62ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 6. Arquitetura e Urbanismo - 5. Arquitetura e Urbanismo
A FORMA DA SEGREGAÇÃO: CONDOMÍNIOS FECHADOS, RENDA E ACESSIBILIDADE URBANA
João Batista Carmo Júnior 1
1. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - PPGAU/UFRN
INTRODUÇÃO:
Aquilo que vem sendo chamado do "novo" padrão de segregação sócio-espacial tem atraído a atenção de estudiosos para a estrutura urbana das cidades. Este novo padrão se sobrepõe ao conhecido padrão centro-periferia e se caracteriza, dentre outras coisas, pelo deslocamento das camadas de alta renda do centro para a periferia, gerando espaços nos quais os diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos, porém separados por muros e tecnologias de segurança. Para viabilizar tal condição os "enclaves fortificados" são o principal instrumento desse novo padrão de segregação, definido como espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho, cuja principal justificativa é o medo do crime violento. Esses novos espaços atraem aqueles que estão abandonando a esfera pública tradicional das ruas para os pobres, os "marginalizados" e os sem-teto. (CALDEIRA, 2003) Este trabalho lança um olhar sobre aquilo que tem sido chamado do "novo" padrão de segregação e questiona se, de fato, a estrutura urbana vivencia transformações marcadas por novos elementos que sustentam a idéia de um "novo" padrão, ou se aquilo que estamos observando é, apenas, uma das muitas facetas de um processo em curso e não tão novo chamado segregação. A questão que defendemos, aqui, é que tratar o novo padrão pura e simplesmente como a saída das camadas de alta renda do centro para a periferia resguardada por muros e tecnologia de segurança, é um modo simplista de compreender o fenômeno da segregação das classes sociais "[...] que é aquela que domina a estruturação das nossas metrópoles." (VILLAÇA, 2001, P.142) É evidente que a construção em tão pouco tempo de inúmeros enclaves fortificados nas periferias das cidades é significativo. É significativo no que se refere à transformação da paisagem enclausurada por muros; no que diz respeito à valorização da terra urbana com a chegada de infra-estrutura, serviços urbanos e equipamentos instalados para atender uma demanda de grande poder aquisitivo numa periferia. É significativo pela inserção do objeto em si que separa sem pudor e desfaçatez ricos de pobres. E, ainda, por mudar as noções de público e espaço público ao restringir a acessibilidade numa área, muitas vezes, ocupada por uma população altamente dependente desse valor de uso essencial para a terra urbana, ao privatizar vias de circulação. Porém, essas significações não esgotam aquilo que representa o chamado "novo" padrão de segregação. Isso porque tratá-lo dessa maneira empobrece sobremaneira um fenômeno dessa grandeza. Apresentando a cidade do Natal-RN como universo de estudo, este trabalho estuda o fenômeno da segregação a partir da análise separada e em conjunto de quatro questões como forma de enriquecer seu significado: 1) localização dos condomínios horizontais fechados de luxo; 2) evolução do centro morfológico; 3) distribuição sócio-econômica da população; e 4) potencial de acessibilidade. Após o levantamento e análise dos dados referentes às quatro questões abordadas, foi feito o cruzamento das informações num Sistema de Informações Georreferenciadas - SIG. Dessa forma pôde-se observar a espacialização do fenômeno da segregação sócio-espacial e de sua relação com a forma urbana, ampliando sua compreensão.
