62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira
GRACILIANO RAMOS - BIOGRAFIA E LITERATURA
Marcos Falchero Falleiros 1
1. Prof. Dr. - Depto de Letras - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
INTRODUÇÃO:
Bizantinices de complexidade crescente tomaram conta do pensamento ocidental no século XX, a caminho da falência do vigor reflexivo do século anterior e da ruína do marxismo, ainda que, nesse caso, o fracasso na prática lhe confirmasse a dialética da teoria. Um dos estágios da embrulhada, preparativo de outros mais intrincados, entendeu que os estudos literários deveriam ater-se à interioridade dos textos, cuja articulação seria autorreferente, esquecendo que a referencialidade da linguagem que os compõe esteja fora deles. Com isso obnubilou a obviedade, a partir daí proibitiva, embora acessível a qualquer bom senso bem disposto: o autor existe e produz a obra graças a uma sensibilidade artística resultante de uma síndrome biográfica casual, cujos fatores mobilizam para a estética da criação sua vivência, psicologia, a encenação de si, a tradição literária e cultural a que teve acesso, atravessadas pela empiria histórica de seu tempo, equacionadas como visão de mundo. É essa de fato a complexidade do óbvio, sua singela visibilidade requerendo a interpretação da obra literária, operação que deverá lembrar-se da opacidade da linguagem, que é sua essência, ao ser, como linguagem, resultante da infinidade de significações potenciais da referência esparsa.
METODOLOGIA:
Num ensaio de combate à bizarria, "A interpretação da obra literária", de Céu, inferno, Alfredo Bosi observa as relações de ler-colher e interpretar-escolher: "Entre o querer-dizer e o texto ultimado há a distância que separa (e afinal, une) o evento aberto e a forma que o encerra". Frisa os dois termos trazidos da filosofia estética do italiano Carlo Diano: evento e forma. O evento deve ser visto como um modo mais complexo de dizer conteúdo: evento é a experiência do mundo subjetivada no artista, à qual ele dará forma em sua expressão estética. Por outro lado, Antonio Candido, em "A personagem do romance", de A personagem de ficção, lembra que, no desenvolvimento novelístico, as idéias são o enredo, e o enredo é a personagem: "estes três elementos só existem intimamente ligados, inseparáveis, nos romances bem realizados", sob o filtro da memória, operado pela autoria.
RESULTADOS:
Nada melhor para provar essas obviedades do que a obra de Graciliano Ramos em seu percurso tão bem qualificado por Antonio Candido com os termos "ficção e confissão". A unidade estilística de sua obra revela, segundo a formulação fundamental de Rolando Morel Pinto, a condição do "autor-ator", cujo desdobramento dialético caminha desde os sonetos parnasianos da adolescência, passa pelos relatórios do prefeito de Palmeira dos Índios, estreia bisonhamente na ficção com Caetés, atinge a maturidade com S. Bernardo, Angústia e Vidas secas, faz a ponte entre ficção e confissão com Infância, para então mostrar à História a grande construção literária da experiência pessoal, em Memórias do cárcere.
CONCLUSÃO:
Antonio Candido observa que a relação entre realidade e ficção faz desta um filtro daquela, porém com estrutura própria na montagem interna de sua coerência e verossimilhança, formalmente mais articulada. A autoria, unidade da trindade acima referida, mostra-se a fonte de memória do processo criativo, por onde se darão os níveis gradativos de aproximação e afastamento do real para a produção das personagens, isto é: das idéias, ou seja: do enredo - personagens copiadas, recompostas, refletidas, alusivas, deformadas, condensadas a partir da realidade do mundo e da corrente coletiva da arte, que a vida do artista absorve e trabalha.
Palavras-chave: Graciliano Ramos, biografia e literatura, literatura brasileira moderna.