62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira
O MENINO DA DOIDA, UM ÓRFÃO EM AS FILHAS DO ARCO-ÍRIS, DE EULÍCIO FARIAS DE LACERDA
Eldio Pinto da Silva 1, 2
Humberto Hermenegildo de Araújo 1, 2, 3
1. Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL) - CCHLA - UFRN
2. Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses (NCCEN)
3. Prof. Dr. / Orientador
INTRODUÇÃO:

Este trabalho procura estabelecer como o menino da doida, personagem de As Filhas do Arco-Íris (1980), de Eulício Farias de Lacerda convive com a sociedade de Gurinhatá. O papel da criança na formação da sociedade é palco de diversas discussões. Portanto, esta temática interessa aos estudos literários, dada a sua diversidade ante as novas realidades sociais do mundo contemporâneo. Na sociedade, adultos, jovens e crianças se misturam nos afazeres e práticas sociais, ou seja, no trabalho, nos divertimentos e eventos culturais. E na Literatura, a personagem órfã convive em um ambiente de abandono e solidão. E quando sabe que perdeu pai, mãe e irmãos, é comum que procure alguém para auxiliá-lo na busca de sua própria identidade para fugir do abandono. A orfandade embora não seja característica das narrativas em que se encontra personagens infantis, às vezes se torna necessária para impulsionar o enredo. A jornada de personagens órfãs é de aventuras, brincadeiras e perigos para realizar seus desejos. Esses desejos podem ser: encontrar uma família, um lar, a aceitação da sociedade, a auto-realização, etc., refletindo um percurso de amadurecimento, aspecto que se relaciona com reflexões pertinentes à Teoria da Narrativa, sobretudo com os posicionamentos de Adorno e Walter Benjamin.

METODOLOGIA:

Buscou-se analisar o menino na narrativa, tentando compreender suas memórias e encontrar as contribuições sobre aspectos como a vida, o cotidiano, os mistérios e os acontecimentos que um órfão enfrenta pela falta dos pais. Quer-se mostrar que o menino se desenvolve pela convivência com o cego, o bêbado, o doido, o velho e o padre. Expõe situações e fatos em que cada capítulo há uma situação que não sequencia o momento anterior. Além de ser personagem narrador e observador, o menino apresenta momentos em que expressa o controle da narrativa, pois narra a vida dos moradores da vila, os mistérios, as festas e datas comemorativas do ano, os contos e causos narrados por Pai Estevão e o desenvolvimento da vila até tornar-se cidade. Ao apresentar a historia de Gurinhatá, o menino perpassa pela narrativa como quem guarda consigo os segredos e mistérios da vila. E o discurso em primeira pessoa integra resquícios do discurso em terceira, demonstrando uma coerência com o discurso do outro. Ao perceber isso, o leitor pode observar que através das lembranças da infância, o menino expressa suas experiências com a comunidade e, ao mesmo tempo, faz uma reflexão dos momentos que representam a chegada de elementos da modernização àquele universo.

RESULTADOS:

Em As Filhas do Arco-Íris, o menino narra sua infância em Gurinhatá, ao mesmo tempo conta causos, brincadeiras, lembranças e as alegrias que vive junto com o cego, o bêbado e o doido, sem contar toda aprendizagem que adquire com o velho Pai Estevão e o Padre Santo. Isso demonstra que apesar de ser órfão, a falta dos pais não o torna uma criança traumatizada, e mesmo convivendo com uma tia com distúrbios mentais, se sente maduro para encarar os problemas da vida. Desse modo, Eulício Farias demonstra que soube utilizar de maneira lúdica e divertida o imaginário infantil, abandonando o jeito sério que acompanha o adulto para brincar e se divertir através de causos e desafios. Ele concilia a atitude de escritor ao modo e às formas de agir de uma criança que vive a realidade caótica do sertão para apresentar que no mesmo ambiente coexiste um mundo de sonho e fantasia alimentado pelas estórias que circulam no imaginário do sertanejo, podendo construir daí uma série de fatos e acontecimentos que se transformam em brincadeiras e divertimentos. Sabe-se que ao brincar, a criança esquece seus problemas e passa a construir e reconstruir uma realidade só sua e esse brincar criativo, às vezes simbólico e imaginativo, faz a criança conhecer o mundo como um ambiente de faz de conta.

CONCLUSÃO:

Compreendeu-se o menino como uma criança que procura entender as coisas em Gurinhatá, e que através de uma imaginação inventiva relata um universo de fantasia entrelaçado com casos misteriosos e absurdos. Desse modo, apresenta importantes contribuições para a narrativa, pois demonstra ser muito observador, inventivo e sua convivência com os mistérios da vila o faz criar um espírito crítico. Assim, a infância é evocada na narrativa para não deixar que a seriedade ­adulta prejudique a ludicidade da criança que o autor quer re­cuperar. Nesse sentido, a atitude do escritor é resgatar o mundo da infância como quem vivesse um estado de fantasia. Portanto, a narração de As Filhas do Arco-Íris se desenvolve nas inter-relações entre o menino, velho (Pai Estevão), o cego (Formião), o bêbado (Damião), o doido (Pedro Gago), Padre Santo e a comunidade de Gurinhatá. Daí, ressalta os relacionamentos de amizade, respeito e conflito entre essas personagens. Nas observações e brincadeiras circulam o bêbedo, o cego e o doido para divertir os moradores da vila e fazer com que o menino siga um percurso de amadurecimento. Nisso, o menino desenvolve um modo próprio de narrar com criatividade sem perder a capaci­dade de reconhecer o mundo de forma crítica.

Instituição de Fomento: Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses (NCCEN)
Palavras-chave: Narrador, Infância, Orfandade.