62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 5. Teoria Literária
A RAÇA, POVO E A NAÇÃO: AS AVENTURAS DA LITERATURA INGLESA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
ROGÉRIO TENÓRIO DE AZEVEDO 1
LUIZ EDUARDO MENEZES OLIVEIRA 1
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
INTRODUÇÃO:
O ensino de literatura inglesa pautado em autores nascidos na Inglaterra e obras britânicas ultrapassa a mera transmissão de conhecimentos a respeito da produção literária daquele país e sua história política, posto que durante a era vitoriana ele servia de instrumento para a afirmação e difusão de valores da cultura inglesa pelo mundo. E mais que isso: a colocação desses valores em posição vantajosa em relação às demais culturas, uma vez que: [INÍCIO DA CITAÇÃO] Os britânicos - as ideologias de superioridade racial e nacional, então, divulgavam - eram imperialistas naturais, governantes natos como os romanos, homens que detinham um livre e justo sistema legal, quem eram acima de tudo responsáveis e benevolentes, os melhores administradores que um povo colonizado poderia esperar ter (BOEHMER, 1995, p. 43) .[FIM DA CITAÇÃO] As intenções do ensino dessa disciplina, durante a era vitoriana, portanto, tornam-se incompatíveis com os dias atuais. Todavia, ao utilizarmos como referência bibliográfica para o ensino de literatura inglesa na Universidade Federal de Sergipe compêndios alinhados com o pensamento vitoriano, devemos ter em mente a possibilidade de que esses valores sejam ensinados ou reproduzidos tal qual a política cultura britânica intentava na virada do século XIX para o século XX. Nosso principal interesse foi entender como o ensino de literatura pode servir de instrumento para a difusão e manutenção de valores relativos à identidade nacional inglesa e uma suposta supremacia cultural daquela nação. O foco foi o estudo do manual Adventures in English Literature e o seu uso na Universidade Federal de Sergipe. O projeto teve como objetivos específicos: 1. Analisar, do ponto de vista histórico, o manual Adventures in English Literature, de J.B. Priestley e Josephine Spear, buscando verificar em que medida ele contribui para reforçar e consolidar os discursos legitimadores do cânone literário inglês, seja através de seus julgamentos críticos, seja através da seleção de autores, obras e trechos específicos. 2. Identificar o modo como são mobilizadas as estratégias pedagógicas, as interpretações consensuais de certas obras canônicas da Literatura Inglesa e a perspectiva nacionalista da historiografia política e cultural da Inglaterra no referido manual, no intuito de estabelecer a importância de certas categorias discursivas, tais como as de Espírito, Raça, Gênero, Povo, Nação, Língua e Literatura, na construção de sua narrativa histórica. 3. Avaliar em que medida a periodização utilizada no referido manual, bem como os critérios e pressupostos teóricos ou historiográficos adotados pelos seus autores, reproduzem ou se apropriam dos consensos críticos a respeito da Literatura Inglesa, tentando explicitar suas implicações políticas e culturais no ensino da disciplina, observando o caso da Universidade Federal de Sergipe. 4. Identificar, tipificar e analisar os textos, autores ou "trechos escolhidos" mais recorrentes nas apreciações críticas e nos exercícios propostos, bem como o modo como são apropriados para uso pedagógico, buscando avaliar o papel do referido manual na manutenção ou transgressão de representações e valores culturais, sociais ou políticos, especialmente daqueles relacionados à construção ou consolidação do cânone da Literatura Inglesa.
METODOLOGIA:
Seguindo aquilo que foi determinado no projeto, confrontamos os livros com outros manuais estrangeiros e nacionais de literatura inglesa e fizemos uma análise dos argumentos colocados pelos autores. Lemos autores das áreas de história da literatura inglesa e teoria literária, além da legislação referente ao processo de institucionalização do ensino de inglês no Brasil e na Universidade Federal de Sergipe. Fizemos a leitura, análise e interpretação de bibliografia referente às relações entre História Literária, Ensino de Literatura e Identidade Nacional, bem como da legislação referente ao ensino de literatura inglesa tendo em mente o caso da Universidade Federal de Sergipe. Depois, foram selecionados os compêndios mais representativos de Literatura Inglesa usados no Brasil, da década de 1960 em diante, cujo principal critério foi o da receptividade, para sabermos se esses livros seguem os pressupostos teóricos e metodológicos contidos em Adventures in English Literature. Em seguida, buscamos informações a respeito da série em relação à Biblioteca Central da UFS, após o que preenchemos uma tabela como os autores e obras citados nos livros. Essa tabela foi comparada com outros compêndios de história da literatura inglesa para identificarmos as obras e autores mais recorrentes nas histórias da literatura, mensurando sua importância na construção ou manutenção do cânone literário inglês. Buscamos também as implicações político-culturais advindas de tal abordagem. Foi feita uma descrição da organização do livro e sua divisão periodológica, compondo algumas notas de rodapé. Buscamos seus pressupostos teórico-metodológicos e sua perspectiva historiográfica. Depois de identificarmos as estratégias pedagógicas, as interpretações consensuais de certas obras canônicas da Literatura Inglesa e a perspectiva nacionalista da historiografia política e cultural da Inglaterra no manual Adventures in English Literature, percebemos com qual propósito o autor usa as palavras espírito, raça, gênero, povo, nação, língua e literatura, tentando ver as conseqüências desse uso no ensino de literatura inglesa na Universidade Federal de Sergipe. Na divisão dos trabalhos, ficamos responsáveis por analisar os livros da seguinte forma: eu, Rogério Tenório de Azevedo, fiquei encarregado da análise dos volumes I e II; a orientanda Marcle Vanessa Santana estudou o volume III; o estudo do volume IV ficou sob responsabilidade da orientanda Juliana Moura Ferreira. Os trabalhos de análise foram feitos nas reuniões periódicas, onde cada orientando apresentava suas descobertas, pontos de vista e dúvidas, a partir de onde discutíamos pela mediação do orientador. Durante o curso da pesquisa, participamos de eventos na área de educação, língua e literatura, apresentando um pôster e comunicações orais .
