislumbrar as possibilidades de uso em um determinado contexto. Quando, por exemplo, um personagem define metaforicamente o domínio "justiça" através de expressões relacionadas ao domínio "amante", numa aproximação não recorrente, recuperamos o sentido ao considerarmos a enunciação. O segundo caso consiste na ocorrência de um tipo de metáfora próprio dos meios em que texto e imagem se combinam. Propomos o conceito de mesclagem semiológica para classificar essas construções. É o que ocorre quando, diante do texto "este é o rosto de Londres", disposto sobre a face de uma mulher, relacionamos os códigos verbais e os não-verbais e estabelecemos a analogia entre a face da personagem e a face de Londres. Na obra "Palestina", a combinação peculiar de verbal e não-verbal é crucial para a construção dos sentidos. Um exemplo é o uso de linhas pesadas e escuras entre os quadrinhos, de modo a simular uma cela, especificamente no capítulo que trata da prisão de um homem.
CONCLUSÃO:
As mesclagens semiológicas identificadas em "V de Vingança" e "Palestina" nos permitem pensar os quadrinhos como um meio em que a união de códigos distintos possibilita a construção de um sentido para o discurso. Os aspectos destacados nas obras analisadas corroboram com a ideia de que os significados, mais do que objetos mentais, são operações de integração de espaços conceptuais. Infelizmente, a junção de imagens e palavras nos quadrinhos ainda é comumente compreendida como um elemento facilitador para leitores inexperientes ou preguiçosos, pouco dados ao esforço interpretativo. No entanto, diante de obras como "V de Vingança" e "Palestina", concluímos que as semioses características dos quadrinhos podem resultar em complexos jogos semânticos. Assim, o alcance da obra, em termos de significação, corresponde à competência do leitor como sujeito capaz de perceber os sinais deixados pelo autor, e compreendê-los em sua amplitude.
Palavras-chave: Quadrinhos, Mesclagem, Metáfora.