62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 6. Sociologia Urbana
UM ESTUDO SOBRE ARTESANATO EM SOBRAL-CE: RELAÇÕES ENTRE O TRADICIONAL E O CONTEMPORÂNEO
ALECRIDES JAHNE RAQUEL CASTELO BRANCO DE SENNA 1
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
INTRODUÇÃO:
O texto é uma parte da minha monografia de bacharelado, apresentada ao curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA, em Sobral-Ce, no ano de 2007. A pesquisa foi realizada no período 2003-2007, portanto, tendo uma duração de cinco anos de acompanhamento das atividades realizadas pela ASAS - Associação dos artesãos de Sobral. Com o objetivo de estudar o artesanato enquanto prática relacionada à identidade e tradição, aqui apresento alguns resultados obtidos nesse percurso.
METODOLOGIA:
A pesquisa teve como base o trabalho etnográfico, no acompanhamento das feiras realizadas pelas ASAS, entrevistas formais com alguns artesãos e com o coordenador da associação e, entrevistas informais com os artesãos durante as visitas às feiras. Além disso, foram coletados dados sócio-econômicos a partir das fichas de cadastros da associação, e a partir desses dados foram construídos gráficos para análise.
RESULTADOS:
Todo artesão que possui um espaço na feira é filiado à Associação dos Artesãos de Sobral - ASAS, sendo este um pré-requisito. A proposta da associação seria a aglutinação e formação de um potencial turístico para a cidade, em contrapartida a um benefício para os que dela participarem. O artesanato é uma atividade muito associada ao feminino, por ser algo realizado mais comumente no ambiente familiar; ou um ambiente relacionado ao familiar. O número de mulheres entre os associados foi muito superior ao de homens, na proporção de 26,41% de homens para 73, 59% de mulheres (SENNA, Alecrides J. R. C. B. Inventário Cultural de Sobral: a experiência da ASAS - Associação dos artesãos de Sobral. XVIII SEMOC - Semana de Mobilização Científica, UCSaL, Salvador, 17 a 21 de outubro de 2005). Havia em 2005, 53 fichas de artesãos cadastrados, e, em 2007 o número era exatamente o mesmo, embora alguns dos nomes presentes em 2005 não apareçam na pesquisa de 2007, época da apresentação da monografia, em que os dados foram revisados e atualizados. Existe uma predominância de atividades relacionadas ao gênero feminino: bordado, boneca de pano, bijuteria e pintura em tecido. O que pode ser explicado pelo fato de existir um número maior de mulheres associadas a ASAS. Mas, o que fazem essas mulheres e esses homens além da atividade do artesanato? Das 53 fichas analisadas, apenas 20 artesãos exercem outra atividade, ou seja, são 37,73% do total. As atividades que eles exercem são suas profissões. Existem desde pedreiros, costureiras, funcionários públicos, professores, domésticas, agentes de saúde, cozinheira, funcionário de banco e até massoterapeuta, entre outras. Pessoas em tratamento psicossocial também participam das atividades da feira. Há uma problemática, a da renda familiar, ou da complementação da mesma com a participação de alguma atividade da mulher; o que não implica a necessidade de abandonar o lar atrás de uma fonte de renda. A afirmação, por parte das artesãs, é proveniente do fato de que a maior parte dessas mulheres é casada, e estão entre 35 e 45 anos. São mulheres com um grau de escolaridade em Nível Médio. Os artesãos da feira, que apresentam produtos de palha, compram a matéria-prima já pronta para o uso; os de Patriarca e Aracatiaçu (distritos de Sobral), que utilizam a palha da carnaúba - compram de fornecedores que vendem a palha pronta para o manuseio. Apesar desse fato aparentemente desqualificar os artesãos da palha como tradicionais, há uma justificativa. Eles não produzem a sua própria matéria-prima devido às dificuldades do processo de coleta, secagem e preparo da palha. Eles, na verdade, são elas; esse trabalho é feito no geral apenas por mulheres - muitas vezes chamadas de 'chapeleiras', pois a maior parte da produção é de chapéus. Segundo a representante na feira da comunidade de Patriarca, elas compram a palha, fazem as 'abas' que são levadas para armazéns e prensadas numa fôrma, que molda o chapéu. Em geral, o dono do armazém é quem fornece a palha, ficando cerca de R$ 0,27 de lucro para as artesãs, por cada chapéu (informação colhida em entrevista feita ao dono de um armazém, em janeiro de 2006). Muitos desses chapéus são produzidos para exportação, para países como México e Espanha. A maior dificuldade dessas artesãs é que não possuem as fôrmas para fazer os chapéus, têm dificuldade para conseguir a matéria-prima e sua organização ainda é bem recente, pois elas trabalhavam de forma avulsa - cada uma por sua conta. A ASAS tem uma preocupação com esses atravessadores - responsáveis pela venda dos produtos dos artesãos, que fornecem material e pagam por peça, geralmente inacabadas, como o caso dos chapéus. Compram dos artesãos a valores irrisórios e vendem por preços altíssimos. A estratégia utilizada pela ASAS no combate aos atravessadores é a 'abordagem', ou visita surpresa ao endereço indicado pelo artesão em sua ficha de cadastro. A equipe, que é o controle de qualidade, fiscaliza vistoriando todo o material utilizado na confecção dos produtos e o espaço onde são fabricados. Também procuram se certificar de que é o próprio artesão que faz o trabalho, e, se for o caso, quem o ajuda.