RESULTADOS:
4.1. Materialidade da Obra Fizemos, em nossas incursões à Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe (BICEN), importantes descobertas sobre a série Adventures in English Literature. Infere-se dos carimbos apostos à folha de rosto de todos os volumes da série que os exemplares foram adquiridos na Livraria Carvalho, hoje extinta, que se localizava na Rua Laranjeiras, n.º 327, no Centro de Aracaju. Em contato com a divisão de patrimônio, tentamos localizar, pelos códigos de patrimônio, os anos de aquisição dos livros pela Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe, mas, infelizmente, não foi possível, pois o banco de dados referentes aos primeiros códigos não está mais disponível, segundo informações do setor. Em consulta à Diretoria da Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe, confirmamos a informação que se depreende dos demais carimbos colocados na folha de rosto dos exemplares: o carimbo "Biblioteca - área de humanidades" indica que o manual ficava à disposição do Instituto de Letras e Artes da Universidade Federal de Sergipe até antes da década de 1980, quando as faculdades que integravam a UFS funcionavam de forma descentralizada. Com a construção do Campus de São Cristóvão, o acervo do Instituto de Letras e Artes migrou para a Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe, momento em que a série sob análise passou a fazer parte do acervo da BICEN. Dentro da Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe, os livros estão localizados na seção de literatura inglesa e classificados pelo Código 821.111 /P 949a, variando estes últimos dígitos e letras de acordo com o exemplar. Os exemplares estão distribuídos da seguinte forma: existem 10 exemplares do volume I ; 13 exemplares do volume II ; 27 exemplares do volume III; 14 exemplares do volume IV, perfazendo um total de 64 exemplares. Os volumes I e II estão organizados da seguinte forma: capa; verso da capa com tabela para preenchimento de dados pessoais, indicando que o livro foi pensado para ser usado como material didático ao ensino secundário; folha de rosto, verso da folha de rosto com informações sobre autoria, índice, corpo do trabalho, contra-capa padrão com títulos dos demais volumes da série. Já no que diz respeito à organização interna, o volume I encontra-se disposto da seguinte forma: na abertura do volume, existe o texto introdutório intitulado "A Terra e Seu Povo" (The Land and Its People). Cada período histórico-literário é antecedido por uma introdução histórica. Em seguida, Priestley tece comentários sobre o autor e obra que será apresentada. Feito isso, segue a transcrição da obra ou trecho, às vezes com explicações sobre cada trecho selecionado. Geralmente, há notas de rodapé a respeito vocabulário. Após a transcrição das obras, normalmente, vem uma seção de exercícios a respeito do autor e/ou obra cujo título depende das intenções didáticas do autor; no fim de cada período literário, existe um texto intitulado "Atrás da Cenas da Literatura Inglesa" (Behind the scenes of English Literature) seguido de uma lista de leitura com indicações bibliográficas referentes a cada período histórico-literário. Tais períodos terminam com o texto "O Crescimento da Língua Inglesa" (The Growth of English Language). No fim do livro, há um glossário com palavras que aparecem no corpo do volume, seguido de um índice especial e um índice remissivo geral. Finalmente, são apresentadas outras publicações do mesmo autor pela mesma editora. O volume II, inteiramente dedicado a Shakespeare, está assim disposto: no início existe uma introdução geral, seguida de um texto sobre a vida e um sobre a produção literária do autor e também comentários sobre as canções retiradas de peças teatrais e a transcrição das mesmas, seguida de exercícios. O autor faz comentários e transcreve alguns sonetos, apresentando, adiante, o texto intitulado "O Teatro no Tempo de Shakespeare" (The Theater in Shakespeare's Time). Depois, são feitos comentários e transcrição de cada peça teatral, com notas de rodapé sobre o vocabulário. No final do livro, há um glossário e apresentação das demais obras de Priestley publicadas pela mesma editora. 4.2 Os pressupostos teóricos e metodológicos e suas implicações no ensino Diversos pressupostos teóricos e metodológicos fundamentam não só o conteúdo, mas também a organização estrutural do manual Adventures in English Literature. Grande parte desses pressupostos estão colocados no texto de abertura do manual, intitulado "A Terra e Seu Povo" (The land and Its People). O primeiro pressuposto dos autores, - que era hipótese desse trabalho e que veio a se confirmar pela investigação do manual -, é o de que a Inglaterra é culturalmente superior aos demais países da Europa e do mundo. Isso fica claro em diversas passagens no livro. A mais significativa está nas duas linhas de abertura do volume I, onde o autor, J. B. Priestley, faz questão de mencionar sua nacionalidade e sua data de nascimento, que se localiza no final do reinado da rainha Vitória, época em que a Inglaterra, segundo a historiografia oficial, alcançava o auge de seu império. Ao mencionar sua nacionalidade, o autor se constitui como um sujeito, já amparado pelos discursos consensuais que reforçam a idéia de que a Inglaterra ocupa patamar elevado em relação às demais nações. Os conceitos que serão agregados a esse sentido de ser inglês, tais como o de homem civilizado, poético, gênio, literariamente original e tantos outros, colocam o aluno em um determinado lugar abaixo do escritor inglês, criando uma estrada vertical para ele em direção ao aprendizado da literatura inglesa e, consequentemente, do "mundo civilizado". A forma como a Inglaterra