METODOLOGIA:
Na análise das quatro questões propostas foi necessário desenvolver os seguintes procedimentos. Com relação à primeira questão que se refere à localização dos condomínios residenciais horizontais de luxo na estrutura urbana da cidade do Natal, pretendendo avaliar se a inserção desses equipamentos obedece a algum padrão, foi necessário identificar, mapear e analisar a localização destes condomínios com o auxílio de fotos aéreas e visitas aos locais. Na segunda questão, que trata da analise de como se deu, historicamente, o encaminhamento do centro morfológico, foi necessária a realização de uma pesquisa bibliográfica baseada em estudos sobre o crescimento físico da cidade e evolução se seu núcleo de integração. A noção de centro adotada aqui pouco tem a ver com a noção geométrica de um ponto eqüidistante do perímetro de uma forma, mas sim, com a noção topológica que diz respeito às relações de conexão entre os elementos que formam a "estrutura" da malha urbana. Entende-se por estrutura "um todo constituído de elementos que se relacionam entre si de tal forma que a alteração de um elemento ou de uma relação altera os demais elementos e todas as demais relações." (BASTIDE, 1971) Por sua vez, a forma urbana compreendida como o domínio público da cidade, incluindo os elementos arquitetônicos que ajudam a defini-la, é representada por um arranjo linear - obtido traçando-se sobre a malha viária o menor número dos maiores eixos. Aplicativos computacionais elaborados estritamente para tal fim, constroem uma matriz de conexões, atribuindo valores de integração para cada eixo, onde seu potencial de acessibilidade é função de sua posição em relação ao sistema como um todo. (HILLIER, 1996) Sobre o conceito de integração, Holanda (2002) diz que seu valor indica a menor ou maior acessibilidade potencial entre as várias partes de um determinado sistema. Dessa forma, para tais sistemas, os valores de integração estão intrinsecamente ligados à ocorrência de rotas de movimento. Fenômeno suficientemente sistemático para Hillier (1996) definir as cidades como economias de movimento. Para este autor, a malha urbana, através de sua influência no movimento é a fonte fundamental da multifuncionalidade que dá vida as cidades. O conjunto de eixos mais acessíveis constitui o chamado núcleo integrador ou centro morfológico que costuma coincidir como o centro ativo. Para uma melhor visualização do núcleo integrador, os valores de integração são apresentados graficamente numa escala cromática que varia do vermelho (altos valores de integração) ao roxo (baixos valores de integração). Na terceira questão, que estuda a espacialização da distribuição sócio-econômica da população a partir da renda média mensal, foi preciso consultar os dados do IBGE, e, em seguida, espacializar estes dados, buscando observar se há algum padrão na ocupação das camadas de alta renda no espaço urbano e, ainda, em que área da cidade verifica-se essa ocupação. Por fim, a quarta questão, que analisa a acessibilidade da atual estrutura urbana da cidade, foi realizada a representação de sua malha viária a partir da construção de um arranjo linear. Com auxílio de programas específicos, foram calculadas medidas de acessibilidade para cada eixo, sendo feitas médias de tais medidas por Setor Administrativo e bairros da cidade. O objetivo dessa quarta questão é identificar as Regiões Administrativas e bairros de maior acessibilidade, assim como, aqueles mais segregados espacialmente. Realizada a análise isolada de cada elemento, iniciou-se uma análise em conjunto, construída a partir do cruzamento de dados espaciais visualizados num Sistema de Informações Georreferenciadas - SIG.
RESULTADOS:
Os grandes condomínios horizontais destinados às camadas de maior renda foram construídos a partir da década de 1990. A localização desses condomínios, inicialmente, remete as franjas de bairros elitizados da Zona Sul, embora limite-se com bairros populares da Zona Oeste. O primeiro grande condomínio horizontal da cidade foi o Green Village lançado pela FBF empreendimentos Ltda., em 1995,. Em 1997, na mesma área, a empresa FBF Empreendimentos Ltda. lançou outro condomínio chamado Green Woods. O terceiro condomínio horizontal de Natal, construído pela Ecocil em 1999, foi o West Park Boulevard situado exatamente entre dois bairros da cidade (Candelária e Cidade da Esperança). (TAVARES, 2004). Aproveitando o sucesso de venda dos primeiros grandes condomínios horizontais e, ainda, as áreas que restaram próximas a eles, foram construídos outros condomínios de menor porte a destacar: Green Fields, Barra Green e o West Side Boulevard. No bairro de Ponta Negra, também localizado na Zona Sul, foi lançado em 2002 seu primeiro condomínio horizontal chamado Ponta Negra Boulevard pela Ecocil. Ainda nesse bairro, a Ecocil construiu, em 