62ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 7. Planejamento Urbano e Regional - 4. Planejamento Urbano e Regional
TERRENOS DE MARINHA E ACUMULAÇÃO URBANA CAPITALISTA: ESPECIFICIDADES DA ORLA MARÍTIMA DE NATAL
daniel araújo valença 1
1. Universidade Federal Rural do Semi-Árido
INTRODUÇÃO:

Terrenos de marinha são as terras a 33 metros da Linha da Preamar Média de 1831, sob influência das marés, às quais o ordenamento jurídico brasileiro atribuiu à União seu domínio. Inicialmente voltadas ao uso comum da população, estipulado pela Coroa portuguesa no primeiro século da colonização, tais terras foram, a partir do século XIX, majoritariamente destinadas ao gozo privado por particulares - usos residenciais, comerciais e turísticos - mediante pagamento de taxas de ocupação e aforamento ao Estado.  Atualmente, algumas áreas de terrenos de marinha em regiões específicas do país têm sofrido forte pressão imobiliária, num processo de intensa acumulação capitalista. Este artigo delimita como universo os terrenos de marinha situados no bairro de Ponta Negra, orla marítima da cidade do Natal - Rio Grande do Norte, que se constituem, aparentemente, naqueles mais inseridos nesse contexto frente ao restante do Município. Pretende-se, portanto, compreender tal processo e a conseqüente alteração do espaço urbano por ele proporcionada.

METODOLOGIA:

A pesquisa contou com levantamento de campo, em que cento e dois terrenos foram mapeados quanto aos usos a eles atribuídos, e consulta aos dados básicos dos imóveis situados em terrenos de marinha disponíveis nos Registros Imobiliários Patrimoniais (RIPs) da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), cedidos pela Gerência Regional do Patrimônio da União do Rio Grande do Norte (GRPU-RN), relativos a duzentos e cinqüenta apartamentos na modalidade "flat".  Como suporte teórico, utilizou-se de referências bibliográficas que visualizam interseções entre a propriedade fundiária, a produção do espaço e o desenvolvimento do sistema capitalista, tais como Harvey e Lefébvre. 

RESULTADOS:

O bairro de Ponta Negra teve origem na Vila, onde os moradores subsistiam da pesca, da agricultura comunal e do artesanato. Até a década de 60, a praia era ocupada por aqueles e veranistas, que construíram casas à beira-mar, configurando-se em segundas residências. Com a emergência do turismo, na década de 80, e sua re-estruturação pós Programa do Desenvolvimento do Turismo no Nordeste (PRODETUR-NE) nos anos 90, consubstanciam-se "segundas residências" para um público não-local, formado, principalmente, de estrangeiros. As casas de veraneio cederam lugar a pousadas, hotéis e flats. Os terrenos beira-mar, em paralelo a esta alteração paisagística da orla e da forma de produção do espaço urbano, transformaram-se em objeto valorizado, emergindo um "novo" capital imobiliário, consolidando uma modalidade de produção espacial destinada a um tipo de consumo a qual tem-se chamado de imobiliário turístico. Dos duzentos e quinze imóveis da tipologia "flat" pesquisados, apenas um encontra-se inscrito na GRPU em nome de pessoa física de nacionalidade brasileira, enquanto outros vinte referem-se a estrangeiros, sendo os demais registrados em nome de pessoas jurídicas nacionais e estrangeiras, em sua maioria de outros ramos produtivos distintos do imobiliário.

CONCLUSÃO:

A orla da praia de Ponta Negra passou por mudanças substanciais ao longo das últimas três décadas, sob o comando não apenas das alterações intra-urbanas do município, mas também, vinculadas à mundialização da economia, novas modalidades de realização do capital e ao aumento do turismo estrangeiro. As áreas mais visadas da orla são justamente os terrenos de marinha, que se situam beira-mar e dispõe de localização privilegiada. Nestas áreas verificou-se a alteração da paisagem do espaço urbano, concomitante com o desenvolvimento de uma nova dinâmica ligado ao crescimento do imobiliário turístico, à inserção de capitais estrangeiros, inclusive de pessoas físicas, e jurídicas que alteraram suas áreas de atuação para se adaptarem a novos padrões de acumulação capitalista. Da análise dos dados, depreende-se uma conexão com a teoria de Harvey acerca da ordenação espaço-temporal em contextos de crise de sobreacumulação, constituindo-se o investimento em projetos de capital de longo prazo, tal como o imobiliário, em solução temporária para a mesma. Tal processo representa riscos à preservação da orla marítima enquanto patrimônio nacional constitucionalmente assegurado, voltado à fruição coletiva e proteção paisagístico-ambiental.

Palavras-chave: Terrenos de marinha, Imobiliário turístico, Novos padrões de acumulação capitalista.