se auto definia e era vista no período vitoriano é bem explicitado por Jorge de Sena. Para ele, o vitorianismo: [INÍCIO DA CITAÇÃO]existiu, e sobreviveu longamente: se a Grande Guerra e 1914 - 1918 lhe assesta os primeiros golpes definitivos, foi só a Segunda Grande guerra, de 1939 - 1945, que propiciou uma radical transformação da sociedade britânica. Mas, ainda hoje, na derrocada forçosa do imperialismo, há muitos ingleses que contemplam, de lágrimas ao canto do olho, aquela época de grandeza, em que a Inglaterra era a rainha dos mares, e ser-se o mais ordinário e explorado dos cidadãos britânicos ainda era ser-se alguém para quem o mundo inteiro trabalhava. O vitorianismo é esse orgulho, a presunção definitiva (que se vinha formando desde Henrique VIII, mas que podemos retraçar até à noite dos tempos) de que Deus era inglês... Orgulho, pudor hipócrita, generosidade, humanitarismo, mediania cautelosa, mediocridade brilhante, conforto, progresso técnico, pastiches do medievalismo Tudor (o paralelo entre Isabel e Vitória era de bom-tom), e um império que a Inglaterra recebera como prêmio de ser a mais branca e a mais cristã das raças... Londres era a maior e mais civilizada cidade do mundo; e, nele, a City era, desse mundo, a capital financeira. Este dogma da autoridade - autoridade de ser-se inglês, de ser-se superior, de ser-se mais poderoso, ou mais rico - e da respectiva subordinação é a base intocável da sociedade vitoriana: autoridade do espírito sobre o corpo, da igreja sobre religião, do patrão sobre o empregado, do pai sobre os filhos, do corpo político sobre as massas, da moral sobre a vida (SENA, 1989, p. 263-264) [FIM DA CITAÇÃO] Por isso, ao falar da formação cultural inglesa, Priestley expõe seus aspectos em comparação com outras nações, de modo a nos levar a pensar que a configuração político-cultural da Inglaterra é a mais conveniente. Essa forma de enxergar a literatura contém seus equívocos e já se encontra ultrapassada pela teoria literária, mas considerando que ela ainda é ensinada e aprendida, podemos afirmar que, além de colocar a Inglaterra numa posição superior, discursivamente, ela, ao mesmo tempo, inferioriza as nações que prescindem dos aspectos citados no manual, colocando a produção literária como fruto de processo natural, dependente de circunstâncias geofísicas e históricas. Tal abordagem acaba por apagar o processo político de seleção de obras e faz com que as obras excluídas, problematicamente chamadas de não-canônicas, sejam enxergadas em função do cânone e aquelas que não se alinham positivamente ao percurso histórico e à ideologia de determinados momentos sejam marginalizadas. Para o autor, literatura inglesa explica-se, majoritariamente, pela sua geografia e história. A implicações desse pressuposto na perspectiva literária e no ensino são várias. O principal efeito é o de que a seleção de obras está vinculada à justificação da configuração histórica e geográfica, deixando de fora o que não for conveniente a essa perspectiva. A seleção de fatos históricos para compor a explicação do contexto histórico do autor e obra é feita em consonância com esse recorte e a divisão periodológica acaba por não ter, em alguns casos, em conseqüência disso, conexão com marcos literários, como alerta Wellek: [INÍCIO DA CITAÇÃO] A maior parte das histórias literárias divide, porém, os períodos de acordo com as mudanças políticas. A literatura é, assim, entendida como se fosse inteiramente determinada pelas revoluções políticas ou sociais de uma nação, e o problema de determinar os períodos é endossado aos historiadores políticos e sociais, cujas divisões e períodos são adotados usualmente e sem questão. Se examinarmos histórias mais antigas da literatura inglesa, descobriremos que são escritas ou de acordo com divisões numéricas ou de acordo com critério político simplista - os reinados dos soberanos ingleses. É quase desnecessário demonstrar quão confusa seria a subdivisão da moderna história da literatura inglesa consoante as datas das mortes dos monarcas: ninguém pensa a sério em distinguir, na literatura dos começos do século XIX, entre os reinados de George III, George IV e William IV; contudo, ainda subsistem as distinções, igualmente artificiais, entre os reinados de Elizabeth, James I e Charles I (WELLEK, 1962, p. 328). [FIM DA CITAÇÃO] Assim, a história política é contada por uma perspectiva nacionalista e o aluno, por sua vez, é obrigado a se debruçar sobre os fatos históricos da forma como são contados pelo autor para que possa entender a história da literatura. Está posto, também, pelo autor, nesse volume I, que a configuração geofísica da Inglaterra é determinante para a produção literária do país. No texto introdutório, o autor tenta provar que os autores de determinados ambientes da Inglaterra produziram uma determinada literatura por causa dessa configuração física. Nesta parte, aparecem comparações entre terras baixas e terras altas e "seus respectivos autores", sobre montanhas e pântanos e "suas produções". Depreende-se dessa perspectiva uma tentativa do autor de encontrar, dentro da própria Inglaterra, as explicações para a produção literária do país, naturalizando tal produção, esquivando-se, pelo menos nesse primeiro momento, de uma análise da literatura enquanto manifestação cultural, fruto de pressões e ideologias sociais e interesses políticos. Ademais, essa cosmovisão exclui a idéia de que a seleção de obras feita pelo autor é a que representa os interesses dos grupos dominantes nesta ou naquela época e a coloca como resultado de um processo geral e natural. A condição da língua inglesa apresenta alguns pontos interessantes. Para o autor, língua, como categoria discursiva, está