62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 5. Antropologia Urbana
AS ÍNDIAS DO SOTAQUE DE ORQUESTRA: UMA ANÁLISE SOBRE GÊNERO E ESTÉTICA CORPORAL NO BUMBA BOI DO MARANHÃO
Patrícia Geórgia Barreto de Lima 1
Lady Selma Ferreira Albernaz 1, 2
1. Departamento de Ciências Sociais/UFPE
2. Profa. Dra./Orientadora
INTRODUÇÃO:

O bumba boi é um dos símbolos da identidade cultural ludovicense na atualidade. Segundo a população local e os estudiosos desse folguedo, seriam quatro os sotaques principais de bumba boi existentes em São Luis: matraca, zabumba, baixada e orquestra. Neles se observa que os espaços e o tipo/nível de participação de homens e mulheres são distintos e desiguais. Assim, cada um desses sotaques é classificado como sendo mais masculino ou mais feminino, mais indicado para homens e/ou mulheres brincarem. O sotaque de orquestra é tido como o mais apropriado para as mulheres. No entanto, a participação delas envolve uma cobrança crescente e explícita quanto a diversos aspectos ligados à estética corporal que se desdobram e entrecruzam com os sentidos e significados de gênero. Isto se aplica, sobretudo, ao caso da índia, personagem que vem ganhando destaque dentro dos bois de orquestra. A esta se relaciona um ideal de perfeição corporal baseado em novos padrões estéticos, sendo que os critérios de seleção adotados criam limitações que informam quem pode e quem não pode vir a ser índia. Portanto, o objetivo deste trabalho é investigar as mudanças ocorridas quanto às práticas e significados sociais relativos a gênero e estética corporal no sotaque de orquestra do bumba boi do Maranhão.

METODOLOGIA:

A investigação das recentes transformações relativas a gênero e estética corporal ocorridas com relação às índias dos bois de orquestra do Maranhão foi feita, inicialmente, a partir da revisão bibliográfica da produção acadêmica e não acadêmica relacionada a esse folguedo popular. Essa etapa também abrangeu a tarefa de assistir a DVDs e toadas de apresentações de bois locais, no intuito de verificar os espaços e lugares adequados para homens e mulheres brincarem. Em seguida, mais precisamente nos meses de junho e julho de 2009, houve a inserção no campo de pesquisa. Nesta etapa, cumpriram-se os seguintes procedimentos metodológicos: 1) realização de entrevistas semi-estruturadas com as mulheres que brincam como índias nos bois do sotaque de orquestra; 2) realização de entrevistas semi-estruturadas com dirigentes de bois, brincantes (de outras personagens) e funcionários de órgãos de cultura maranhenses, e 3) observação participante e coleta de material fotográfico nas apresentações de bois presenciadas in locus. Por último, procedeu-se ao início da análise do material coletado em campo, a qual vem se estendendo há alguns meses.

RESULTADOS:

É certo que há "lugares" e personagens tidos como adequados para homens e/ou mulheres dentro do bumba boi maranhense, sendo a índia a personagem mais indicada para as mulheres, visto que elas assim estariam evidenciando sua "feminilidade". Deste modo, algumas implicações devem ser consideradas. Primeiro, no que concerne à participação feminina, ressalte-se que nem todas as mulheres podem ser índia. Há uma rigorosa seleção quanto a essa personagem, onde são evocados critérios estéticos e corporais que ressaltam a beleza, a juventude, o tom de pele claro e a posse de um corpo exuberante - com características como: pernas e coxas grossas, nádegas e seios salientes. Assim, uma latente desigualdade de gênero acaba sendo gerada nas relações entre as próprias brincantes desse folguedo. Segundo, deve-se atentar à posição das mulheres no folguedo. Os espaços ocupados por elas ainda se atrelam aos antigos significados do que é ser mulher. Portanto, a posição da personagem índia, ainda que represente, na prática, uma maior participação das mulheres no boi, não consegue transformar os antigos significados de gênero. Em síntese, diga-se que, no sotaque de orquestra, as índias continuam servindo como elementos de embelezamento estético do boi e de atração do público, em especial o masculino.

CONCLUSÃO:

Embora as mulheres venham ganhando espaços no bumba boi do Maranhão, sua presença ainda não foi suficiente para a transformação dos significados de gênero. Ao atuarem como índias, as mulheres estariam apenas desafiando as posições de gênero e não o seu significado. Poderíamos nos questionar: até que ponto, mesmo quando as mulheres têm agência e escolhem ocupar posições que reforçam sua sexualidade, existem mudanças nas relações de poder? Ou ainda, até que ponto é ressignificado o lugar da mulher como "objeto" de exposição e prazer masculino? Este trabalho faz uma crítica a essas construções socioespaciais de "lugares" específicos para homens e mulheres no bumba boi maranhense, as quais naturalizam as desigualdades de gênero entre os brincantes desse folguedo. É preciso evidenciar, pois, quais papéis são comumente indicados para cada um dos gêneros; como se dá a participação de cada indivíduo; quais fatores entram em ação para justificar as desigualdades entre os gêneros. Ou seja, trata-se de verificar em que medida esses espaços conquistados permitem romper com alguns dos significados que concorrem para a desigualdade de gênero.

Instituição de Fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
Palavras-chave: Cultura popular, Bumba boi, Estética corporal.