62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 2. Letras - 4. Línguas Indígenas
ANÁLISE CONTRASTIVA DO FENÔMENO DA CORREFERENCIALIDADE EM TRÊS LÍNGUAS DA FAMÍLIA TUPI-GUARANÍ
Ariel Pheula do Couto e Silva 1
Ana Suelly Arruda Câmara Cabral 1, 3
Eliete de Jesus Bararuá Solano 2
Sanderson Castro Soares de Oliveira 1
Suseile Andrade Sousa 1
1. Universidade de Brasília - UnB
2. Universidade Estadual do Pará - UEPA
3. Orientadora
INTRODUÇÃO:
Neste trabalho analisamos aspectos do sistema de correferência em três línguas Tupí-Guaraní, cada uma pertencente a um subgrupo distinto dessa família linguística (cf. Rodrigues (1985) - o Asuriní do Tocantins do subgrupo IV, o Araweté do subgrupo V e o Zo'é do subgrupo VIII. Uma das características das línguas Tupí-Guaraní é o seu sistema de correferência alternada ou switch-reference[1] (cf. Folley and Van Valin, 1984), que torna essa família única dentro do tronco Tupí (Jensen 1990, 1999, Silva 1999, Cabral e Rodrigues 2005, Solano 2010, Rodrigues e Cabral 2010, entre outros). De acordo com a literatura sobre o assunto, as línguas Tupí-Guaraní mais conservadoras mantêm um sistema de marcação de correferência vigente no âmbito da oração e entre orações, em que o sujeito da oração principal é o pivô da correferência. Neste estudo discutiremos alguns problemas dessa análise, propondo-lhe reajustes que podem explicar de forma mais adequada os princípios que regem o sistema de correferência Tupí-Guaraní. [1]. Correferência é a igualdade de identidade entre os elementos da cadeia do discurso que codificam o agente de um verbo transitivo, o sujeito de um verbo intransitivo, o possuidor em uma construção genitiva, e o complemento de uma posposição.
METODOLOGIA:
As línguas da família Tupí-Guaraní constituem um rico laboratório para o desenvolvimento de hipóteses sobre as expressões de correferência, visto que há entre elas as que apresentam sistemas sofisticados de correferência, outras em que os respectivos sistemas são extremamente simples, e outras ainda em que a correferência parece estar a meio caminho entre os dois polos de sofisticação. A análise comparativa desses sistemas, em uma perspectiva contrastiva, permite a identificação de detalhes reveladores de características mais conservadoras ou menos conservadoras, tendo-se como referência os trabalhos reconstrutivos sobre o Proto-Tupí-Guaraní. É nessa perspectiva comparativa e contrastiva, mas considerando, por um lado, um número significante de exemplos contextualizados das línguas investigadas e, por outro lado, lançando mão do conhecimento produzido sobre a pré-história Tupí-Guaraní, que fundamentaremos a nossa análise sobre o desenvolvimento do sistema de correferência dessa família linguística.
RESULTADOS:
De acordo com Rodrigues e Cabral (2005), o PTG teria desenvolvido um conjunto de prefixos pessoais correferenciais, cujas motivações teriam sido as seguintes: existência de um antigo prefixo correferencial de terceira pessoa; retenção de formas pessoais conservadoras combinadas com antigas construções nominais; surgimento de novas marcas de pessoas no Proto-Tupí-Guaraní, logo de sua separação do Awetí; deslocamento de funções de antigas formas pronominais independentes para funções em que se tornaram dependentes; fusão de morfemas nominalizadores com morfemas casuais. Essas mudanças teriam ocorrido em cadeia, propiciando a fixação de antigos reflexos de prefixos pessoais não correferenciais do Proto-Tupí em contextos morfossintáticos em que se evidenciam a correferência entre o determinante de um nome e o sujeito. Cabral (2003) mostra as formas pessoais reconstruídas para o PTG, dentre as quais as formas que foram fontes para os prefixos correferenciais atuais - wi(t)- ~ wi-, e- e o-.
CONCLUSÃO:
Em um estágio anterior à diversificação da família Tupí-Guaraní havia, muito provavelmente, dois ou três conjuntos de marcas pessoais, um conjunto que marcava o sujeito de predicados processuais, constituído de prefixos pessoais, um conjunto de pronomes com função enfática, mas que se cliticizava frequentemente para marcar o determinante de nomes, e um terceiro paradigma pessoal marcava o determinante de nomes modificados por expressões adverbiais (morfologia casual ou posposições). Este terceiro paradigma pessoal possuía formas conservadoras (TG *wi- '1', *e- '2' e *o- '3'). Esse paradigma fixou-se em construções que envolviam antigas nominalizações:*a-tsa wi-poratsái-(t)áB-Bo (> *wi-poratsáj-ta) 'eu vou dançando/para dançar/e danço'. Com a fusão do caso locativo difuso -Bo com o morfema nominalizador -(t)áB, -(t)áBo, a última sílaba sofreu apócope, tendo em vista que prevaleceu o acento final do tema sobre o acento do sufixo nominalizador. Esse tipo de construção manteve-se em línguas como o Tupinambá, mas as marcas pessoais desse tipo de construção passaram a contrastar com as novas formas pessoais determinativas (tSé '1', ne '2', jane '12', oré '13', pe) '23'), criando um padrão correferente versus não-correferente com o sujeito. Contudo, a correferência inicialmente era restrita às situação que envolviam nominalizações com -aB + Bo. O tupinambá manteve este padrão, mas línguas como o Asuriní do Tocantins e como o Araweté estenderam o padrão correferencial para todos os nomes, segundo a correferência do determinante destes com o sujeito da oração principal. O Zo'é, por outro lado, reduziu as possibilidades de marcar correferência, acionada apenas na terceira pessoa, mas o Tupinambá manteve-se conservador, refletindo um estágio intermediário entre a extensão e a redução de correferencialidade na família.
Instituição de Fomento: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN
Palavras-chave: Linguística hístórica, Família Tupí-Guaraní, Correferencialidade.