62ª Reunião Anual da SBPC
C. Ciências Biológicas - 4. Botânica - 8. Botânica
FRUTAS COMESTÍVEIS DA REGIÃO DE SENA MADUREIRA, ACRE, BRASIL: RIQUEZA GENÉTICA RELEGADA E AMEAÇADA DE DESTRUIÇÃO
José Antonio Scarcello 1
Peter Weigel 2
José Vicente da Silva 3
José de Ribamar Bandeira 3
João Bosco Nogueira de Queiroz 3
Evandro José Linhares Ferreira 3
1. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
2. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA
3. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA/Núcleo de Pesquisa do Acre
INTRODUÇÃO:
O atual modelo de desenvolvimento agroflorestal do Estado do Acre prioriza o incentivo às culturas anuais de subsistência, a implantação de sistemas agroflorestais com poucas espécies nativas e monocultivos voltados para o agronegócio. Em todas estas situações, o desmatamento da floresta primária é condição essencial para o sucesso econômico dos empreendimentos. Se por um lado o desmatamento apresenta-se como algo indispensável e benéfico para um grupo de produtores, de outro, o das populações tradicionais, ele ameaça a manutenção da biodiversidade e contribui para o desaparecimento de espécies nativas com potencial mercadológico. Isso se aplica às espécies frutíferas nativas comestíveis, a maioria das quais ainda não foi domesticada e é encontrada apenas em estado selvagem. É preciso, portanto, vencer a barreira da desinformação sobre a importância das espécies nativas para que elas sejam incorporadas no modelo de desenvolvimento agrícola preconizado pelo Estado, e possam, eventualmente, ser inseridas em programas de pesquisas visando sua domesticação ou exploração extrativista sustentável. No presente estudo são apresentados resultados de ocorrência de frutíferas nativas com potencial econômico em áreas de florestas primárias do município de Sena Madureira, Acre.
METODOLOGIA:
Sena Madureira (09°03'56''S; 68°39'25''W. Alt.: 150 m) é um município com área de 25.296 km² e uma população de cerca de 40 mil habitantes, 47% deles na zona rural. Apenas 4% de sua área foi desmatada e sua economia gira em torno da agricultura, pecuária e extração de madeira, castanha e borracha. A ocorrência de frutíferas nativas foi levantada em seis propriedades rurais localizadas ao longo dos rios Caeté e Iaco, e no Projeto de Assentamento Agrícola - PAD 'Boa Esperança'. Em cada uma delas foi realizada uma entrevista semi-estruturada com os proprietários, seringueiros experientes e reputados como conhecedores da flora local, para elaborar uma lista com nomes vulgares e características gerais das frutíferas nativas existentes na floresta do entorno. Após a entrevista, a equipe e o informante realizaram levantamento em uma área aproximada de 12 hectares (6.000 m x 20 m), selecionada aleatoriamente ao longo de trilhas pré-existentes no local - varadouros e estradas de exploração de seringa e castanha. Todas as frutíferas encontradas foram documentadas e identificadas no local ou tiveram material botânico coletado para identificação posterior. Em alguns casos, frutos maduros foram colhidos para a retirada das sementes visando a produção de mudas.
RESULTADOS:
Os extrativistas entrevistados demonstraram grande conhecimento sobre a diversidade e o aproveitamento das frutíferas nativas, indicando inclusive os animais associados com a maioria das espécies. Foram identificadas 62 espécies frutíferas comestíveis nativas pertencentes a 18 famílias botânicas, com maior proporção para Arecaceae (24,2%), Moraceae (9,6%), Leguminosae e Sapotaceae (8,1%), Sterculiaceae (6,4%) e Anacardiaceae e Annonaceae (4,8%). Segundo os extrativistas, os nomes bacuri (Rheedia sp.), cajui (Anacardium giganteum), ata (Rollinia sp.), jatobá (Hymenaea sp.), oiti (Couepia sp.), jenipapo (Genipa americana) e o mururé (Brosimum sp.) representam pelo menos duas variedades de frutíferas distintas, enquanto que ingá (Inga sp.), maracujá (Passiflora sp.) e castanha sapucaia (Lecythis sp.) representam mais de duas variedades. A maioria das espécies frutifica durante o período chuvoso (58%), entre outubro e março, porém algumas iniciam a frutificação a partir de setembro e outras encerram em abril. Foi observado que apesar das florestas do entorno de Sena Madureira serem ricas em frutíferas nativas, elas não são vendidas no mercado da cidade. Mesmo no período chuvoso, quando a maioria delas frutifica e os rios estão cheios, facilitando o escoamento da produção.
CONCLUSÃO:
Durante a visita ao PAD 'Boa Esperança', foi observado que quando os colonos assentados são oriundos de outras regiões do país, o desmatamento da floresta é feito sem critério algum. Em contraste, quando os colonos são ex-seringueiros, o desmatamento é seletivo e as árvores mais valiosas, como as frutíferas, medicinais e madeireiras, são preservadas. Esta situação sugere que a barreira da desinformação sobre a importância das espécies nativas deve ser derrubada ainda no campo, junto aos agricultores recém-chegados à região. O fato das frutíferas nativas não serem oferecidas à venda no mercado de Sena Madureira é uma contradição se for levado em consideração que a maior parte dos habitantes daquela cidade é oriunda ou descende de pessoas que viviam na floresta e que, portanto, tem conhecimento sobre a utilidade das espécies nativas. A criação de estratégias para garantir a inserção das frutíferas nativas no mercado local, bem como a incorporação das mesmas em sistemas de cultivos, é importante e pode garantir valorização e preservação desses importantes recursos genéticos, que de outra forma, cedo ou tarde serão destruídos com o avanço do desmatamento.
Palavras-chave: frutíferas nativas, Acre, inventário.