vinculada a território. Essa perspectiva o autoriza a se referir ao idioma falado no cantão de Wessex, nos séculos V a X, no sul da Inglaterra, como Old English, mesmo tendo conhecimento de que esse idioma pouco lembra o idioma que falamos hoje e de que muitas outras línguas eram faladas nos outros cantões da Inglaterra durante os primeiros séculos da era cristã no território que hoje chamamos de Inglaterra. Essa estratégia discursiva de nomear tal idioma como Old English, usada por boa parte da historiografia da literatura inglesa, faz com que o período Anglo-Saxônico seja visto como período fundacional da Inglaterra pelo discurso geral e obriga o aluno e professor ao estudo desse período em termos literários, mesmo através de traduções do idioma de Wessex para o Inglês. Já os povos celtas não são contemplados como parte desse percurso histórico, mas sim como habitantes, mesmo o autor admitindo que eles se mantiveram distintos dos soldados romanos por pelo menos quatro séculos. A abordagem positivista, que privilegia o escrito, pode ser umas das hipóteses para essa negligência com relação aos celtas, já que eles não deixaram razoáveis registros escritos. E como no manual, literatura e história não se separam, o contexto histórico da segunda metade do primeiro milênio da era cristã é contemplado pelos programas de literatura inglesa da Universidade Federal de Sergipe. Beowulf é colocado como o mais antigo poema épico inglês, sendo visto como um legado dos povos Anglo-Saxônicos, dando esse sentido de fundação literária. 4.3. O manual do ponto de vista histórico e sua contribuição para a legitimação do cânone literário inglês A divisão períodológica e cronológica apresenta algumas incongruências, se levarmos em conta o entendimento da literatura como fim precípuo do estudo da literatura em si mesma, mas se tomarmos por base as intenções do manual enquanto instrumento de perpetuação de valores da cultura inglesa, ele alcança seus objetivos, pois vincula-se à divisão da história política do país. Ademais, privilegia obras que se conectam ao contexto histórico. O recorte do manual, portanto, é histórico e apresenta os gêneros literários de cada período histórico. Com isso, ao estudar a literatura inglesa, o aluno da UFS está estudando também história da Inglaterra e, mais que isso, por uma perspectiva nacionalista, visto que a seleção de autores e obras é feita de acordo com essa perspectiva histórica. Beowulf, por exemplo, relaciona a história da Inglaterra às invasões germânicas. Sua autoria desconhecida e sua origem germânica permite a materialização das discussões sobre as comunidades que se deslocaram do norte da Europa para o território hoje ocupado pela Inglaterra. Já o poema The Seafarer reforça o caráter insular do território britânico. Daí podemos deduzir sua importância para a narrativa histórica inglesa e o por quê de sua inserção do manual. Geoffrey Chaucer com The Canterbury Tales, apresenta um panorama da sociedade medieval inglesa; The Passionate Shepherd to His Love, de autoria de Christopher Marlowe (1564-1593), expressa os ideais elizabetanos de cortesia. Segundo Priestley, sabemos muito sobre a vida em Londres à época do Grande Incêndio (1666) e da Praga (1665) por conta do Diário (The Diary of Samuel Pepys), mantido pelo autor Samuel Pepys (1633-1703). Paradise Lost, de John Milton, representa a época do domínio puritano na Inglaterra do século dezessete. Para cada autor e respectiva obra também há uma introdução, onde são expostas informações biobibliográficas, mas também ocorre uma adjetivação dos autores e suas obras, em consonância com a colocação da Inglaterra em patamar elevado. Então, segundo o manual Adventures in English Literature, Beowulf é o grande e primeiro épico da língua inglesa; Chaucer (1340?-1400) é um poeta mestre, o grande nome da literatura inglesa, o chamado pai da literatura inglesa. The Canterbury Tales são sua obra prima; a rainha Elisabeth I (1558-1603) é uma das maiores de toda a história da Inglaterra; Edmund Spenser (1552-1599) é chamado o poeta dos poetas; Christopher Marlowe é uma das figuras mais românticas e trágicas da era elisabetana; Ben Jonson (1572-1637) é, perto de Shakespeare (1564-1616), o mais importante dramaturgo; Shakespeare é o maior, o mais conhecido, o mais homenageado de toda literatura mundial; Francis Bacon (1561-1626) é dito o mais sábio, o mais brilhante, o mais significante da humanidade; John Donne (1572-1631) é um dos grandes poetas em inglês; John Milton (1608-1674) obscureceu os demais poetas do século XVII e é uma das grandes figuras da literatura inglesa. O maior representante da Inglaterra puritana na literatura; John Banyan (1628-1688), em número de obras traduzidas para línguas estrangeiras, só perde para a Bíblia; Samuel Pepys (1633-1703) escreveu as obras com maior capacidade de entretenimento do século XVII. Além dessa adjetivação dos autores e obras, o manual está fundamentado numa visão eurocêntrica do percurso histórico mundial, que ainda enxerga o processo de exploração da América pelos países europeus como great voyages of discovery, silenciando a morte de milhões de americanos. O discurso colonial que reverbera no manual "é importante para revelar as maneiras pelas quais aquele sistema mundial podia representar a degradação de outros seres humanos como natural, uma parte inata de seu estado degenerativo e bárbaro" (BOEHMER, 1995, p. 21) . Para Priestley, o Renascimento é o começo do mundo moderno" (Priestley, 1963, vol. 1, p. 105). "Mundo moderno", aqui, nada mais é do que a Europa ocidental, para não dizer somente França, Inglaterra, Itália, Portugal, Espanha e alguns outros poucos países. Tanto que, ao medir o progresso da