62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 3. Antropologia das Populações Afro-Brasileiras
AFETOS INTER-RACIAIS: UM ESTUDO SOBRE SUAS REPRESENTAÇÕES E LIMITES ÍNTIMOS E SOCIAIS
Jordana Freitas de Sousa 1
Maria Glaucíria Mota Brasil 2
1. Mesrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade / UECE
2. Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas / UECE
INTRODUÇÃO:
O casamento inter-racial pode ser visto como um indício de enfrentamento do racismo? Estes relacionamentos realmente cumprem papel de neutralizadores das desigualdades raciais? Na busca por estas respostas o estudo trata de algo que pouco se fala, mas que persistem as atitudes aparentemente sem importância cotidianamente, mas não são percebidas. O Brasil é um país conhecido pela miscigenação e "harmonia" racial, mas atualmente, temos estudos que apontam a fragilidade dessa imagem. Estes revelam que a cor atua como um dos fatores que exercem grande influência na escolha do cônjuge, o que expressa na predominância de relações raciais endogâmicas. De que adianta abrirem espaços na sociedade para negros com políticas e projetos de ações afirmativas, se dentro da intimidade familiar e no convívio social reproduzimos conceitos tão discriminatórios e tão estigmatizantes? A discussão também abrangeu os meandros da literatura brasileira confrontando a realidade com romances como Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado e O Cortiço, de Aluízio de Azevedo. Longe de ter caráter conclusivo o estudo possui caráter denunciador do mascaramento das questões que envolvem os conflitos nas relações raciais, inseridos na esfera íntima do núcleo familiar.
METODOLOGIA:
A análise foi realizada com depoimentos de pessoas que vivem ou viveram um relacionamento racialmente heterogêneo, residentes em Fortaleza (Ceará/Brasil), por meio de entrevistas semi-estruturadas, com maiores possibilidades de abrangência, gravadas em áudio e transcritas. Os interlocutores foram escolhidos por critério visual, isso originou um desafio, pois ao serem selecionados, não se reconheciam no perfil inter-racial, dada a negação da existência de negros no Ceará. Todos os participantes tiveram suas identidades devidamente resguardadas por nomes fictícios. Na execução dessa análise os conceitos que transcorrem o problema foram aprofundados, associando-os aos dados quantitativos, que provinham de dados estatísticos do IBGE, os interpretando qualitativamente, podendo revelar as contradições e imprevisibilidades. Outra técnica de grande valia foi pesquisa bibliográfica, constituída de artigos e livros a fim de construir o referencial teórico sobre as principais categorias do estudo. Os romances literários foram fundamentais para estabelecer relação entre as obras e as falas dos interlocutores. É preciso que fique claro que a amostra utilizada, por ser reduzida, facilitou para que houvesse uma aproximação com o objeto, mas não há parâmetros de conclusão definitiva.
RESULTADOS:
No Brasil a exclusão de indivíduos encontra-se em diversas esferas, tratando-se especificamente da esfera afetiva, nas relações sociais do Brasil, o casal visivelmente inter-racial provoca estranhamento ou até mesmo incômodo. Como conseqüência, a maior parte dos casais são endogâmicos. A dificuldade na busca de uma relação estável, para os negros, é estatisticamente comprovada quando no censo de 2000 (IBGE), a pessoa definida como preta casa-se em geral mais tarde. Portanto o casamento civil ainda é um privilégio para os brancos. A pesquisa possibilitou a identificação de diversos tabus nas relações inter-raciais. Do meio externo, envolvendo a sociedade mais incisivamente a família; e internamente, tratando-se dos cônjuges.Tais como, a não aceitação do negro por parte das famílias brancas, a exigência da negação dos traços afros, vistos como negativos, para que este seja valorizado ou ao menos tolerado. A cor da pele passa a ser ponto hierarquizante também no âmbito afetivo. Existe, portanto, uma interdição, mesmo que na forma de tabu, dos casamentos ou uniões inter-raciais. O discriminador, que não se considerava racista, revela-se quanto mais o negro adentra à sua intimidade familiar.
CONCLUSÃO:
A reprodução do preconceito está intrinsecamente ligada ao conformismo, ao conservadorismo, à indiferença e à naturalização do desrespeito. A existência de relações inter-raciais não se subentende o enfrentamento ao racismo, pois os membros da relação encobrem as manifestações de racismo que os envolvem e reproduzem os conceitos discriminatórios, repassando na sociedade os signos negativos associados ao negro, como se fosse algo inconsciente ou natural. A maioria dos entrevistados, inclusive, considera natural o choque de suas famílias perante a escolha em manter um relacionamento inter-racial. Portanto ao invés de neutralizar as desigualdades raciais, as evidenciam. Já que o negro para ser aceito no ambiente privado da família branca ainda tem que "se mutilar" negando sua identidade, se adequando para ser visto como "negro de alma branca". Constata-se como realidade, que o fato de viver uma relação inter-racial não isenta um dos cônjuges de racismo. Essas práticas ganham legitimidade diante do silêncio e são incorporadas no cotidiano social e familiar acriticamente. É essencial o reconhecimento de que a miscigenação não rompeu e não é suficiente para a abolição do racismo no Brasil, para que deixando de ser invisível, torne-se passivo de reflexão e intervenção.
Palavras-chave: Relações étnico-raciais, Preconceito racial social e familiar, Discriminação.