CONCLUSÃO:
O artesanato tradicional está relacionado às práticas culturais, relativas ao contexto social, histórico e de acordo com as necessidades do ambiente em que vive o homem. O artesanato traduz signos da cultura que o produz, o artesão é um conhecedor das técnicas. Segundo Vives, compreendemos como artesão tradicional aquele que emprega e transmite, em seu trabalho, valores, técnica e signos amadurecidos e aceitos no sistema cultural a que ele pertence (VIVES, vera de. "A beleza do cotidiano", IN: RIBEIRO, Berta (org) O papel do artesão na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1983). O artesão tradicional é um indivíduo romancisado pelo discurso, tendo sua arte confundida com mitos do passado. Sua pessoa é envolvida pela áurea dos tempos primórdios, como um feiticeiro do tempo. Seu papel, nas palavras de Vives (idem) é o de testemunho da cultura, da identidade, de tradições. A referência à tradição não é apenas a lembrança de um passado, mas do que formou a cultura local - ou regional. Um produto cultural é reconhecido em seu meio, pois ...é o código admitido quem produz e solidifica a identidade do grupo social, entendida essa identidade como a cultura desse grupo. (VIVES, idem) A questão a ser levantada é se existe alguma diferença entre as duas formas de artesanato, aqui intituladas. O tradicional está embasado em necessidades cotidianas objetivas, ou seja, o nascimento de tal arte/objeto tem um fim prático. O turístico percorre outra via: parte de uma vertente saudosista, exótica e exibicionista. Em ambos existe o motivador econômico, é preciso considerá-lo, e não associar a apenas um deles. O tradicional na sociedade contemporânea é o consensual, o que é aceito ao maior número possível de indivíduos. VIVES (ibidem) não fala de uma permanência da novidade. "A cristalização dessa aceitação - diz ela - poderá ser rápida", mas não diz se deverá permanecer, embora isso fique subtendido. Algo obscurece a concepção de tradição recorrente: o consenso. Nesse ponto, cabe refletir se o tradicional pode surgir subitamente e permanecer. Uma adaptação ao consenso de que tradição é um costume, prática enraizada na sociedade. Tradição é tempo e consenso. As referências pinceladas caracterizam o artesanato contemporâneo. Quando não há técnicas tradicionais apela-se às figuras consideradas tradicionais. Trabalho manual caricaturado. Essa discussão leva-nos a um único ponto: as técnicas tradicionais são o elemento-chave do artesanato histórico ou tradicional. O artesanato apresentado na feira dos artesãos é um artesanato contemporâneo, nos dizeres de D'Ávila. Como a maioria dos artesanatos nas feiras regionais e locais, há muito reciclado fazendo parte das peças outrora tradicionais. Nas palavras de Canclini: "Nem a modernização exige abolir as tradições, nem o destino fatal dos grupos tradicionais é ficar de fora da modernidade" (CANCLINI, Nestor García. A encenação do popular. IN: Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da Modernidade. 3ed. São Paulo: EDUSP, 2000 (Ensaios Latino-Americanos, 1)).
Instituição de Fomento: FUNCAP
Palavras-chave: ARTESANATO, IDENTIDADE, CULTURA.