62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 5. Teoria e Análise Lingüística
LINGUA(GEM) E RELIGIOSIDADE : ELEMENTOS IDENTITÁRIOS NA LITERATURA AFRO-BRASILEIRA
Joelma Santos Baldez 1
Anairan Jerônimo da Silva 2
Nilde Selma Aguiar Carvalho 3
1. Rede Municipal e Estadual de Educação (Educação Básica) - São Luís/MA
2. IFET/MA - Campus Zé Doca
3. Rede Particular de Educação (Educação Básica) - São Luís/MA
INTRODUÇÃO:

 Deuses, cânticos, rituais e todos os elementos identitários das religiões de matriz africana no Brasil tiveram a oralidade como veículo de constituição e de propagação por todo o país. Também pela oralidade é que as narrativas mitológicas típicas do povo-de-santo se disseminaram dentro dos locais de culto, seguindo as tradições de contação de histórias na África. Algumas dessas histórias foram resgatadas da oralidade e recontadas na forma escrita, principalmente em livros infantis. Um artifício de preservação da literatura oral, passível de modificações e/ou variações, que, entretanto, não perde a credibilidade no que tange à fidedignidade ao pensamento afro-religioso, preservando - e respeitando - a voz de quem as conta pela fala. Partindo do pressuposto de que essas narrativas trazem em seus enredos aspectos peculiares às religiões afro-brasileiras, este trabalho tem por objetivo investigar como as divindades/personagens do panteão africano são caracterizadas nas referidas histórias, buscando elementos que evidenciam sua "personalidade", e de que maneira essa caracterização contribui para o resgate, a disseminação e o entendimento dos valores identitários do culto afro-religioso brasileiro.

METODOLOGIA:

Para sua concretização, a pesquisa se desenvolveu com as seguintes etapas: 1 - pesquisa bibliográfica em Etnolingüística, Antropologia Cultural e Socioterminologia; 2 - Composição do corpus a ser analisado - 22 narrativas de mitos africanos extraídas de 5 livros de literatura infanto-juvenil (de CHAIB e RODRIGUES - Ogum, o Rei de muitas faces e outras histórias dos Orixás, 2000, 3 contos; de PRANDI - Contos e Lendas afro-Brasileiros: a criação do mundo, 2007, 8 contos; Oxumarê, o arco-íris, 2004, 4 contos; Xangô, o trovão, 2003, 3 contos; Ifá, o Adivinho, 2002, 4 contos); 3 - levantamento do léxico de matriz africana utilizado nas narrativas; 4 - verificação dos sentidos atribuídos aos termos em dois glossários de línguas africanas (PESSOA DE CASTRO, 2002, e CACCIATORI, 1979); 5 - análise do corpus.

RESULTADOS:

Observa-se que os contos da mitologia africana resgatam aspectos identitários dos cultos afro-brasileiros em duas vertentes: (A) informações diretamente relacionadas ao panteão e (B) informações gerais relacionadas às práticas rituais dos terreiros de candomblé. No primeiro grupo, verifica-se termos relativos à nomenclatura (nomes dos Orixás), parentesco, papel social e personalidade/comportamento das divindades. No grupo B encontram-se termos relativos à oferendas, comidas e bebidas, objetos rituais, locais mitológicos e plantas (utilizadas em oferendas ou em chás e infusões para cura de doenças). Com base nos dados levantados observa-se ainda que: (1) a noção de hierarquia não é rígida, apesar da existência de níveis de importância dentro do panteão, começando pelo Ser Supremo, as divindades nem sempre aceitam sua inserção num nível inferior, podendo ocorrer rivalidade entre elas; (2) politeísmo, com a presença de Deuses de natureza e papéis sociais diversos; (3) há relação direta com a natureza, já que os orixás são diretamente relacionados como um fenômeno ou elementos naturais; (4) a "desconstrução" das fronteiras entre bem e mal, já que alguns orixás apresentam atos que revelam inveja, soberba, ambição e vingança, ao passo que ajudam os humanos e uns aos outros.

CONCLUSÃO:

Constata-se com esta pesquisa que a mitologia afro-religiosa transplantada para o texto escrito conserva a fidedignidade ao pensamento do grupo étnico, apresentando elementos identitários da cultura jeje e nagô no Brasil. A presença desses aspectos típicos da religião afro-brasileira observados no corpus de análise corrobora a hipótese de que os contos de candomblé, por meio da narração de histórias vividas pelos orixás, são relicários das crenças herdadas pelos africanos. Isso possibilita ao leitor da história compreender melhor o universo religioso mesmo não pertencendo a esse grupo étnico. Desse modo, o texto escrito resgata, mantém e dissemina o conhecimento religioso e, consequentemente, a visão desse universo.

Palavras-chave: Linguagem, Religiosidade, Literatura afro-brasileira.