62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 5. História - 9. História Social
Libertador: elegendo os cânones do "radicalismo"
Eylo Fagner Silva Rodrigues 1
1. Universidade Federal do Ceará - UFC
INTRODUÇÃO:

Neste painel pretende-se apresentar algumas possibilidades de análise do discurso do jornal Libertador. Este periódico foi criado em 1881 pela Sociedade Cearense Libertadora - uma das diversas associações abolicionistas surgidas na década de 1880 - e logo se tornou o principal jornal do movimento abolicionista no Ceará.  O Libertador, ao longo da Abolição, divulgou "valores emergentes" - para usar uma expressão de Raymond Williams - pertinentes aos interesses liberais de um segmento letrado que apontavam para um processo de transformações sociais consoantes aos ideais de progresso e modernização que esperavam imprimir à província. Para indicarmos algumas possibilidades de análise do seu discurso, problematizaremos alguns temas recorrentes no seu discurso apologético do pretenso radicalismo da Sociedade Cearense Libertadora. Nesse ponto, definimos Raymond Williams, através de sua noção de "figuras semânticas", como suporte teórico da análise. O objetivo deste trabalho, ao se questionar o discurso do periódico, é compreender o porquê da necessidade, na perspectiva dos seus redatores, de eleger heróis e mártires da Abolição - a exemplo, de Pedro Pereira, José do Nascimento, o Dragão do Mar, e Joaquim Nabuco. Mas não sem antes questionar sobre a escolha desses mesmos personagens.

METODOLOGIA:

A identificação e consulta dos números do jornal Libertador deu-se no setor de hemeroteca da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel (BPGMP). Nesse setor, os periódicos podem ser consultados através de máquinas leitoras de microfilmes. Em algumas oportunidades de pesquisa naquela instituição, fotografei, com câmera digital, o Libertador ao longo dos três primeiros anos de sua circulação, enquanto órgão da Sociedade Cearense Libertadora, os anos de 1881, 1883 e 1884 (não circulou em 1882). Os vinte primeiros números do periódico foram publicados em edição fac-similar pela Secretaria de Cultura, Turismo e Desporto em 1988. Tal edição também foi pesquisada. Não houve a delimitação de uma seção específica do jornal para a leitura. Esta se estendeu por todo o Libertador, de 1881 a 1884, pois percebi que o tema da Abolição encontrava-se em todos os artigos e subdivisões que cada número apresentava. Inclusive, nos poemas e "contos" que caracterizavam também a linguagem do jornal. Essas formas literárias não nos escaparam e serviram também para analisar as figuras semânticas assentes no discurso do Libertador. Isso porque a linguagem literária é uma fonte privilegiada em que se podem perceber certos "valores emergentes" - no dizer de Raymond Williams, teórico das relações entre história e literatura - que apontam para projetos de sociedade ou horizontes de expectativa, na formulação de R. Koselleck. 

RESULTADOS:

Esta pesquisa apresenta o Libertador como uma fonte das mais ricas para acessar o conteúdo semântico do discurso de certa elite letrada do abolicionismo cearense, especialmente, aquela que se organizava em torno da Sociedade Cearense Libertadora. O jornal, portanto, como procuramos demonstrar, não só versa sobre os "avanços" da campanha abolicionista, mas também dissemina "figuras semânticas" que vão além da temática abolicionista, na medida em que aponta para visões de mundo, projetos de sociedade próprios de uma elite intelectualizada, ou seja, horizontes de expectativa, para usar um termo de Koselleck.

CONCLUSÃO:

Esta pesquisa, em suma, não pretende esgotar as possibilidades de análise do discurso abolicionista presente no Libertador. Isso, aliás, não seria possível. Mas, como dissemos antes, trata-se apenas de indicar alguns caminhos interpretativos através da análise de temas recorrentes ou de palavras-chave. Esse esforço interpretativo deu-se atentando sempre para o contexto histórico. Mas não na perspectiva de que seja o contexto uma categoria explicativa por si só, o que não é. Os enunciados ideológicos, os conteúdos semânticos latentes nas páginas do periódico só deixam entrevê seus nexos com as tensões sociais daquele período a que se referem se forem contextualizados, re-inseridos no âmbito das questões sociais e culturais da época. Eles entendidos a partir deles mesmos não dizem muito sobre as visões de mundo, os horizontes de expectativas que perpassavam a campanha pela Abolição. Em suma, o Libertador, como se tentou mostrar aqui, serviu à elite letrada cearense, que crescia, sobretudo, com a atividade comercial na capital Fortaleza, como veículo divulgador de suas expectativas (sociais e culturais) enquanto grupo social. E, portanto, não só como um órgão abolicionista. Nesse sentido, o órgão divulgador da Sociedade Cearense Libertadora, não noticiava apenas alforrias concedidas. Ele também criava personagens símbolos da sociedade/cultura cearense. Alguns, inclusive, mesmo hoje ainda ecoam como cânones identitários.

Instituição de Fomento: Universidade Federal do Ceará e Fundação Cearense para o Progressa da Ciência ( FUNCAP)
Palavras-chave: Abolicionismo, Periódicos , Discursos.