Inglaterra durante o início do período elizabetano, o autor reconhece que o país estivera atrás da Itália, França e Espanha em literatura e nas artes e todo o novo processo civilizatório do Renascimento (Priestley, 1963, vol. 1, p. 107). Podemos perceber que a identidade nacional inglesa foi construída a partir da comparação com o outro. Esse outro, tradicionalmente ocupado pelo restante da "Europa católica em oposição à Inglaterra protestante", veio a ser representado, notadamente, a partir do período vitoriano, pelos "países colonizados". Contudo, os países do chamado Terceiro Mundo são considerados não só como diferentes, mas também como inferiores (BOEHMER, 1995, p. 32). Vale ressaltar que Shakespeare e sua obra são postos em posição central no cânone ocidental não só por julgamentos críticos e seleção específica de suas obras, mas também pela inserção no manual de obras literárias a seu respeito, como é o caso de "À Memória do Meu Amado Mestre, William Shakespeare" (To the Memory of My Beloved Master, William Shakespeare), de Ben Jonson, e "Sobre Shakespeare" (On Shakespeare), de John Milton, que configuram-se como poemas elogiosos a respeito de Shakespeare, cuja importância no manual pode ser mensurada pela existência do volume II, dedicado exclusivamente a este autor. Vale mencionar que o segundo volume é maior, em número de páginas, que o volume I, que tenta dar conta de 1300 anos de história e literatura. 4.4. Estratégias pedagógicas e sua influência no ensino A primeira estratégia pedagógica é a colocação do texto inicial, intitulado "A Terra e Seu Povo" , que situa o país em uma posição privilegiada em relação às demais nações e coloca previamente a cultura da Inglaterra em posição superior às demais. Nos capítulos introdutórios, geralmente, o autor segue construindo o discurso de superioridade da Inglaterra em relação às demais nações. A partir desse capítulo, o autor defende veementemente a relação entre história literária e história política, deixando claro que fará um recorte histórico da literatura inglesa, tanto que alguns períodos remetem muito mais à história do que à literatura: período Anglo-Saxônico, período medieval, era elizabetana, era vitoriana, século XVII, século XVIII, era moderna: esses nomes nada garantem em termos de literatura, mas, decerto, indicam muito sobre os acontecimentos históricos da Europa ocidental e da Inglaterra. Essa ligação se faz presente no ensino, à medida que o professor é conduzido a reconhecer e ajudar o aluno a reconhecer os acontecimentos históricos dentro da obra literária. Outra estratégia utilizada é o uso, já consensual, da palavra era para se referir a alguns períodos histórico-literários, notadamente, os períodos conhecidos como elizabetano e vitoriano. Esses períodos têm sua importância aumentada no contexto da obra, por aquilo que é dito pelo autor, claro, mas o uso dessa categoria discursiva dá peso maior ao período, já que o vocábulo era pertence a um outro campo semântico e se refere a intervalos de tempo muito maiores que décadas. Isso faz com que esses períodos literários recebam efeitos de sentido maiores do que merecem. A vontade de transmitir uma identidade cultural inglesa permeia todos os aspectos do livro. A capa do livro, em branco com uma tarja vermelha, alude à bandeira da Inglaterra. Outra estratégia que merece menção são os exercícios que seguem a transcrição das obras. Em sua grande maioria, são de cunho estruturalista, ou seja, pedem para que o aluno meramente identifique aspectos, personagens, figuras de linguagem, características que já estão pré-colocadas pelo crítico. Outras estimulam a criatividade do estudante, mas de forma controlada e direcionada. A principal implicação disso no ensino de literatura inglesa na UFS é que, se assim proceder, o professor conduzirá o aluno à concordância com os pressupostos elencados pelo autor e identificará aquilo que é conveniente ao discurso sobre a literatura inglesa em termos literários e políticos. Os períodos literários encerram-se com um texto "O Crescimento da Língua Inglesa" (The Growth of Englsh Language), apresentando uma espécie de incursão etimológica da língua, com o intuito de fundamentar a idéia de que a língua inglesa sempre existiu enquanto categoria lingüística. Ao compararmos o manual Adventures in English Literature, de J. B. Priestley, com A Literatura Inglesa , de Jorge de Sena, percebemos que ambos fazem um recorte histórico da literatura vinculado à história política do país, o que nos permite afirmar que a perspectiva nacionalista está presente em ambos os trabalhos. A divisão periodológica vincula-se também à transição monárquica da Inglaterra. Para o autor, Shakespeare "ergue-se - talvez o maior escritor que a Humanidade produziu - entre a época isabelina de que foi o mais insigne expoente e a época jacobita sobre a qual projecta o seu vulto imenso". É interessante notar que o crítico divide seu livro em capítulos , os quais estão relacionados a recortes históricos ou literários. Como exceção, o capítulo IX é dedicado exclusivamente a Shakespeare, reforçando, na própria materialidade da obra, a condição central do autor no cânone mundial. O mesmo ocorre com English Literature , de Anthony Burgess, que faz um recorte histórico da literatura inglesa. Nesse livro, a divisão periodológica é feita em função da história política e o capítulo 9 é exclusivamente dedicado a Shakespeare. Os demais dramaturgos são considerados "outros dramaturgos" nos três compêndios analisados e a análise da obra de tais autores é feita em função de Shakespeare ou comparados com ele. 4.5. Interpretações consensuais sobre obras canônicas A idéia de uma repetição discursiva no que diz respeito à explicação