2008, outro condomínio chamado Flora Boulevard. Em 2009 mais um empreendimento foi lançado em Ponta Negra, dessa vez pela empresa Econgel: o Condomínio Vila dos Lagos. Em 2004, no bairro de Neópolis, Zona Sul, foi construído mais um empreendimento da Ecocil, o Porto Boulevard. (TAVARES, 2009) Da amostra levantada, observa-se que tais condomínios localizam-se na Zona Sul da cidade estando parte deles numa área que limita-se com a Zona Oeste e uma outra parte, limitando-se com o município de Parnamirim-RN, por onde têm surgindo outros condomínios desta natureza como é o caso do Alphaville, Buena Vista e a Cidade do bosques. (complexo de condomínios horizontais lançados pela empresa Capuche) A análise realizada revela que o padrão da localização dos condomínios horizontais de luxo na cidade do Natal se dá de forma concentrada na Zona Administrativa Sul. Uma parte deles encontra-se no bairro Candelária, numa porção que se limita com a Zona Administrativa Oeste, mais especificamente, com o bairro Cidade Esperança. A outra parte localiza-se nos bairros Ponta Negra e Neópolis - bairros periféricos que se limitam com o município de Parnamirim-RN, que tem absorvido o transbordamento dessa forma espacial de uso residencial. Esse padrão restringe, no caso da cidade do Natal, a afirmação de que o novo padrão de segregação se baseia na saída das camadas de alta renda dos bairros centrais e tradicionais para a periferia, uma vez que não se trata de toda a periferia, mas sim, de uma área específica dela localizada na Zona Sul. Sobre a análise das médias das medidas de acessibilidade da estrutura urbana da cidade do Natal, primeiramente por Zona Administrativa, verifica-se a Zona Leste (0,83) como a área de maior acessibilidade, seguida da Zona Oeste (0,80), Zona Sul (0,77) e, por fim, a Zona Norte (0,68). No que diz respeito aos bairros, verifica-se uma concentração numa área de grande acessibilidade formada pelos bairros: Lagoa Seca (1,00), Dix-Sept Rosado (0,99), Petrópolis (0,98), Tirol (0,97) e Lagoa Nova (0,97). Essa área compreende grande parte da Zona Leste transbordando para a Zona Oeste, assim como para a Zona Sul. Destaca-se o bairro Lagoa Seca, localizado na Zona Leste, como o bairro de maior potencial de integração, assim como, os bairros: Quintas (0,96), Nossa Senhora do Nazaré (0,96), Nova Descoberta (0,94), Bom Pastor (0,93), Barro Vermelho (0,91) e Areia Preta (0,91). Esse segundo bloco de bairros com suas respectivas médias de integração, reafirma o grande potencial de alguns bairros da Zona Oeste no que diz respeito à acessibilidade. Com relação às médias de baixa integração, ou seja, os bairros mais segregados espacialmente, destaca-se aqueles localizados na Zona Norte: Lagoa Azul (0,59), Pajuçara (0,61) e Redinha (0,63). Assim como, alguns bairros da Zona Oeste: Guarapes (0,47), Planalto (0,61). Embora a Zona Oeste tenha um potencial de acessibilidade maior que a Zona Sul, as médias dos valores de integração entre os bairros apresentam grandes disparidades, ao ponto do bairro Guarapes apresentar o menor potencial de acessibilidade, enquanto Dix-Sept Rosado (0,99) é o segundo com maior média. Sobre a correlação da forma urbana, no que diz respeito à acessibilidade, com a distribuição sócio-econômica referente às faixas de renda média mensal por bairros, verifica-se que ela (a forma urbana) não é alheia ao processo de segregação. Muito pelo contrário, há uma forte correlação estabelecida entre a estrutura social e a configuração espacial. Essa relação pode ser observada de forma consistente quando selecionamos os bairros com integração igual ou superior a 0.9 e rendimento igual ou superior a 9 salários mínimos, ou seja, bairros com alta acessibilidade e que são ocupados pelas camadas de alta renda, são eles: Petrópolis, Tirol, Areia Preta, Barro Vermelho, Lagoa Seca e Lagoa Nova. Em outra seleção, desta vez usando como atributo os bairros com integração menor ou igual a 0.8 e rendimento menor ou igual a 7 salários mínimos, verificamos, como resultado, toda a Zona Norte, com exceção do bairro Igapó, Santos Reis, Rocas e Mãe Luiza, na Zona Leste, e Felipe Camarão, Guarapes e Planalto, na Zona Oeste. Porém, tal fato, não implica em dizer que os bairros de baixa renda tenham, necessariamente, baixo potencial de acessibilidade, assim como, não é correto afirmar que todos os bairros ocupados por uma população de alto poder aquisitivo tenham, obrigatoriamente, uma média alta de integração. Por exemplo, a porção da Zona Oeste que possui um alto potencial de acessibilidade formada pelos bairros: Dix-Sept Rosado (0,99), Quintas (0,96), Nossa Senhora do Nazaré (0,96) e Bom Pastor (0,93), apresentam, respectivamente, renda média mensal igual a: 3,5; 2,93; 5,16; 2,23 salários mínimos. Por outro lado, Capim Macio e Ponta Negra, bairros da Zona Sul, apresentam