62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 7. Educação - 14. Ensino Superior
RADIOGRAFIA SOCIAL DE UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA: o caso da ufac
Maria do Socorro Neri Medeiros de Souza 1
1. Centro de Educação, Letras e Artes - Universidade Federal do Acre - UFAC
INTRODUÇÃO:

Segundo informações divulgadas pela UFAC, no vestibular de 2008, 13.334 candidatos concorreram a 1.125 vagas disponibilizadas nos 28 cursos existentes à época, no campus de Rio Branco. Desse total, somente 8,2% dos candidatos foram aprovados. Nesse contexto, interessou-nos indagar: Quem são esses estudantes que conseguiram superar a barreira de entrada no ensino superior público no Acre e quantos deles provêm dos setores populares? Que posições ocupam, no campo acadêmico dessa universidade, os jovens dos diferentes setores da sociedade? Partindo dessa problemática, o estudo analisou o acesso ao ensino superior público do Acre, examinando o perfil socioeconômico dos estudantes admitidos em 2008 e a configuração social do campo acadêmico da UFAC, a única instituição pública de ensino superior desse Estado.  Criada em 1964 e federalizada dez anos depois, a UFAC ainda desconhece quem são os seus alunos e as hierarquias sociais internas ao seu campo acadêmico. Assim, uma radiografia social dessa universidade visou preencher essa lacuna e, dessa forma, fornecer subsídios à elaboração e implementação de políticas acadêmicas adequadas à realidade do seu alunado e aos desafios hoje postos para um ensino superior de qualidade, com democratização do acesso e da permanência.

METODOLOGIA:

O corpus da pesquisa foram os questionários de avaliação socioeconômica preenchidos pelos estudantes admitidos no vestibular de 2008, da UFAC. Essa base de dados foi submetida a um tratamento estatístico, tomando-se como referência o estudo de Braga e Peixoto (2006), que examina os dados do "Censo Socioeconômico e Étnico dos estudantes de Graduação da UFMG". Esses autores construíram uma escala socioeconômica, denominada "Fator Socioeconômico" (FSE), que combina renda familiar, nível de instrução e tipo de profissão dos pais, além de aspectos da trajetória escolar do estudante, expressando essas variáveis em um único indicador, numérico. Essa escala permite refinar os dados em três níveis: da instituição, por curso e por estudante. Assim, tomando por base o FSE por curso, analisou-se a configuração social do campo acadêmico da UFAC, examinando a relação entre as propriedades econômicas e sociais dos estudantes e os cursos oferecidos por essa IFES. A partir do FSE médio da universidade (que foi de 3,5), foram criadas três categorias de cursos, segundo o volume dos recursos sociais de seus estudantes: os populares, que apresentaram FSE médio abaixo da média da instituição; os intermediários, com FSE médio de 3,5 a 5; e os seletos, com FSE médio superior a 5.

RESULTADOS:

Os resultados obtidos indicam que 60% das vagas foram ocupadas por estudantes das camadas populares (FSE de 0 a 3), 33,1% por estudantes das camadas médias (FSE de 4 a 7), e 6,9% por estudantes das camadas superiores (FSE de 8 a 10). Todavia, as camadas médias e superiores representam somente 25,5% da população (PNAD 2006). Considerando o FSE por curso, 18 cursos foram classificados como populares, sendo 14 de licenciatura; oito cursos foram classificados como intermediários, sendo sete de bacharelado; e dois cursos foram considerados seletos. Analisando as propriedades econômicas, culturais e escolares dos alunos, verificou-se que: 71,6% dos estudantes dos cursos populares possuem renda familiar per capita de até 1 salário mínimo, nos cursos intermediários esse percentual é de 52,5% e nos seletos é de apenas 15%; 14,1% dos pais dos estudantes dos cursos populares possuem instrução superior, nos cursos intermediários esse percentual é 34,4%, e nos seletos é 62,5%; a concomitância estudo-trabalho atingia 57% dos estudantes dos cursos populares, 32% dos cursos intermediários e 31,2% dos cursos seletos; 89,2% dos estudantes dos cursos populares são egressos da rede pública, percentual superior  ao dos estudantes dos cursos intermediários (56,8%) e dos cursos seletos (21,3%).

CONCLUSÃO:

A radiografia social do acesso ao ensino superior público no Acre, desenhada neste estudo, evidenciou que 60% das vagas da UFAC, no vestibular de 2008, foram ocupadas por jovens provenientes dos meios populares. Entretanto, alguns fatores impedem que se diagnostique esse resultado apressadamente como um fenômeno de democratização educacional: (1) quando se comparam esses dados com os da estratificação social do Acre, constata-se que a vantagem, no acesso a essa universidade, é dos jovens provenientes das camadas médias e superiores da sociedade; (2) quando se analisam os FSE médios de cada curso, sobressai a existência de uma expressiva divisão interna entre os cursos e expectativas de carreira, a qual reflete as distintas oportunidades educacionais em uma sociedade desigual. Se por um lado, os jovens dos meios populares ocuparam a maioria das vagas; por outro, eles parecem destinados às vagas rejeitadas pelos estudantes oriundos das camadas sociais superiores. Assim, esses resultados sugerem uma hierarquização do campo acadêmico da UFAC, que refletiria as diferenças sociais existentes na sociedade, corroborando a tese dos "excluídos do interior", ou seja, da existência de formas mais ou menos brandas, mais ou menos dissimuladas de exclusão (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 1998).

Palavras-chave: Desigualdades escolares, Educação e Sociedade, Ensino Superior.