e interpretação de certas obras canônicas ilustra bem a questão da tradição historiográfica inglesa. Priestley e Burgess indicam Beowulf como o mais antigo poema inglês, enquanto Jorge de Sena fala em poema Anglo-Saxônico. Os três críticos concordam ao dizerem que o poema remete às origens nórdicas dos povos que se estabeleceram em meados do século V no território hoje ocupado pela Inglaterra, assim como em relação à sua composição cristã-pagã. Beowulf, o personagem central do poema épico, é um guerreiro-herói que defende o reino contra o mostro Grendel, exaltando os ideais de bravura e lealdade à monarquia. Os três autores percebem as características métricas e rítmicas do poema, apontando suas especificidades. Nesse diapasão, a importância das categorias discursivas "raça" e "povo" pode ser mensurada, à medida que elas servem para demonstrar as diferenças culturais entre os primeiros habitantes do futuro território inglês, os Celtas, e as comunidades que vieram a se estabelecer nesse território até o século V. A junção de Jutos, Anglos e Saxônicos, enquanto raças, forma os povos anglo-saxônicos no manual Adventures in English Literature, e a língua, especialmente, a língua falada em Wessex, principal cantão na época da transcrição de Beowulf e outras obras, é constituída, na narrativa histórica, como sendo a língua inglesa ou Inglês Antigo (Old English). A consequência dessa perspectiva nacionalista no ensino, especialmente, na Universidade Federal de Sergipe, é que ela apaga a idéia de pluralidade lingüística e cultural que existiu no território hoje ocupado pela Inglaterra. Desse modo, passamos a pensar em um só idioma e suas contribuições, quando em realidade, até a época de Chaucer, o que significa dizer, até o século XV, houve a concorrência de vários idiomas e identidades no território. Primeiramente, fora a língua Celta em concorrência com o Latim falado pelos soldados romanos. A partir do século V, não só a língua falada pelos Celtas, mas também as diversas línguas usadas pelas comunidades que lá se estabeleceram. Com a conquista do futuro território inglês por William, em 1066, o território passou a conviver com tais línguas mais o idioma normando e o latim usado pelos clérigos e acadêmicos. Carter, em seu livro The Routledge history of literature in English: Britain and Ireland, explica que: [INÍCIO DA CITAÇÃO]Os normandos trouxeram consigo a língua e cultura francesa. Os dois século após a Conquista foram um período de consolidação, visto que as duas línguas lutavam para se integrar: o bilingüismo foi amplamente difundido, com o francês sendo amplamente lido e escrito na Inglaterra do século XII ao fim do século XIV. Foi, contudo, apenas depois de 1204, quando as perdas de terras francesas pelo rei Jonh conduziu a aristocracia a optar por inglês ou francês, que os conquistadores normandos começaram a desenvolver uma identidade inglesa mais completa e um desejo de usar a língua inglesa. Subseqüentemente, mais e mais palavras entraram na língua inglesa. O alfabetismo laico desenvolveu-se largamente nesta época e livros eram comercialmente produzidos conforme o inglês se estabelecia como a língua da escrita para o crescente público leitor que comprava e emprestava livros (CARTER, 1997, p.17). [FIM DA CITAÇÃO] O estabelecimento originário da língua inglesa anteriormente à constituição da Inglaterra enquanto nação faz com que a literatura produzida no território hoje por ela ocupado seja tida como literatura "inglesa" antes mesmo de a Inglaterra existir. Já o conceito de nação ajuda o autor a comparar a Inglaterra em diversos aspectos com os outros países, no sentido de consolidar sua posição superior sobre os demais. Ao falar de território, Priestley ressalta que a variedade de formações da Inglaterra é tão grande quanto à dos Estados Unidos. Ao comentar sobre a originalidade poética, indica que, por serem habitantes de uma ilha, os ingleses desenvolveram sua poesia sem a influência continental. Quanto à sociedade inglesa, o autor compara sua mobilidade social com o sistema de castas. O autor tenta defender a existência de um elemento poético na formação geológica da Inglaterra, que acaba por influenciar os autores e suas obras, afirmando que, enquanto os ingleses são poéticos em razão das condições morfoclimáticas, os latinos são prosaicos pelo mesmo motivo. Outrossim, o autor afirma que os ingleses gozam de um senso de independência, comparado aos regimes totalitários. Toda essa configuração, pelo que se depreende do manual, é que forma o espírito inglês e ajuda a criar o senso de nacionalidade. Segundo Priestley, "por serem os reis e barões ingleses, diferentemente daqueles em outros países, dependentes dos arqueiros, que vieram de pessoas comuns, estas pessoas mostravam um espírito independente, que não é encontrado em camponeses fora da Inglaterra (Priestley, 1963, v. 1, p. 42). Essa noção de espírito também é usada pelo autor para justificar a relação incongruente entre a divisão periodológica e as rupturas literárias. Tal categoria discursiva chega a ser o fundamento da colocação de autores neste ou naquele período, tendo em vista que, segundo Priestley: [INÍCIO DA CITAÇÃO]muitos dos mais famosos elizabetanos - por exemplo, Shakespeare e Ben Jonson - na verdade, fizeram seus melhores trabalhos depois que Jaime I sucedeu ao trono. Mas o verdadeiro século dezessete, como período literário, chega após o fim do reinado de Jaime I, quando o espírito elizabetano na escrita havia sido extinto (Priestley, 1963, vol. 1, p. 144). [FIM DA CITAÇÃO] Por fim, vale dizer que há uma tentativa de demonstrar que a literatura mundial deve muito à literatura inglesa, cujo representante maior é Shakespeare. Sua obra é