62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 2. Literatura Comparada
BORGES E NIETZSCHE: O TERRITÓRIO HÍBRIDO HABITADO PELAS METÁFORAS
Heloisa Helena Siqueira Correia 1
1. Depto. Línguas Vernáculas, UNIR, Porto Velho, RO
INTRODUÇÃO:

O presente trabalho estudou a metáfora enquanto tropo, procedimento da leitura e procedimento da escritura para rastrear a existência da "metafísica fantástica" na obra de Jorge Luis Borges, e seu possível desdobramento quando se encontra com a obra de Friedrich Nietzsche. Para tanto, levou em consideração que a literatura borgeana trabalha com a filosofia levando em conta os problemas que envolvem a metafísica na contemporaneidade, transformando, metafísica e crítica da metafísica, em material estético para suas ficções. A crítica à metafísica está presente nas reflexões de Borges e de Nietzsche, filósofo convidado a dialogar com o escritor argentino. Ambos autores parecem desprezar diferenças definitivas entre filosofia e literatura, produzindo textos que desafiam uma leitura que privilegie apenas o trato conceitual ou apenas o trato imagético de temas, personagens e questões. Soma-se a isso a crítica, realizada por ambos autores, à suposta objetividade do mundo e à crença de que um Ser (es) tenha criado esse mundo independente dos sujeitos e o garanta, o ordene, o organize etc; com a ressalva também de que tal crítica vai aparecer de modo diverso em cada obra.

 

METODOLOGIA:

Os textos de Borges e Nietzsche foram identificados por assuntos, procedimentos e metáforas, para reconhecimento dos pontos de encontro e afastamento entre as duas obras, sempre tendo como ponto de fuga a discussão acerca do fantástico, da morte da metafísica e da metáfora. Em seguida, procedeu-se à leitura de bibliografia, com prioridade para estudos que situam Borges e Nietzsche nas fronteiras entre literatura e filosofia, ou transitando entre elas. Em seguida, foi a vez de ler bibliografia, de estudiosos diversos, acerca da metáfora, metafísica, fantástico e morte de Deus, e a leitura de fortuna crítica especializada acerca dos mesmos elementos, dessa vez no âmbito da obra dos autores em questão. Relacionaram-se, então, reflexões borgeanas e nietzscheanas sobre a metáfora com metáforas propriamente ditas, aquelas cujo desvio promove a plasticidade das fronteiras de filosofia e literatura, secundado por nova seleção: das metáforas que explicitam a imbricação que há entre metafísica e metáfora. Foram realizadas aproximações de reflexões e metáforas dos autores. Para finalizar, procedeu-se à colocação de metáforas borgeanas e nietzscheanas em um território híbrido, em que habitam simultaneamente literatura, filosofia, ficção e conceito, metafísica e ausência de metafísica.

RESULTADOS:

A "metafísica fantástica" borgeana possibilita experimentar semelhança de metáforas presentes nas duas obras, de Borges e Nietzsche, pertencentes, a princípio, a áreas diversas: filosofia e literatura. Tal encontro de figuras sugere um outro modo de a "metafísica fantástica" se apresentar, um outro modo de ela se desdobrar, dessa vez em um território constituído e mobilizado freqüentemente pelo hibridismo. Não se trata mais de compreender a re-alocação, no terreno da literatura, de metáforas provenientes do campo da filosofia ou vice-versa, e nem mesmo o seu trânsito, deslocamento ou empréstimo. As relações entre tais metáforas em território novo modifica seu papel e aponta para o vislumbre de um mundo que transfigura até mesmo a memória da metafísica, o que, em um outro sentido, equivale a dizer que as metáforas podem deixar de ser metáforas, passando a ter uma existência totalmente independente da memória do 'próprio", da essência, da substância e da verdade.

CONCLUSÃO:

Ambientados no momento da morte dos deuses da mitologia, narrada por Borges, e da morte de Deus, narrada por Nietzsche, os atributos de Deus caem na terra e concretizam a metafísica fantástica borgeana, ao mesmo tempo em que se tornam metáforas. Em La lotería en Babilônia, a onipotência é destituída de poderes; em Historia de la eternidad, descobre-se a historicidade da eternidade; em Aleph, a onisciência é ameaçada pelo esquecimento e, por fim, em El acercamiento a Almotásim, a onipresença passa a pertencer ao homem. Em um segundo momento, as metáforas se encontram de um modo novo: a personagem Funes de Borges aproxima-se do homem suposto por Nietzsche, aquele que não possui a força de esquecer. Também as aranhas, metáforas de Nietzsche e Borges, se encontram, cada qual com sua carga de sentido. O andarilho - personagem nietzscheana - e o imortal - personagem borgeana são metáforas que vivem seu encontro quando o imortal se torna mortal. Já os textos borgeanos intitulados La máquina de pensar de Raimundo Lúlio e Argumenthum Ornithologicum, oferecem jogos de raciocínio para o leitor que habita o novo território: lugar do híbrido que muito pode promover em termos de embelezamento e renovação de valores.

Palavras-chave: Borges, Nietzsche, Metáfora.