62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 7. Sociologia
CAPISTRANO DE ABREU E A CONSTRUÇÃO DA HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO BRASILEIRA A PARTIR DO SERTÃO
Vinícius Limaverde Forte 1
1. Programa de Pós-Graduação em Sociologia/ UFC
INTRODUÇÃO:
O intuito deste trabalho é analisar a interpretação de Capistrano de Abreu sobre a formação da sociedade brasileira, na qual o sertão é apresentado como espaço privilegiado desse processo, contrapondo-a a perspectiva então vigente que enfatizava a centralidade dos eventos ocorridos no litoral durante a colonização. A importância atribuída pelo autor à constituição da civilização do couro no empreendimento colonial, em detrimento ao predomínio da história política e administrativa característica do litoral, propiciou uma revisão do papel desempenhado pela ocupação do sertão mediante a criação extensiva de gado, fato menosprezado pela historiografia tradicional. Nesse ínterim, no âmbito das discussões pertinentes ao campo historiográfico subjaz uma disputa simbólica que remete às relações de dominação estabelecidas entre colônia e metrópole, vinculada à oposição entre litoral e sertão.
METODOLOGIA:
Adota-se como arcabouço metodológico neste empreendimento a Sociologia Reflexiva de Pierre Bourdieu. Tomo a noção de campo como categoria central para analisar a produção intelectual de Capistrano de Abreu. O método proposto por Bourdieu leva a um trabalho em diversas frentes paralelas, por exigir do pesquisador que realize uma colcha de retalhos de métodos em uma perspectiva relacional: leitura interna (análise discursiva), análise biográfica (trajetória), observadas no interior do campo de produção cultural (posições, confrontos, correntes de pensamento). No intuito de contribuir para uma compreensão relacional da interpretação elaborada por Capistrano de Abreu sobre a colonização brasileira, foram examinadas suas correspondências, além de seus principais livros e artigos - tais como Capítulos de história colonial, O descobrimento do Brasil e Caminhos antigos e povoamento do Brasil. A análise das correspondências e biografias, juntamente com o universo de sua obra, propicia compreender a inserção do autor no sistema hierarquizado de posições composto por diversos agentes envolvidos nos embates em torno do monopólio legítimo da construção da nação brasileira no plano simbólico.
RESULTADOS:
As lutas de classificações no meio intelectual brasileiro a respeito das representações elaboradas sobre litoral e sertão acentuaram-se a partir do último quartel do século XIX e acompanharam toda República Velha. Capistrano de Abreu inseriu-se nesse debate ao enfatizar a importância da ocupação do sertão mediante a criação extensiva de gado para o empreendimento colonial português, destacadamente realizado pela livre iniciativa, com proeminência ao papel desempenhado pelos bandeirantes, homens livres, vaqueiros, donatários de sesmarias etc. Nesse sentido, acentua-se a diferença em relação à colonização do litoral, cujo desenvolvimento estava atrelado a sua qualidade de sede da metrópole. Tal perspectiva marcou uma significativa ruptura em relação à historiografia tradicional, pois deslocou o enfoque para uma região cuja importância econômica e política era diminuta em virtude do modo como estava inserida no sistema colonial. Até o surgimento da obra de Capistrano de Abreu na produção historiográfica brasileira predominava a mera compilação de datas e fatos, enfatizando exaustivamente as relações entre a administração colonial e a metrópole, restringindo-se, portanto, aos acontecimentos sucedidos na faixa litorânea.
CONCLUSÃO:
Capistrano de Abreu elaborou, portanto, uma história vista do sertão, contrapondo-a ao "sertão-problema" criado a partir da visão litorânea. Ao destacar, por exemplo, a importância do vaqueiro e do bandeirante no processo de integração territorial, ele ressalta o papel da livre iniciativa e apresenta o trabalho como valor - pois a participação do escravo nas atividades econômicas desenvolvidas no interior é minimizada. A valoração positiva do sertão propiciou-lhe lançar sobre o Brasil um olhar de "dentro" - ao invés de assumir o posicionamento tradicional que se centrava excessivamente sobre o litoral, ou seja, o ponto de vista de "fora", do português. Essa seria por um lado sua inovação em relação às concepções vigentes na historiografia nacional, e, por outro lado, sua contestação dos princípios ordenadores das disputas simbólicas pelo princípio de classificação e hierarquização do sertão em relação ao litoral. Com esse movimento heterodoxo no campo da historiografia, ele legitimou uma nova definição da divisão do mundo social ao contar uma história da sociedade civil, em que o "espírito de liberdade" sertanejo é preponderante na constituição da nação brasileira.
Instituição de Fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
Palavras-chave: Capistrano de Abreu, Brasil colonial, Sertão.