62ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 13. Direito
A FUNDAMENTAÇÃO ÉTICO-JURÍDICA ACERCA DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS NO BRASIL
Nara Pereira Carvalho 1
Aline Rose Barbosa Pereira 1
Laís Godoi Lopes 1
Anna Cristina de Carvalho Rettore 1
Brunello Stancioli 1
Carolina Penna Nocchi 1
1. Universidade Federal de Minas Gerais
INTRODUÇÃO:

Um dos assuntos prementes na atualidade diz respeito ao uso de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa científica. Os possíveis progressos tecnológicos nesse campo são frequentemente apontados como imperativo de bem-estar das futuras gerações.

No Brasil, a primeira regulamentação atinente à matéria deu-se com a Lei de Biossegurança (Lei 11.105, de 2005), que autorizou a utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia. Visando a questionar a validade da permissão legal, foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3510-0 DF), em maio de 2005, sob o argumento de que tais pesquisas violariam o direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Em julgamento acirrado, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se em favor da liberação das pesquisas nos termos da lei que, frise-se, prevê hipóteses bem limitadas para a realização das pesquisas.

Uma análise dos debates sobre a questão, contudo, escancara a fragilidade dos argumentos elencados. Neles, discute-se a possibilidade do uso de células embrionárias sem se perquirir em que consiste a pessoa humana - cerne da questão. Afinal, todo o ordenamento ético-jurídico está centrado na pessoa, nas relações interpessoais e não na vida como entidade isolada e abstrata.

METODOLOGIA:

Para o fim de se legitimar ética-juridicamente o uso de células-tronco embrionárias na pesquisa biomédica, partiu-se do conceito pós-metafísico de pessoa humana (STANCIOLI). Nele, delineiam-se três eixos fundamentais e constitutivos da pessoa: autonomia, alteridade e dignidade. É da confluência da autonomia do indivíduo humano de interagir com o outro e com o ambiente que exsurge a capacidade de buscar formas de vida que considere superiores, dignas.

Simultaneamente, tradições teóricas presentes no Mundo da Vida foram avaliadas, como documentos do Vaticano, com vistas a transcender o discurso pré-científico. Foram feitas, também, análises da Lei de Biossegurança e das peças constantes na referida Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Levaram-se em conta argumentos empíricos (biológicos), a fim de se estruturar um discurso ético pertinente ao contexto de um Estado Democrático de Direito, plural e secular. Assim, para além do mero discurso jurídico ou dogmático, foram construídos argumentos racionais e interdisciplinares, que permitiram a fundamentação discursiva, ética e jurídica desta pesquisa.

RESULTADOS:

Da análise das discussões relativas à matéria, a primeira constatação foi a ausência de cientificidade.

Em primeiro lugar, o problema não se pôs claramente. O epicentro da questão é o conceito de pessoa humana, que, portanto, deve ser utilizado. Embora seja fundamental no pensamento jurídico do Ocidente, a dogmática trata-o carregado de simplismo. A concepção de pessoa é tida como a priori e incontroversa, não sendo objeto de grandes questionamentos. Alie-se a isso o fato de que a noção de pessoa humana utilizada tem uma matriz ideológica fortemente cristã. A discussão central parece ter ficado à margem dos debates, qual seja: um conceito pós-metafísico secular e universalizável de pessoa.

Nesse contexto, a respeito da pessoalidade do embrião, a dimensão social e interativa deve ser levada em conta como momento fundante da pessoalidade: só se pode conceber a pessoa em um contexto sócio-interativo, em que autonomia e alteridade são co-originárias. No caso, as pesquisas embrionárias são feitas num estágio em que não se teve a constituição do sistema nervoso (antes da formação do tubo neural), de modo que se observa a ausência de um mínimo de interação que embase a existência de uma capacidade autônoma do embrião, do qual serão utilizadas as células-tronco.

CONCLUSÃO:

O ponto de partida para a fundamentação ético-jurídica das pesquisas com células-tronco embrionárias deve ser a noção pós-metafísica de pessoa humana, inserida no Estado Democrático de Direito Plural. Nesse sentido:

a)    Embriões não são pessoas, posto que não possuem base biológica minimamente diferenciada,  apta à interação inteligente/discursiva. Não são dotados de capacidade de perceber a vida como projeto valorativo, inserido em um contexto histórico-cultural, no qual viver tenha sentido meta-biológico.

b)    Em um Estado Democrático de Direito Plural e Secular, as manifestações religiosas não podem ser a matriz fundante do discurso jus-científico ou mesmo ter valor legiferante.  

Como consequência lógica, não havendo pessoalidade, sob a ótica científica, abre-se a possibilidade do uso de células-tronco embrionárias para pesquisa e desenvolvimento de técnicas curativas, inserindo o Brasil da marginalidade na vanguarda da produção de conhecimento científico na área.

Instituição de Fomento: Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG
Palavras-chave: Células-Tronco Embrionárias, Bioética, Pessoa Humana.