62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 1. Lingüística Aplicada
DIALOGISMO INTERDISCURSIVO E INTERLOCUTIVO - UM ESTUDO ENUNCIATIVO DA CHARGE
Fabiana Ferreira Nascimento de Souza 2
Virginia Célia Pessoa de Freitas 1
Dóris de Arruda C. da Cunha 1
1. Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
2. Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP
INTRODUÇÃO:

A partir da teoria dialógica da linguagem, proposta por Bakhtin e seu Círculo, o subprojeto Dialogismo interdiscursivo e interlocutivo - um estudo enunciativo da charge tem o propósito de investigar como a mídia posiciona-se axiologicamente. Mais especificamente, tratamos o gênero charge, bem como seus efeitos de sentidos, que são construídos a partir da utilização de recursos dialógicos, na forma de retomada de palavras marcadas tipograficamente ou de alusões, e paródias de outros eventos discursivos. Para Bakhtin/Voloshinov (2004), o signo lingüístico pode reconfigurar a realidade e "ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de vista específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica." (2004: 32). Tendo em vista que todo enunciado é uma resposta a um "já-dito"; o enunciado é sempre formado por outros que lhe antecederam sobre o mesmo assunto. Dessa forma, a charge articula as formulações e reformulações aos gêneros, aos enunciadores ou às comunidades de linguagem inseridas nas páginas dos jornais, mencionando, aludindo e evocando outros discursos. Logo, é imperativo um estudo dedicado a observar como esses aspectos se comportam nesse gênero e que investigue os efeitos de sentido construídos dessa circulação vozes.

METODOLOGIA:
Para a construção do corpus, foi selecionado o instante discursivo em que o evento selecionado - Gripe Suína - passou a ser veiculado nas charges. Isso ocorreu a partir do dia 28 de abril de 2009. Esta seleção baseou-se (em parte) na metodologia apresentada por Moirand (2004). Desse modo, construímos, primeiramente, um corpus de referência, a fim de "determinar" o início do momento discursivo (Moirand, 2004) que, neste trabalho, girou em torno do vírus Influenza A-H1N1. Em virtude da impossibilidade do fechamento do corpus midiático (Moirand, 2004), já que os discursos interagem continuamente com outros já-ditos e outros que ainda estão por vir, o corpus tem duas partes: (Corpus 1) quatro charges publicadas entre os dias 28/04/09 a 10/05/09, no Jornal do Commercio (de Pernambuco); e (Corpus 2) três  charges publicadas entre os dias 01/05/09 a 10/05/09, no jornal Folha de São Paulo. Esse período equivale ao início das publicações de charges com essa temática. Devido ao difícil acesso a todos os exemplares dos dois jornais, coletamos a versão digitalizada de ambos, disponível nos sites (www.folha.com.br e www.jconline.com.br), o que possibilitou dinamizar essa etapa do trabalho.
RESULTADOS:
As análises do corpus selecionado revelaram que, predominantemente, a alusão foi utilizada para retomar momentos interdiscursivos, como a reforma política, na charge 3 da Folha de São Paulo. Além da alusão, os chargistas freqüentemente utilizaram a menção através de elementos extra-verbais: expressões, imagens e ícones que retomaram o momento discursivo gripe suína e outros eventos discursivos relacionados a ele. Isso reforça o conceito de texto chárgico apontado por Mendonça (2002) apud Dionísio et al (2002, p.197): "um gênero icônico-verbal, de natureza mais temporal, podendo ter balões ou legendas." (grifos da autora). Outro modo de dialogismo interlocutivo e interdiscursivo utilizado por eles foi a paródia, que para Bakhtin (2002, p. 389) é "um "híbrido premeditado", que tem a peculiaridade de dialogar com o texto parodiado, sem se confundir com ele.. Através disto, o chargista retomou uma antiga história infantil (os três porquinhos), na charge 3 do Jornal do Commercio. Na charge 1 do jornal do Commercio, a fala do presidente vem marcada por aspas, o que configura uma heterogeneidade mostrada. No entanto, esse dizer convocado não é totalmente marcado pelas aspas, ele é incorporado pela estrutura da charge e apenas a palavra "marolinha" se destaca pelas aspas.
CONCLUSÃO:
A análise realizada revela que os modos de dialogismo interdiscursivo e interlocutivo se apresentam na charge: constituída como comentário dos eventos em foco num momento discursivo. O dialogismo interdiscursivo se dá de forma marcada através de "ilhas textuais", no entanto, na maioria das charges analisadas, o dialogismo se apresenta de forma não marcada. A alusão é o modo de heterogeneidade mais freqüente, que invoca a memória interdiscursiva dos leitores para outros eventos discursivos, o que caracteriza o dialogismo interlocutivo. A memória interdiscursiva também é trazida por meio da menção, através de elementos extra-verbais, como imagens, caricaturas, ícones, entre outros; e de paródias, que na maioria das vezes, inverte os elementos do discurso parodiado para criticar o momento discursivo em questão. Tendo em vista a influência que as charges exercem sobre as pessoas, cotidianamente, esta pesquisa pode contribuir para a formação de leitores críticos dos gêneros da mídia, que reconheçam os recursos alusivos, paródicos e irônicos da interdiscursividade, especialmente da charge, em que há intenso confronto de pontos de vista.
Palavras-chave: Memória interdiscursiva, Enunciação, Charge.