62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 1. Lingüística Aplicada
NÃO INCLUEM "ELE", POR QUÊ? UMA PROPOSTA DISCURSIVA
Nádia Maria Silveira Costa de Melo 1, 2
1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte
2. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
INTRODUÇÃO:
As estratégias para a retomada anafórica de objeto direto de 3ª pessoa no português do Brasil (PB) materializam-se por meio do uso do clítico, do pronome lexical ou do objeto nulo (ou categoria vazia), segundo Tarallo e Duarte (1988). O primeiro uso refere-se à forma não-marcada que é prescrita pela Gramática Tradicional(GT). Os demais usos são ignorados pela GT e sinalizam a forma marcada. Com o objetivo de verificar, comparar e compreender os condicionamentos que motivam o uso dessas formas, tanto na escrita quanto na fala de usuários reais. Para isso foi utilizada a lente do funcionalismo norte-americano, cujo postulado sinaliza a situação comunicativa como determinante e motivadora da estrutura gramatical.
METODOLOGIA:
Os dados analisados foram coletados do Corpus Discurso & gramática: a língua falada e escrita na cidade de Natal (FURTADO DA CUNHA, 1998). Um banco de dados produzidos por estudantes do ensino fundamental (9º ano/ 8ª série), médio (2ª grau) e superior (3º grau). Após a coleta dos dados, procedeu-se a um confronto entre as principais idéias veiculadas na literatura funcionalista com referência ao conceito de gramaticalização, no intuito de interpretar o fenômeno observado: ele com função objetiva. Buscou-se identificar os condicionamentos cognitivos e comunicativos envolvidos na gramaticalização das formas em análise. Foram analisadas a produção linguística de 12 informantes, em três gêneros (narrativa de experiência pessoal, narrativa recontada e relato de opinião) e nas modalidades oral e escrita sobre o mesmo tema, garantindo assim a comparabilidade entre a fala e a escrita, totalizando 72 textos.
RESULTADOS:
A análise dos dados revelou que o uso dos pronomes reto de 3ª pessoa aponta para uma instabilidade quanto ao funcionamento sintático. No entanto, a GT estabelece restrições concernentes a esses usos, de modo a prescrever que tais pronomes só poderão exercer funções objetivas, predicativas ou objetivas desde que antecedidos de preposição. Porém, ao se confrontar essas prescrições com o uso realizado por falantes reais, constata-se que essas normas são amplamente transgredidas. No cômputo geral das ocorrências dos pronomes retos de 3ª pessoa, o uso lexical apresenta um percentual de 66% e o clítico 34%. Este fato sinaliza um decréscimo no uso de acusativo o (e suas flexões) e um amplo uso de "ele"(e suas flexões). Quanto ao registro, na modalidade falada observou-se que o uso do pronome lexical alçou o patamar de 77% e os clíticos 23% apenas. Já na escrita, esse percentual sofreu uma inversão de valores: 28% para uso lexical e 72% para os clíticos. Essa distribuição evidencia a trajetória de gramaticalização do pronome lexical de 3ª pessoa que assume a função acusativa, manifestando-se, primeiramente no discurso falado, modalidade que favorece a mudança lingüística, conforme prevê a teoria funcionalista.
CONCLUSÃO:
Este trabalho revelou que a codificação de "ele" objetivo é pragmaticamente motivada, estando relacionada à sua posição em relação ao verbo. A codificação, portanto, se ajusta ao princípio da iconicidade e tem como objetivo a preservação da ordem não-marcada SVO. Isso corrobora a hipótese givoniana de que a sintaxe decorre da semântica e da pragamática. Quanto à existência de diferentes ordenações (SVO: pronome ele e SOV: pronome clítico), sinalizam exemplos do princípio de camadas postulado por Hopper(1991) para caracterizar o processo de gramaticalização. Assim, fica evidente que é o uso da língua que dá forma ao sistema da língua e não o inverso. Nessa perspectiva, os usuários da língua deixam de ser meros expectadores e passam a ser vistos como produtores, agentes e transformadores das estruturas e dos processos que se acentuam nas línguas.
Instituição de Fomento: CAPES
Palavras-chave: Funcionalismo, Gramaticalização , Iconicidade.