Este trabalho tem como tema central a discussão acerca dos direitos referentes à qualidade de vida dentro de uma comunidade localizada em uma área de vulneralibildade social do município de Belém/PA. O objetivo principal constitui-se em analisar de forma crítica a realidade social dentro desta comunidade e o papel que um grupo de mulheres residentes em tal área desenvolveu na reivindicação do direito acima mencionado. Esse grupo de mulheres faz parte do projeto de extensão intitulado "O fazer virtuoso: geração de renda, empoderamento e consciência ambiental no Igarapé Mata Fome, Belém/PA", também conhecido como Projeto IMF, desenvolvido pela Universidade da Amazônia - UNAMA e com financiamento da Fundação Instituto para o Desenvolvimento da Amazônia - FIDESA. Este projeto tem o objetivo de empoderar a comunidade através de atividades diversas. Dentro dessas atividades constava um grupo de mulheres que foi montado visando a geração de renda através da confecção de artigos utilizando papel reciclado. O direito a sadia qualidade de vida encontra-se resguardado no artigo 225 da Constituição Federal e pode ser considerado um direito fundamental. Tal direito remete, entre outras questões, ao problema do saneamento básico. Um longo processo de empoderamento da comunidade, através da construção de uma consciência ambiental e política acerca da responsabilidade do estado em oferecer serviços de saneamento, resultou em um quadro de pró-atividade cidadã no, já citado, grupo de mulheres.

As abordagens quantitativas e qualitativas foram utilizadas para a construção desta pesquisa. As abordagens qualitativas constituíram-se em: experiência do exercício das atividades extensionistas desenvolvidas pela UNAMA na respectiva comunidade, oportunizando a construção de um caderno de campo com anotações sobre a rotina social da comunidade; entrevistas de diferentes tipos. A abordagem quantitativa constituiu-se em questionários aplicados na comunidade, sendo que os questionários eram aplicados em casas alternadas, ou seja, em uma casa aplica-se o questionário, na próxima não, na seguinte sim, na outra não e assim sucessivamente (gerando uma amostra de 50% da comunidade). Estes questionários continham perguntas relativas ao número de residentes da casa, tempo de moradia na área, grau de escolarização, dados acerca da qualidade de vida, etc, visando construir um perfil socioeconômico da comunidade. Neste ponto faz-se necessário ressaltar algumas das atividades que o projeto extensionista da Unama desenvolveu e desenvolve na comunidade: balcão de direitos, acolhimento psicológico, grupo de crescimento, incentivo a geração de renda, atividades fisioterápicas para idosos, etc. Estas atividades visam empoderar os moradores da comunidade para que estes venham a ser tornar agentes multiplicadores. Com isso faz-se mais claro o contexto que é vivenciado pela comunidade em interação com o projeto extensionista: um contexto de intenso empoderamento.

A Comunidade de Bom Jesus I localiza-se entre os bairros do Tapanã e Pratinha, às margens do Igarapé Mata Fome. Sua população residente, em grande parte vinda do interior do estado (37%), inicialmente ocupou a área próxima ao igarapé, para a obtenção de alimentos como peixes, camarões e frutos das matas ciliares. Com o passar dos anos o adensamento da ocupação do entorno desse corpo d'água alterou profundamente a dinâmica ambiental e social que caracterizava o Igarapé Mata Fome, resultando em um cenário no qual a situação de pobreza e exclusão social marca o cotidiano dos moradores. Através de algumas atividades do projeto de extensão, em especial palestras que apontavam necessidades diversas como a garantia dos direitos da mulher, a sadia qualidade de vida, etc, criou-se um cenário de empoderamento através da compreensão de direitos pela comunidade. Foi nesse cenário que, no decorrer do processo de implementação do serviço de abastecimento de água na área, pelo Serviço Autônomo de Água e esgoto de Belém - SAAEB, o grupo de mulheres que integra o projeto mostrou seu perfil pró-ativo. Assim, diante das dificuldades de garantir que o sistema implementado atendesse toda a área, o grupo de mulheres se organizou e estabeleceu uma interlocução direta com o poder público no tocante à questão do abastecimento de água.  Foi essa ação que garantiu que toda a comunidade Bom Jesus I fosse contemplada com o sistema de abastecimento de tal monta que nenhum logradouro ficou fora do quadro de fornecimento de água.

O cumprimento dos direitos fundamentais deveria ser garantido pelo Estado, segundo a Constituição Federal de 1988, o direto a qualidade de vida e, por conseguinte, ao saneamento básico, como disposto no artigo 225, se enquadra nesse cenário. Poucas pesquisas foram realizadas no entorno da área do Igarapé Mata Fome, localidade onde se encontra a Comunidade foco deste artigo, e dentre as encontradas sobre a área poucas tiveram o objetivo de demonstrar qual a real situação do saneamento básico e da dignidade dessas pessoas que vivem nesta comunidade, articulando os instrumentos jurídicos relativos a essa temática e a realidade social vivida. Diante do descumprimento das garantias a uma sadia qualidade de vida qual a percepção dos moradores da Comunidade estudada acerca do saneamento local em que vivem? O episódio de participação das mulheres na interlocução com o poder público, durante o processo de implementação do sistema de abastecimento de água na Comunidade Bom Jesus I, mostra-se como uma resposta e um marco de empoderamento pessoal e social. Além de ter garantido um direito básico para os moradores da área, permaneceu na memória do grupo evidenciando processos de empoderamento e fomentando ações futuras de reivindicação de direitos diversos.