alta renda média mensal, respectivamente: 16,22 e 9,43 salários mínimos e, médias de integração menores do que os bairros citados da Zona Oeste, respectivamente: 0,85; 0,64. A questão é mais complexa e exige um estudo mais apurado do papel da forma urbana no processo de segregação sócio-espacial. A relação existe, porém não pode ser tomada à ferro e fogo. A porção da Zona Oeste que possui alta integração, como foi mostrado, juntamente com o bairro Alecrim da Zona Leste parecem absorver as franjas do núcleo integrador do sistema como um todo e, nesse sentido, parece se confirmar a máxima que sustenta a teoria da Lógica Social do Espaço (Hillier, 1996) de que os valores de integração correlacionam-se, consistentemente, com padrões de movimento e uso do solo, uma vez que tais bairros são reconhecidamente de grande movimento, apresentando um comercio de caráter popular ativo na cidade. Retomando a questão dos condomínios, suas localizações na periferia da Zona Sul, apresentam valores medianos e baixos de integração o que nos leva a pensar, inicialmente, que as camadas de alta renda, ao ocupar estas áreas, teriam aberto mão da acessibilidade dos bairros centrais em razão de outras questões. No entanto, se observarmos: 1) o encaminhamento do centro morfológico em direção à Zona Sul, bombeado vitalidade pelas artérias Hermes da Fonseca/Salgado Filho e Prudente de Morais com seu prolongamento; 2) Embora a Zona Sul apresente um menor potencial de integração em relação à Zona Oeste, como foi mostrado, ela apresenta mais homogeneidade em termos de acessibilidade entre os seus bairros; verificamos que o possível abandono da acessibilidade pelas camadas de alta renda não parece consistente. O que, de fato, parece está ocorrendo é o deslocamento das camadas de alta renda para uma determinada área da periferia urbana e, ainda, a atração do núcleo de integração para esta área, descrevendo uma forma que se assemelha a um cone constituído a partir do centro de comércio e serviços (bairros de Petrópolis e Tirol), por onde tem se concentrado a atuação do setor imobiliário.
CONCLUSÃO:
Para concluir, da análise dos quatro elementos, aqui, tratados, entende-se que os modelos dos padrões de segregação construídos com o intuito de compreender a estrutura espacial urbana são bastante estanques e, embora tenham sua importância, pecam por não compreender o fenômeno da segregação como um processo. No caso da cidade do Natal, esse processo tem inicio na fundação da cidade, mais precisamente, na implantação do seu núcleo urbano inicial. Nessa implantação, um dos lados - divididos pelo rio Potengi - é privilegiado, enquanto o outro, sofre até hoje as consequencias dessa escolha, em termos de acessibilidade, e de como se deu o encaminhamento desse centro morfológico. Encaminhamento esse que como vimos, vem privilegiando cada vez mais as Zonas Leste e Sul com uma notável apropriação de suas franjas por alguns bairros da Zona Oeste. Esse processo de segregação assume a forma de um setor de círculo - cone que apresenta como vértice o bairro de Petrópolis e por onde vêm se concentrando os bairros ocupados pelas camadas de alta renda. Além disso, concentra, também, os condomínios horizontais fechados de luxo. O estudo da forma urbana revela a atração do núcleo de integração que se espraia por este setor de círculo, marcando a apropriação pelas camadas de alta renda do potencial de acessibilidade. A análise morfológica em curso nos sugere que a segregação nas cidades brasileiras pode ser explicada pela tentativa de apropriação das áreas de maior acessibilidade do sistema pelas camadas de alta renda. Essa tentativa se dá pela ocupação de áreas com altos índices de integração e, ainda, pela atração do núcleo integrador para "novas áreas" na periferia, ainda em processo de ocupação pelas camadas de alta renda, que no caso da cidade do Natal, tem descrito um cone a partir dos bairros de Petrópolis e Tirol, em direção à Zona Sul, e por onde têm se localizado os condomínios fechados de luxo. Isto explica o fato de alguns bairros ocupados pelas camadas de alta renda ainda não possuírem altos índices de integração, mas que com a atração do núcleo de integração são potencialmente áreas de acessibilidade do sistema. Por fim, é importante destacar que com a seleção de Natal como uma das sedes para a realização da copa do mundo em 2014, a área escolhida para implantação do projeto localiza-se na Zona Sul, no bairro de Lagoa Nova, e prevê alteração no seu sistema viário. Fato este que, provavelmente, aumentará ainda mais seu potencial de acessibilidade, consolidando de vez essa área e a relação, aqui, apontada, de apropriação das camadas de alta renda do potencial de acessibilidade urbana.
Instituição de Fomento: CAPES
Palavras-chave: Condomínios fechados, Segregação sócio-espacial, Morfologia Urbana.