62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 2. Letras - 1. Língua Portuguesa
O LIVRO DIDÁTICO E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
Hérica Karina Cavalcanti de Lima 1
Lívia Suassuna 2
1. Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Educação - UFPE
2. Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino, Centro de Educação - UFPE
INTRODUÇÃO:
No Brasil, o livro didático de português é, na visão de muitos professores, praticamente o único meio de o aluno ter acesso à cultura letrada. Assim, ele ganha relevância porque é sobretudo através dele que o aluno tem a possibilidade de desenvolver a leitura e a escrita. Em face disso, é preciso que as práticas de ensino da língua provenientes do uso do livro didático sejam significativas e capazes de propiciar uma efetiva aprendizagem da língua. Sabendo, então, da importância de investigar os usos do livro didático de português no ensino de leitura, produção escrita, oralidade e análise linguística, realizamos uma pesquisa com duas professoras da rede pública de ensino da Prefeitura de Recife com o intuito analisar as suas práticas considerando o fato de usarem ou não o livro didático escolhido e as táticas "fabricadas" no desenvolvimento das atividades de leitura, escrita, oralidade e análise linguística mediadas pelo livro didático. Tal investigação nos levou a reflexões mais precisas e sistemáticas a respeito de como vem sendo utilizado o livro didático de português e permitiu verificar se realmente ele vem atendendo às novas perspectivas de ensino da língua portuguesa, as quais concebem o ensino e a aprendizagem da língua como forma de interação social.
METODOLOGIA:
A atividade científica de investigação se deu de forma bastante organizada. Tendo como paradigma orientador a abordagem qualitativa da pesquisa, realizamos uma investigação de caráter exploratório, descritivo, explicativo, interpretativo, dialético e etnográfico, que teve como sujeitos duas professoras da rede municipal da Prefeitura de Recife que lecionavam no primeiro ano do quarto ciclo de aprendizagem. A escolha dos sujeitos foi feita com base em critérios diversos, dentre eles, um de grande relevância foi o fato de uma professora (professora A) usar o livro didático que escolheu durante o processo de escolha ocorrido na escola no âmbito do PNLD 2007 e de outra professora (professora B) trabalhar com um livro que não havia escolhido. As professoras lecionavam escolas diferentes, que passaram também por diferentes processos de escolha de livro didático. Para coletar os dados necessários, foram usados instrumentos diversos de pesquisa, dentre eles o questionário - usado principalmente para selecionar os sujeitos - e a observação das práticas das professoras, as quais foram analisadas à luz da teoria da "fabricação do cotidiano" (CERTEAU, 2002; FERREIRA, 2003, 2006).
RESULTADOS:
Em relação ao uso de um livro escolhido ou não pelas professoras, os dados indicaram que há tênues diferenças nas práticas com esse material, as quais se revelam, principalmente, na frequência de uso dos manuais. Indicaram também que as professoras "fabricaram" táticas diversas, como "pular" seções e questões propostas pelo livro, realizar atividades fora dele, trazer outros suportes etc. Quanto à análise linguística, pensávamos que as professoras priorizariam os aspectos gramaticais do livro. Porém, ambas refletiram sobre a língua a partir das dúvidas surgidas nos momentos de leitura e de uso, o que parece demonstrar que elas concebem a língua como meio de interação social (mesmo que o modo como abordaram alguns dos textos não revelasse isso). O trabalho com a oralidade se restringiu à socialização de produções, à participação em discussões e à resolução oral de questões, o que nos leva a perceber que essas atividades eram, na verdade, oralização de textos escritos. Já em relação à produção de textos, percebemos práticas significativas que ocorreram tanto fora do livro didático como a partir de uma sugestão nele presente; no entanto, essas práticas foram marcadas pela ausência da avaliação do texto, da prática da reescrita e da circulação das produções.
CONCLUSÃO:
A partir dos resultados, vimos que as diversas táticas "fabricadas" pelas professoras ao usarem o livro didático pareceram ser uma tentativa de atender aos seus próprios objetivos. Porém, o fato de muitos professores usarem o livro de português, mesmo não concordando com a sua proposta, justifica-se, em parte, pelo fato de eles não disporem de outros materiais e recursos para dar suas aulas (exceto as próprias situações de interação, que são o material por excelência das aulas de língua). Diante dessa escassez, os professores acabam utilizando o recurso que está mais próximo e acessível, como o livro didático. O problema, contudo, não está simplesmente em usar o livro - que pode ser um apoio -, mas nos usos que são feitos dele. A nosso ver, o professor deveria ser o autor de suas aulas e não deixá-las por conta de autores de livro, já que estes trazem situações de uso da língua descontextualizadas e artificiais, e os professores acabam reproduzindo essas situações em classe, privando os alunos de momentos reais e significativos de interação. Também é preciso refletir sobre as práticas de leitura, produção, oralidade e análise linguística que vêm sendo realizadas na escola, pois muitas destas ainda parecem ter apoio numa concepção de língua que não a interação social.
Palavras-chave: Ensino de língua portuguesa, Livro didático, Práticas docentes.