62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 7. Psicologia do Ensino e da Aprendizagem
VISOESPACIALIDADE, VISOCONSTRUÇÃO E ATIVIDADE MATEMÁTICA DE CRIANÇAS COM EPILEPSIA IDIOPÁTICA GENERALIZADA DO TIPO AUSÊNCIA: ESTUDO DE CASOS MÚLTIPLOS
Rodolpho Cortez 1
Izabel Hazin 1
Jorge Falcão 1
Samantha Maranhão 1
Artemis de Paula 1
1. UFRN
INTRODUÇÃO:
O presente estudo oferece conjunto de dados concernentes à exploração de relações entre visoespacialidade, visoconstrução e dificuldades escolares em matemática apresentadas por crianças com epilepsia idiopática generalizada do tipo ausência (EIGTA). A epilepsia é uma desordem crônica do cérebro ocasionada por crises recorrentes relativas à descarga elétrica excessiva em um grupo de neurônios. Dentre os quadros de epilepsia, a discutida neste estudo é caracterizada pela falta de correlação com lesões neurológicas (idiopática), pela presença de descargas elétricas alteradas em ambos os hemisférios cerebrais (generalizada) e pelo comprometimento da consciência em crises de ausência que se repetem dezenas de vezes ao longo do dia. Por sua vez, a visoespacialidade e a visoconstrução são habilidades cognitivas que permitem a localização e movimentação de objetos no espaço, sendo imprescindíveis para ações como discriminação de dígitos, organização espacial da escrita de números e resolução de problemas geométricos. O grupo de crianças investigadas apresentou importantes déficits nas habilidades visoperceptivas e visoconstrutivas, bem como rendimento no instrumento de avaliação da atividade matemática abaixo do esperado para a sua faixa etária e nível de escolaridade.
METODOLOGIA:
A utilização de múltiplos casos foi feita, pois esta modalidade confere evidências inseridas em diferentes contextos. Dessa forma o estudo foi realizado em três etapas. Etapa I: a) seleção de quatro crianças com idade entre 9 e 11 anos com diagnóstico de EIGTA atendidas no serviço de neuro-pediatria ambulatorial de um hospital infantil em Recife (PE). Todas sob uso de mesma medicação (carbamazepina) e em igual dosagem; b) formação de quatro grupos compostos por cinco crianças (um grupo para cada criança com epilepsia) sem diagnóstico de epilepsia e com perfil similar de idade, sexo, tipo de escola e nível socioeconômico. Etapa II: a) aplicação de testes neuropsicológicos para avaliação da visoconstrução e visoespacialidade (Figuras Complexas de Rey, subtestes Cubos e Armar Objetos do WISCIII); b) aplicação de instrumento de avaliação da atividade matemática, composto por 20 questões oriundas de instrumentos de avaliação de rede nacionais e regionais. Etapa III: aplicação de instrumento composto de questões nas quais se buscou distinguir entre aspectos conceituais da matemática e aspectos procedurais envolvendo a visoespacialidade e visoconstrução. Foram propostas tarefas de simetria, de rotação, de imagem mental e construção bi e tri-dimensional e de orientação espacial.
RESULTADOS:
O conjunto de dados das etapas I e II foram categorizados e analisados através do uso de ferramenta estatística descritiva multidimensional, combinando-se um método de extração de organização taxonômica para distribuição dos sujeitos em grupos e subgrupos e uma análise fatorial para dados nominais em efetivos pouco numerosos. A confrontação das análises descritivas de classificação hierárquica e fatorial permite em primeira instância obter a separação esperada entre crianças com e sem epilepsia, especialmente nas habilidades envolvendo a visualização de rotações e organização de algoritmos para operações com reserva e reconhecimento/distinção de padrões numéricos perceptualmente próximos, como 13 e 31. Os resultados da etapa III mostraram uma diferença importante entre a produção das crianças com e sem epilepsia. As crianças sem epilepsia acertaram todas as questões, enquanto as crianças com epilepsia apresentaram erros nas questões de rotação, de construção bidimensional e na armação das contas. Entretanto, o resultado mais relevante é a constatação que estas crianças se beneficiaram da utilização de ferramentas culturais, como a utilização de cores diversas para diferenciação entre unidades, dezenas e centenas no contexto da computação aritmética de numerais com três dígitos.
CONCLUSÃO:
Os dados mostram que as crianças com epilepsia de ausência apresentam alterações nos domínios da visoespacialidade e visoconstrução. Acarretando dessa forma em prejuízos na atividade matemática, notadamente em tarefas que envolvem habilidades visoespaciais como simetria, rotação, organização espacial de contas, construção bi e tri-dimensionais. Por outro lado, as crianças epilépticas se beneficiaram da utilização de ferramentas culturais que minimizaram seus comprometimentos cognitivos. Nesse sentido, destaca-se a importância da internalização de tais recursos, verdadeiras "próteses culturais", que reforçam a tese da organização extracortical das funções psicológicas superiores proposta pela neuropsicologia histórico-cultural. Tais constatações apontam para a necessidade de ampliação da compreensão da natureza de dificuldades de aprendizagem em geral, situando tal foco de pesquisa em perspectiva que corporifique os processos mentais e mantenha a importância do contexto histórico-cultural em que cada indivíduo está inserido e constrói seus significados. Para assim instrumentalizar o profissional da educação fazendo com que este possa enfim, auxiliar crianças com necessidades especiais a transformar o negativo da deficiência no positivo da compensação conforme preconiza Vygotsky.
Instituição de Fomento: CNPq
Palavras-chave: visoespacialidade e visoconstrução, atividade matemática, epilepsia.