62ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 6. Arquitetura e Urbanismo - 1. Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo
DAS CIDADES INDIGNAS: RELATOS DE VIAJANTES E REPRESENTAÇÕES SOBRE OS NÚCLEOS URBANOS DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Barbara Gondim Lambert Moreira 1
George Alexandre Ferreira Dantas 2
1. Bolsista IC/REUNI - Departamento de Arquitetura - UFRN
2. Prof. Dr./ Orientador - Departamento de Arquitetura - UFRN
INTRODUÇÃO:
Relatos de viajantes europeus ao Brasil, principalmente no século XIX, têm sido amiúde utilizados como fontes para a historiografia, tanto sobre os costumes e a sociedade em geral, quanto sobre a configuração urbana das cidades coloniais. O presente trabalho, vinculado ao projeto de pesquisa "Representações e legitimações do campo disciplinar do Urbanismo no Brasil (1893-1935)", faz um recorte no tradicional estudo do assunto, analisando o que viria a ser a visão dessas cidades sob o olhar estrangeiro, com foco no discurso acerca da decadência e, em especial, na descrição da paisagem material, sobremodo daquelas localizadas em Minas Gerais. O enfoque nas cidades mineiras deve-se ao fato de que o Plano de Belo Horizonte (1893-1896), elaborado pela equipe chefiada pelo Eng. Aarão Reis, e que seria um marco na moderna urbanização do Brasil, também se embasaria, como se percebe nos relatórios técnicos, na crítica aos "vícios" característicos da arquitetura e da urbanização coloniais. Assim, a importância do estudo em questão está atrelada à compreensão de como a crítica à cidade colonial, tendo como uma das principais fontes esses relatos, serviu ao propósito de legitimação dos processos de modernização urbana por que as cidades brasileiras passariam a partir do final do século XIX.
METODOLOGIA:
A análise baseou-se em três procedimentos: 1) revisão bibliográfica, tendo como foco a problematização dos relatos de viajantes como fontes historiográficas e a discussão sobre o conceito de representação; 2) o estudo das fontes primárias, enfatizando duas obras que se tornariam referência constante sobre as cidades mineiras: os relatos de Richard Burton ("Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho" [1869]) e de Auguste de Saint-Hilaire ("Viagem Pelas Províncias Do Rio De Janeiro e Minas Gerais", [1830]), que deixariam um legado de informações decisivas que iriam compor as maneiras de descrição da paisagem e da estrutura desses núcleos urbanos; e 3) a análise dos relatórios técnicos para a escolha do sítio da nova capital de Minas Gerais, tendo como elemento norteador a identificação dos elementos (palavras, expressões recorrentes, imagens, enfim, os lugares-comuns) utilizados para construir as representações sobre as várias cidades, o que permite revelar esse fundo-comum de relatos de viajantes. Observe-se que para analisar as fontes primárias foi importante também trabalhar com a noção, conforme discute Stella Bresciani, de que o lugar-comum é a "imagem resultante" e o fundo-comum é "o material com o qual [essa imagem] é elaborada e cuja genealogia necessita ser interrogada".
RESULTADOS:
A visão de decadência e desordem das cidades descritas por viajantes estrangeiros se tornaria um lugar-comum em relatórios e textos técnicos, auxiliando nas justificativas para as intervenções urbanísticas. Em seus relatos, tais locais são descritos como "confusos", de "traçados irregulares" e "abandonados". Para Saint-Hilaire, as causas para esse ar de "decadência" são tanto de natureza econômica (a fugacidade da riqueza atribuída à retirada de ouro e o sistema de agricultura aplicado, por exemplo) quanto urbanística (casas construídas com materiais de pouca durabilidade e ruas irregulares). Muitas das localidades são descritas como "vazias", desprovidas de dinâmica urbana, apenas uma lembrança do que haviam sido. Esses escritos, atribuindo às cidades "ares de descuido e atraso", foram fundamentais para a visão de decadência que iria se firmar, mesmo na moderna historiografia do século XX. As cidades mineiras têm em Burton um observador atento, mas não menos crítico, principalmente ao abordar a capital da província, Ouro Preto, classificando-a como uma cidade "indigna" de possuir o título de cidade-sede de uma região tão vasta, visto sua irregularidade e pequeno porte. Burton vai além, ao sugerir um novo local para a capital, o que viria a ser posto em ação décadas depois.
CONCLUSÃO:
O Relatório da Comissão de Estudos das Localidades, cujo intuito era a escolha de um sítio para a nova capital da província, apontava para a inadequação de Ouro Preto em suprir as necessidades esperadas de uma capital, seja, por exemplo, pela "insalubridade" ou pela "péssima posição topográfica" encontrada. Em seu relatório, Aarão Reis ao estudar Barbacena como possível local para a construção da capital, faz uma leitura da paisagem marcada pelo encanto com a beleza pitoresca do local que em muito se assemelha àquela dos relatos dos viajantes. Mais ainda, ao descrever a cidade, Reis utiliza-se, quer citando direta ou indiretamente, de diversos lugares-comuns provenientes do fundo-comum constituído desses relatos, sobretudo dos estrangeiros, como Burton e Saint-Hilaire. A crítica à Barbacena é também a crítica à Ouro Preto e aos demais núcleos provenientes do período colonial. Portanto, as ruas "tortuosas" e casas "desalinhadas" que os definiam não suportariam as crescentes necessidades da vida moderna, bem como suas limitações espaciais não permitiriam o crescimento esperado. Belo Horizonte, então, nasceria moderna, regular e planejada, opondo-se aos lugares-comuns com que as antigas cidades foram descritas.
Instituição de Fomento: Pró-Reitoria de Pesquisa - UFRN
Palavras-chave: Urbanismo moderno, Representações, Viajantes estrangeiros .