62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 8. Antropologia
PROPAGAÇÃO DO VALOR DE "PAZ" E INDIVIDUALIZAÇÃO DA JUSTIÇA
Tadeu Bernardes de Souza Toniatti 1
Patrice Schuch 2
1. Depto. de Antropologia, Universidade de Brasília - UnB
2. Profa. Dra./ Orientadora, Depto. de Antropologia, Universidade de Brasília - UnB
INTRODUÇÃO:
As novas práticas jurídicas do Brasil, como as Justiças Comunitária e Restaurativa, inserem-se num contexto internacional de reforma e "modernização" dos Estados, informado, entre outros, por diretrizes da ONU, a qual propõe desenvolver "uma Cultura de Paz". Há, neste contexto, uma indistinção entre paradigmas técnicos e políticos, éticos, morais, em geral próprios às classes dominantes do Ocidente judaico-cristão, legitimados como universais pela negação das relações de poder internacionais; entre eles, o valor de "paz". A adesão acrítica a estes valores se dá, no caso do Brasil, devido a uma cultura de negação da esfera política dos problemas sociais. As novas práticas jurídicas, através da valorização do indivíduo e de sua responsabilização em detrimento do coletivo, podem ter efeitos sérios, como a descaracterização de problemas sociais, que passam a ser percebidos como individuais. Este trabalho visa atingir, através do estudo de dinâmicas de propagação do valor de "paz" no Distrito Federal, uma melhor compreensão, num contexto simultaneamente local e globalizado, das racionalidades ligadas ao processo de "modernização" da Justiça, e das relações de poder entre as instituições e grupos ligados a esta, bem como os desdobramentos atuais e potenciais deste processo.
METODOLOGIA:
O trabalho foi realizado através de análise bibliográfica e documental, de etnografias e entrevistas, em contextos de instituições, grupos e pessoas ligadas à elaboração e promoção do valor de "paz", nos seguintes âmbitos: quatro escolas do Distrito Federal formalmente ligadas à Unesco; a UNIPAZ - Universidade da Paz; e o curso "Juventude, Diversidade e Convivência Escolar" de formação continuada para professores da rede pública do DF, financiado pelo Governo do Distrito Federal e ministrado pela RITLA - Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana.
RESULTADOS:
Na maioria das instituições, constatou-se uma presença exclusivamente feminina entre os operadores da "Cultura de Paz", e quando não, uma maioria absoluta. Afora os casos de uma escola e do curso para professores, todo o processo de desenvolvimento dos valores citados na introdução junto aos diversos públicos acontece, quase que unicamente, através da ação de indivíduos ou grupos minúsculos, uma vez que as instituições não priorizam, em suas ações, o citado processo. Este antagonismo tem o efeito de afastar das práticas de "Cultura da Paz" aqueles indivíduos que não se dispõem a enfrentar tantas adversidades, não tendo estas práticas como prioridade, restando somente aquelas pessoas que encaram a questão como uma missão individual, sempre vinculada, em maior ou menor grau, à religiosidade individual, que orienta o sentido das ações. Além desta, há a intenção de se contrapor a um certo imaginário do mundo do crime e da pobreza, promovendo uma mudança social de grande porte. A evidente limitação do indivíduo mantém a promoção do valor de "paz" num nível incipiente, ou pouco abrangente em termos quantitativos.
CONCLUSÃO:
As instituições pesquisadas, obviamente, não representam mais que uma pequena porção do campo de estudo relativo aos questionamentos desta pesquisa. Porém, em alguns casos, trata-se de instituições centrais; nos outros, de casos presumivelmente representativos de um quadro geral das escolas, estas sim, em seu conjunto, responsáveis por grande parte do processo de promoção da "Cultura da Paz". Sendo desta forma considerada a abrangência da pesquisa, conclui-se que, a despeito do farto desenvolvimento de diferentes diretrizes e discursos sobre a questão da mudança social pela paz, não há, no contexto abordado, uma prática muito sólida de promoção da mesma. Isto parece não acontecer por conta do desligamento entre os diferentes atores: aqueles que criam as diretrizes, os encarregados de prover as condições materiais e institucionais, e os que lidam diretamente com os diferentes públicos-alvos. Disto resulta que, atualmente, a promoção do valor de "paz", nos termos dos órgãos internacionais que o propõem, não parece ter nenhum desdobramento prático importante por si só, participando, porém, de uma já existente dinâmica geral de crescente valorização do indivíduo.
Instituição de Fomento: CNPq
Palavras-chave: cultura de paz, justiça restaurativa, educação para a paz.