62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 5. História - 11. História
AQUELES QUE VÃO PARA O CASINO: MEMÓRIAS DAS PRÁTICAS CORPORAIS INFAMES DE UM BAIRRO-BALNEÁRIO
Gustavo da Silva Freitas 1
Méri Rosane Santos da Silva 1
1. Curso de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande / FURG
INTRODUÇÃO:
Casino é um bairro-balneário localizando na cidade de Rio Grande/RS, fundado em 1890. A opção pela utilização desse termo está na forma como o local ficou popularmente conhecido por abrigar um local de jogos de azar frequentado por famílias tradicionais da região de origem inglesa, alemã e portuguesa. Intervir na construção das memórias culturais, esportivas, corporais, pertencentes a uma determinada cidade, região ou bairro, significa antes de tudo apostar em uma possibilidade de fortalecer os laços afetivos e de pertencimento desta comunidade com as positividades do seu cotidiano. As práticas corporais e as memórias apresentam essa positividade na medida em que os saberes e conhecimentos produzidos endereçam, aos corpos dos indivíduos, processos de subjetivação que educam e pedagogizam a partir dos fundamentos da ciência moderna, ainda que esses mesmos saberes, vai dizer Michel Foucault, escapem do domínio científico e estejam contidos também em ficções, narrativas, em decisões políticas, em regulamentos institucionais. Assim, interessa ao presente projeto construir parte das memórias relativas às práticas corporais ocorridas no bairro-balneário Casino, sobretudo aquelas que podemos chamar de infames no início do século XX, entendendo o termo como uma forma de identificar sujeitos sem fama.
METODOLOGIA:
Apoiado na perspectiva de história na esteira foucaultiana, o estudo dá importância as fontes empíricas sem a solidificarmos, sem a sacralizarmos. Essa ruptura, interessada mais nas descontinuidades do que na linearidade do tempo, propõe uma análise histórica em que não importa a tradição ou a origem, mas o recorte e a narrativa como construção. Além de ter por referência os estudos históricos de Michel Foucault, a sustentação dessa pesquisa pressupõe suas bases teóricas na História Oral, pois se constitui em um importante campo metodológico interdisciplinar, que traz consigo a marca de ser uma metodologia que se propõe sintonizada às recentes rupturas epistemológicas e aberta ao diálogo com outras ferramentas investigativas, favorecendo e incentivando o uso conjunto de fontes orais, imagéticas e escritas (THOMPSON, 1992). Para este estudo, as fontes escritas adquirem centralidade visto o trabalho com dois jornais da cidade editados na época, o Echo do Sul e Diário do Rio Grande. A potencialidade de se trabalhar com as crônicas está no fato de que falam das coisas do dia-a-dia, tem como matéria-prima os pormenores do cotidiano, aquilo que há de miúdo. Por estar num veículo de comunicação efêmero, como o jornal, diferente do livro, sua dimensão está entre as pessoas e as coisas.
RESULTADOS:
Pensando as práticas sociais na esfera do bairro, Pierre Mayol (1996) aponta a ingerência deste na produção de estilos de vida dos seus moradores, afirmando ser esta prática "[...] uma arte de conviver com parceiros (vizinhos e comerciantes) que estão ligados a você pelo fato concreto, mas essencial, da proximidade e da repetição." (p.39). A ocupação dos espaços do bairro vai definindo maneiras de se sentir pertencente a esse lugar, pois, "[...] o bairro é, quase por definição, um domínio do ambiente social, pois ele constitui para o usuário uma parcela conhecida do espaço urbano na qual, positiva ou negativamente, ele se sente reconhecido." (p.40) A particularidade do Casino não ser somente um bairro, mas também um balneário, propõe um certo cuidado ao se pensar essas questões de pertencimento. Isso porque se hoje ainda assistimos um movimento migratório para as residências de praia durante a temporada de veraneio, que, somados aos moradores do ano todo, preenchem o bairro, ao final do séc. XIX e início do século XX, essa movimentação era restrita à temporada. A construção de um balneário espelhado àquilo que vinha acontecendo na Europa, acrescido da particularidade de não ser um bairro de moradia fixa, mas temporária, e por seu afastamento significativo do centro da cidade - o que poderia lhe caber a caracterização de periferia -, fez com que o local não fosse, a princípio, ocupado por qualquer cidadão. A preocupação em definir o balneário como um lugar destinado às famílias "de sobrenome", as quais construíram seus chalés ao longo da Avenida principal, era manifestado inclusive por algumas práticas corporais da época como demonstra Pereira (2005, p.43): "O footing e o jogo de cricket, na praia, segundo Denis Lawson - descendente de família britânica, uma das primeiras a construir no balneário - eram hábitos de seus pais, com amigos e familiares. Todos em trajes elegantes: vestidos longos, sombrinha, terno alinhado, picareta e bengala."
CONCLUSÃO:
Mais do que datas históricas, esta pesquisa está direcionada às singularidades socioculturais presente nas manifestações das práticas corporais de um bairro da cidade do Rio Grande, sobretudo daquelas infames. Neste âmbito, as memórias indicam uma maneira de registrar e organizar essas práticas, delegando um espaço privilegiado para as experiências da cidade e, especificamente, do bairro-balneário Casino, que possuiu um vínculo cultural com a população, mas que historicamente carece de um olhar atento do universo acadêmico. Esse olhar, pretensamente presente nesse trabalho, indica a existência de um processo de distinção entre os indivíduos quando as roupas, os modos de se comportar, as condutas, os objetos, as práticas passam a configurar uma das formas de pertencer a um novo lugar, o bairro-balneário Casino. No entanto, essas formas de ocupar e estabelecer vínculos afetivos com o local em que se vive não são harmônicos se tomarmos as práticas sociais como resultantes de relações de poder. Ao mesmo tempo em que uma elite aparece tentando demarcar território, uma gente não famosa disputa uma visibilidade nesse mesmo local.
Palavras-chave: Memória, Práticas Corporais, Casino.