62ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 4. Direito Constitucional
Fragmentos de democracia participativa: a percepção do (des)compasso entre a validade e a legitimação das decisões coletivas nas audiências públicas municipais
Maria Clara Oliveira Santos 1
Adriana Campos Silva 2
1. Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da UFMG
2. Prof. Dra./Orientadora Dpto. de Direito Público da Faculdade de Direito da UFMG
INTRODUÇÃO:

A institucionalização da participação ao longo das últimas décadas permitiu que as audiências públicas apresentassem-se como institutos da democracia executora do poder. No campo da democracia participativa, a vontade coletiva é alçada a fundamento das decisões, e o Estado posiciona-se como um "movimento social" que deterá o monopólio da articulação no interior dessa nova proposta de organização política.

No entanto, o trato das questões públicas sofre, cotidianamente, grande influência de setores e atores que se utilizam desses amplos processos decisórios para introjetar seus objetivos e corromper a dinâmica deste processo. Por isso, a análise de audiências públicas no município de Belo Horizonte procurou identificar as tentativas de superposição de interesses, e o uso dos mecanismos decisórios como forma de legitimar interesses que se afastam dos interesses primários, próprios da população.

A identificação desses mecanismos de persuasão, e o seu grau de contaminação nas decisões proferidas coletivamente, permite avaliar adequadamente o nível de participação e a consolidação dos valores básicos correspondentes à cidadania e à participação popular.

METODOLOGIA:

O estudo em campo para observação do ambiente e coleta de dados referentes aos atores participantes do processo decisório contou com uma dúplice metodologia de abordagem. A observação do ambiente procurou retratar etnograficamente as variadas interações que ocorrem durante o processo decisório. Para tanto, atendeu-se criteriosamente ao tempo de permanência em campo - necessariamente todo o desenvolvimento da audiência pública - para assegurar-se da correta interpretação daquelas participações (Lakatos, 2009, p. 273). As audiências nas quais o tempo de permanência dos pesquisadores não correspondia à completude foram descartadas do procedimento de análise.

Foram aplicados questionários mistos, compostos por quesitos de múltipla escolha e quesitos de resposta aberta sem nenhum tipo de orientação. Isto para que, além de uma padronização geral das respostas, a partir de um campo comum - os quesitos fechados, houvesse a possibilidade de captação de um maior número de dados e conceitos a partir dos participantes das audiências públicas. Entrevistas foram realizadas com alguns atores que apresentaram maior destaque no processo, em uma tentativa de determinar o grau de influência que estes pretendiam alcançar com a deliberação coletiva.

RESULTADOS:

As etnografias mostraram que a participação de uma expressiva parcela dos atores está condicionada ao grau de influência que os mesmos acreditam exercer sobre o processo decisório realizado naquele local e com aquele grupo especificamente. Audiências públicas mais "globais" apresentam-se menos efetivas no tocante a uma maciça participação coletiva. Os atores participantes, conscientes de seu papel de cidadãos, tendem a expressar-se mais abertamente e com maior credibilidade na decisão final proferida em suas próprias comunidades e quando acompanhados de membros conhecidos ou historicamente representativos de sua comunidade.

Desta forma, o procedimento de validação das decisões proferidas está associado a uma legitimação de caráter pessoalizado, dando-se apoio às decisões e interesses de grupos que captaram a empatia dos atores antes mesmo do processo de deliberação, e por muitas vezes independentemente do grau de argumentação e comprovação dos dados e tópicos discutidos nas audiências públicas.

CONCLUSÃO:

As alterações no campo democrático, e a consolidação de institutos de participação popular a partir da Constituição da República de 1988, trazem à tona uma nova forma de segmentação política, com a ampliação do espaço de debate público e a possibilidade de ascensão de novos mecanismos de controle e imposição de poder. Isto obriga o Estado, promotor e fomentador dos debates coletivos, a participar através de uma meta-governação (Santos, 2002, p. 373), como órgão e partícipe detentor do monopólio da articulação no interior da nova organização política, de modo a evitar a supressão de interesses legítimos por um jogo de poder paralelo desenvolvido na esfera civil.

Isto porque, enquanto a idéia de vontade coletiva corresponda à prioridade legitimatória da democracia, esta justiça legitimadora, realizada somente quando e no processo democrático (Höffe, 2005, p. 134), deve ser resultado de uma democracia executora de poder na qual a realidade empírica conduza a uma aproximação máxima dos interesses locais e do resultado dos processos de deliberação coletiva.

Instituição de Fomento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior - CAPES
Palavras-chave: Democracia Participativa, Cidadania, Audiências Públicas Municipais.