62ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 13. Direito
O DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO RELIGIOSA E O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS NO BRASIL
Rodrigo Alves Stancioli 1
Brunello Stancioli 2
1. Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
2. Prof. Dr./Orientador - Departamento de Direito e Processo Civil e Comercial UFMG
INTRODUÇÃO:

O tema da laicidade do Estado e suas implicações práticas causam polêmica não só no Brasil, mas em praticamente todos os países em cujos ordenamentos jurídicos esse princípio está inserto. No Brasil, a separação entre Igreja e Estado remonta à Proclamação da República, tendo assumido diferentes contornos ao longo de nossa história.

A Constituição vigente hoje no país consagra a laicidade do Estado, ao mesmo tempo em que cria formas de colaboração entre Poder Público e instituições religiosas, tratando-as igualitariamente.

Nesse contexto, destaca-se o art. 210, §1º, da Constituição da República, que prevê o ensino religioso como disciplina de matrícula facultativa a ser fornecida nos horários normais das escolas públicas brasileiras. A oferta da disciplina é tida por muitos como atentatória ao princípio da laicidade do Estado e ao direito à autodeterminação religiosa, também protegido constitucionalmente.

O presente estudo visa a perquirir uma legitimação jurídico-filosófica da inclusão do ensino religioso nas escolas públicas, buscando determinar as bases em que tal disciplina compatibilizar-se-ia com a laicidade do Estado e o direito à autodeterminação religiosa de cada pessoa.

METODOLOGIA:

Adotou-se como referencial teórico a obra de TAYLOR - em razão de sua abordagem do lugar que deve ocupar a religião no espaço público, como um fenômeno que transcende a esfera individual - com vistas a determinar os conteúdos abrangidos pelo direito à autodeterminação religiosa. As noções de secularismo e pluralismo por ele trabalhadas também foram relevantes para o estudo da separação entre religião e Estado e suas repercussões no campo do ensino.

Os diversos modelos de relação entre Estado e instituições religiosas, bem como os conceitos de laicidade, laicismo e secularização, foram buscados na obra dos autores portugueses CATROGA e ADRAGÃO, que serviram como base para se perscrutar o posicionamento adotado pela ordem constitucional brasileira em relação à religião.

Objetivou-se, ainda, situar a autodeterminação religiosa como manifestação específica da autonomia do indivíduo, elemento essencial de um conceito pós-metafísico de pessoa (B. STANCIOLI).

A partir disso, procurou-se compatibilizar a exigência constitucional da oferta do ensino religioso na escola pública com os imperativos da laicidade e da liberdade de crença, bem como demonstrar que a inclusão da disciplina pode contribuir para a efetivação da autodeterminação religiosa em seus diferentes aspectos.

RESULTADOS:

A laicidade do Estado brasileiro não implica repúdio à religião. Embora nossa Constituição estabeleça o afastamento entre Igreja e Estado como regra geral, várias são as previsões, no texto constitucional, de formas de colaboração entre Poder Público e confissões religiosas, aproximando-nos de um modelo de separação com cooperação.

Nesse cenário, a liberdade de crença é objeto de atuação positiva do Estado, que visa a possibilitá-la na plenitude de suas manifestações. Com efeito, o direito à autodeterminação religiosa transcende a consciência individual, abrangendo a liberdade de culto e o proselitismo, na medida em que o próprio conceito de liberdade religiosa deve compreender as manifestações tanto na esfera privada quanto na pública (TAYLOR).

Tal atuação estatal é compatível com um conceito pós-metafísico de pessoa, baseado na livre eleição, pelo indivíduo, de ideais de vida boa (dignidade) a serem autonomamente perseguidos e constantemente construídos na convivência com o outro (alteridade). Esse conceito conduz a uma concepção do caminho religioso como uma importante via de autorrealização, que não pode ser ignorada pelo Estado.

CONCLUSÃO:

A inclusão do ensino religioso como disciplina de matrícula facultativa e oferta obrigatória nas escolas públicas brasileiras é uma tentativa válida no sentido de se efetivar a liberdade religiosa, proporcionando um espaço de discussão no qual o aluno teria informações básicas acerca das diferentes possibilidades de vivência religiosa e seria instigado a exercitar sua autonomia na eleição de meios para sua autorrealização.

A laicidade do Estado seria mantida, através de uma postura igualitária em relação às diferentes confissões, fornecendo aos alunos um espaço discursivo pautado pelo respeito e pela tolerância, estimulando a convivência numa perspectiva pluralista.

A inclusão do ensino religioso no currículo das escolas públicas busca a efetivação do direito à autodeterminação religiosa em todas as suas dimensões, incluindo a consciência individual, o culto público e o proselitismo, o que está em consonância com a compreensão do fenômeno religioso adotada como referencial teórico.

Palavras-chave: Autodeterminação religiosa, Ensino religioso, Laicidade do Estado.