62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 1. Lingüística Aplicada
O ENSINO DO LATIM POR MEIO DE GÊNEROS DISCURSIVOS
Alzir Oliveira 1
Renan Marques Liparotti 1
1. Departamento de Letras / UFRN
INTRODUÇÃO:
O ensino do latim no Brasil sofreu uma redução drástica nos anos 60, restringindo-se cada vez mais, até o estado atual em que mínguam as licenciaturas em línguas clássicas. Rareia a presença do latim nos cursos de Letras pela escassez de profissionais habilitados e pela dificuldade em justificar sua permanência no currículo diante da concorrência de outras disciplinas tidas como de utilidade mais prática e imediata. Exemplo disso é o curso de licenciatura em língua inglesa da UFRN, que se viu na contingência de excluir do seu currículo o estudo da língua latina a fim de aprofundar os estudos da língua inglesa. Essa redução não se restringe, porém, ao Brasil; em lugares onde tradicionalmente o latim gozou de um espaço privilegiado, como em países europeus, tem havido um considerável declínio. Nosso objetivo neste trabalho é investigar as causas extrínsecas e intrínsecas desse declínio, com vistas a compreender o fenômeno e apontar caminhos que possam colocar o ensino do latim em uma perspectiva condizente com a nossa realidade educacional e com os avanços da lingüística aplicada em relação ao ensino de línguas. Desconhecemos trabalho de pesquisa publicado no Brasil sobre esse tema, o que o justifica como inovador na busca de melhorias ao nosso trabalho docente com o latim na UFRN.
METODOLOGIA:
A pesquisa é de natureza qualitativa e se valeu de documentos de origem diversa, complementares entre si, como fontes de informação, cuja análise nos ofereceu suporte à reflexão em torno da problemática do ensino do latim - situação atual diante das reformas, questões de método e de postura didático-pedagógica, materiais produzidos recentemente, inovação e conservadorismo etc. -, e nos tem orientado na busca de respostas a nossas questões de pesquisa. Procedemos primeiro à construção do pressuposto teórico a partir do exame dos métodos de ensino de línguas e das reflexões teóricas a esse respeito (Agar, 1994; Kramsch, 2001; Miraglia,1996; Pimentel, 2003; Hernandez, 2001; Faria, 1959; Lima, 1996; Miotti, 2006; Longo, 2006) e dos estudos de letramento (Street, 1984) e de gêneros discursivos (Miller, 1984; Bazermann, 2006) e sua relação com o e ensino. Em seguida, analisamos compêndios de língua latina, utilizando como corpus os manuais brasileiros de Comba (2002), Martinez (2000), Melasso (1997), Rónai (1980) e Furlan (2006). Por último, buscamos apresentar propostas de ensino de língua latina linguisticamente fundamentadas, com base nas propostas alternativas estrangeiras de Ørberg (2003); Hernandez (1990); Lavency (1995) Isaltina & Soares (2001); Jones & Sidwell (2005).
RESULTADOS:
A partir da análise dos textos teóricos e dos manuais de língua latina, identificamos causas extrínsecas e intrínsecas para o declínio do ensino da língua latina. As primeiras decorrem das mudanças ocorridas nos últimos 50 anos: avanço técnico e tecnológico; pragmatismo e imediatismo (maior utilidade prática e imediata do estudo de línguas modernas); relação entre a construção do conhecimento e sua aplicabilidade; mudanças nas relações de trabalho e nas relações sociais como um todo. As segundas são conseqüência de uma visão das línguas clássicas como modelos imunes à ação da história; do apego a métodos de ensino que privilegiam os elementos sistêmicos em detrimento da língua em uso, cujos textos são mero pretexto para a fixação das formas; da resistência a encarar o fenômeno da língua como algo socialmente construído e historicamente situado; da recusa em aceitar o caráter dinâmico e mutável da língua; do predomínio da abordagem temática civilizacional em relação à cultural; de problemas gerados pelo uso de textos artificiais, por criação do autor ou por adaptação de textos autênticos; da não fundamentação linguística das abordagens; da utilização de exercícios mecânicos e desvinculados do contexto sociocultural da língua, posturas que transparecem um conservadorismo renitente.
CONCLUSÃO:
A análise dos manuais de latim e das reflexões críticas sobre suas práticas didáticas nos deixa clara a necessidade de mudanças radicais, fundamentadas em uma concepção de língua sócio-historicamente contextualizada, tal como preconiza a lingüística aplicada, sobretudo com os conceitos de letramento e gênero discursivo. Consideramos que os fatores intrínsecos ao ensino da língua latina - instrumentos, métodos e agentes de ensino - desempenharam e continuam a desempenhar um papel preponderante na rejeição ao estudo dessa matéria e na sua paulatina exclusão dos currículos escolares. Dada essa constatação, apresentamos as seguintes sugestões, norteadas por práticas observadas nas propostas alternativas constantes do corpus e baseada em nossa própria reflexão: a) o ponto de partida para o estudo da língua latina deve ser sempre um texto autêntico que propicie condições de abordagem da língua em uso, com enfoque na cultura; para tanto, sua escolha deve incluir gêneros discursivos variados da prosa e da poesia; b) a apreensão dos elementos sistêmicos deve ser feita de forma natural, a partir do texto, evitando-se uma gradação artificial; c) os exercícios devem ser sempre contextualizados d) é imprescindível o recurso constante e adequado às tecnologias da informática e da comunicação.
Palavras-chave: Letramento acadêmico, Gêneros discursivos, Didática do Latim.