comparada com a de autores franceses, no sentido de defender sua originalidade e genialidade aversa aos padrões estéticos franceses. Portanto, a Inglaterra, no manual Adventures in English Literatura, enquanto nação, é constituída em oposição ao outro, e é colocada em posição privilegiada. O ensino de literatura inglesa consoante o manual Adventures in English Literature, sem uma consideração sobre aquilo que está ausente na obra, pode contribuir para perpetuar os valores ingleses divulgados durante o período vitoriano e ajudar a perpetuar a idéia da posição central da Inglaterra e sua literatura no mundo ocidental. Ademais, o pressuposto de que a literatura deve ser ensinada pelo viés histórico-político faz com que essa manifestação cultural sirva somente para entendermos (ou idolatrarmos) a Inglaterra, colocando nossa cultura em posição inferior e, acima de tudo, nos distanciando do pensamento crítico que se espera do professor nos dias atuais, tendo em vista que o inglês é colocado como idioma central e pertencente à Inglaterra, posição esta já superada pela crítica geral, mas que pode ser reproduzida pelo professor desavisado. Esse caráter superior sustenta, por exemplo, a idéia de que o inglês britânico deva ser modelo de competência lingüística e padrão lingüístico para o ensino de idiomas. Para Boehmer: [INÍCIO DA CITAÇÃO]na visão da nação imperial britânica, sua história construiu um conto de primeiros, melhores e absolutamente pioneiros. Onde os britânicos estabeleceram uma cruz, uma cidade ou uma colônia, eles proclamaram o início de uma história. Outras histórias, por definição, são declaradas de menor significância ou, em certas situações, não existentes. Uma visão de mundo dessa natureza claramente requer substancial suporte cultural e discursivo (BOEHMER, 1995, p. 24). [FIM DA CITAÇÃO] Hoje, na Universidade Federal de Sergipe, os professores, em sua maioria, adotam ou a variação americana ou a variação britânica do inglês no ensino de língua e literatura, pelo que fica clara a posição bipolar do inglês ainda como herança da dominação cultural do período vitoriano. A suposta superioridade lingüística e cultural desses dois países se efetiva, assim, no próprio ensino. As condições de produção do conhecimento têm estado vinculadas aos dois países. Somente em 2007, com a reformulação curricular no curso de letras inglês impetrada pela resolução 60, do CONEPE, tivemos a modificação que precisávamos em termos de ensino. A disciplina "Literatura Inglesa" deu lugar à disciplina "Literatura de Língua Inglesa". Isso significa que não mais teremos uma abordagem pautada em autores ingleses, mas em autores que escreveram em inglês. Essa modificação permitiu imediatamente a entrada nos programas da disciplina de autores nigerianos como Chinua Achebe e uma visão mais ampla da literatura. Somente em 2007 nos desgarramos institucionalmente das amarras do período vitoriano! A análise retrospectiva da Inglaterra feita por Priestley e sua relação com a literatura cria uma combinação específica em que a literatura explica a história e vice-versa. A principal implicação dessa perspectiva no ensino de literatura é a de que a interpretação das obras canônicas contidas no manual se faz, em grande parte, pelo viés histórico, no sentido de procurar na obra aspectos da sociedade que a produziu. Assim, os aspectos da identidade nacional e a cosmovisão inglesa são perscrutados sem grande relação com o contexto local. A análise histórica pode muitas vezes ser feita em detrimento da análise literária e conduzir todos os alunos a uma interpretação consensual a respeito dos autores e obras. Nossa pesquisa permitiu perceber que "é por critérios puramente literários que deve fixar-se o período literário" (WELLEK, 1962, p. 331), sob pena de que a leitura de manuais e obras literárias pode servir muito mais à matriz que os produziu do que ao leitor que delas se vale para o aperfeiçoamento do seu currículo. Pelo que foi exposto, a principal implicação cultural no ensino é a de que, caso o professor não cuide da desconstrução dos pressupostos que fundamentam o manual, a vinculação entre nação e literatura conduzirá o aluno à aceitação da idéia de que a Inglaterra ocupa posição superior em termos culturais, justificando o ensino de literatura inglesa enquanto modelo de civilização. 4.7. Entrevistas A aluna de graduação Camila Silva da Luz Santos , em entrevista concedida no dia 8 junho de 2009, relatou que obteve uma boa impressão do manual Adventures in English Literature, em termos de história da literatura, mas que a série não apresenta críticas a respeito da literatura inglesa. Sobre Shakespeare, a graduanda opinou que o autor tem sua importância definida por elementos literários e que o valor de suas obras ao tempo de sua produção não estava relacionado a questões políticas. A discente posicionou-se no sentido de que as idéias imperialistas contidas no livro não se aplicam aos dias atuais, mas àqueles dias em que foram escritas. Camila lembrou-se da divisão períodológica do manual, oportunidade em que expressou que, em sendo professora, usaria a série como manual didático, porém acompanhada de outras referências. O aluno Agno Disevânio Andrade Santos Júnior , em entrevista concedida no dia 14 de maio, expressou-se de maneira positiva em relação ao manual Adventures in English Literature, atribuindo o sucesso do estudo do manual à capacidade do professor em contrapor os argumentos e ideologias apresentados na série, permitindo aos alunos uma tomada de consciência em relação às possibilidade discursivas dos pressupostos elencados pelos autores. O graduando afirmou que no estudo da série "não teve lado negativo, porque a abordagem que o professor [Luiz Eduardo Oliveira] fez do livro foi diversificada. Ele não só trabalhava apenas o que ele estava dando no livro, mas também outras possibilidades ideológicas além das que o autor colocava dentro do livro." Agno reconheceu também um importante pressuposto contido no manual. Disse o aluno que o autor "fala do geográfico para explicitar a literatura inglesa", referindo-se à abordagem feita por Priestley no sentido de encontrar nos aspectos morfoclimáticos a origem dos motivos da literatura inglesa. Verônica de Oliveira Nascimento , em entrevista concedida em 14 de maio de 2009, colocou como um dos pontos negativos do compêndio a visão eurocêntrica contida na sua narrativa histórica. A estudante destacou a importância de estudar com um material em inglês direcionado a estudantes que têm inglês como língua materna. O Professor Dr. Luiz Eduardo Oliveira , em entrevista concedida em 20 de julho de 2009, informou que, durante sua graduação, na segunda metade da década de 1980, o manual Adventures in English Literature já era utilizado como referência bibliográfica para o ensino de literatura inglesa. O professor também tem usado o referido compêndio como referência desde que ingressou na UFS como professor efetivo em 1994. Ele esclareceu que o proponente da mudança do nome da disciplina "Literatura Inglesa" para "Literatura de Língua Inglesa", o que ocorreu em 2007, com a conseqüente alteração da ementa e da abordagem da disciplina. O espírito de tal mudança, segundo o professor, foi permitir o estudo de outras produções literárias além das obras canônicas da literatura inglesa. Isso conduz o aluno a uma formação mais crítica em relação às obras tidas como clássicas.
CONCLUSÃO:
Diante do que foi dito acima, podemos concluir que o manual Adventures in English Literature consagrou-se, ao longo da história da Universidade Federal de Sergipe, como importante referência bibliográfica para o ensino de literatura inglesa nessa instituição, estando presente em seus acervos, ao que tudo indica, desde o fim da década de 1960. Por isso, tal pesquisa foi de fundamental importância para entendermos como se constitui e se mantém, por meios institucionais, o cânone literário e, acima de tudo, como essa manutenção afeta sobremaneira a posição ocupada pela Inglaterra e a literatura produzida naquele país em relação às demais manifestações culturais de outros países. Somente a partir de uma análise crítica é possível defender a manutenção do estudo do cânone literário inglês na Universidade Federal de Sergipe. Não sendo possível reconhecer as implicações culturais dos julgamentos críticos em favor de uma suposta supremacia cultural inglesa, estabelecidos pelos discursos consensuais da historia literária, outro caminho não pode seguir o ensino de literatura inglesa senão o de advogar em prol de nos incutir um senso de lealdade imperial aos países europeus (BOEHMER, 1995, p. 51), colocando-nos na condição de colônias em sentido cultural. Como aluno e futuro docente, não é razoável que o ensino de literatura sirva de instrumento para identificar ou reconhecer tal discurso, pois, se assim o for, pouco ou nada terá para contribuir ao aperfeiçoamento dos docentes que vão lidar com a realidade cultural do nosso país. Tampouco tal compêndio poderá servir de base para que possamos contribuir para o crescimento cultural local, em particular, na Universidade Federal de Sergipe. Nesse diapasão, somente em 2007 a Universidade Federal de Sergipe, através da Resolução 60 do CONEPE, que aprovou o projeto pedagógico do curso de Letras Inglês, efetivou oficialmente o estudo das obras não canônicas, ao substituir as disciplinas "literatura inglesa" por "literatura de língua inglesa". Essa importante descentralização faz com que outras vozes possam ter sua oportunidade de afirmação no meio acadêmico e, a partir daí, cheguem ao ensino secundário, mudando a configuração da literatura estrangeira como um todo. Agora, os professores estão oficialmente autorizados a contemplar os discursos feminista, negro, indígena, marginalizados pelo ensino canônico de literatura inglesa. Ao estudar a literatura inglesa a partir do manual Adventures in English Literature, devemos ter em mente o universo ideológico em que o manual está inserido, dentro do contexto da era vitoriana, considerando seus propósitos originais, a fim de que evitemos reproduzi-los. Assim, será possível não só confrontar o referido manual com os argumentos atuais da teoria literária, mas também trazer à baila os discursos excluídos pela visão central-exclusivista do livro. Quando o professor se capacita para reconhecer a ausência desses discursos no manual e percebe a hegemonia discursiva predominante, começa a ser criado o senso crítico necessário à formação da pluralidade discursiva típica dos atuais docentes de inglês. O estudo aprofundado do manual Adventures in English Literature nos conduziu a uma visão muito mais consciente e ampla das sutilezas institucionais do ensino da disciplina, permitindo a análise dos discursos que reverberam não só no ensino de literatura, mas no ensino de línguas como um todo, ficando claras as suas implicações políticas e culturais no ensino. Esperamos que os resultados desse projeto possam contribuir para o entendimento mais aprofundado das implicações do ensino não só de literatura inglesa, mas de língua estrangeira em geral, no sentido de que a análise crítica da bibliografia utilizada no ensino é fundamental para que evitemos a reprodução de valores que não convêm ao processo de (re)construção de nossa própria identidade.
Instituição de Fomento: FAPITEC, CNPq, UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Palavras-chave: Literatura, Ensino, Superioridade.