62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 2. Letras - 4. Línguas Indígenas
A EXPRESSÃO DA CATEGORIA DE ASPECTO EM PAITER
Suseile Andrade Sousa 1
Ana Suelly Arruda Câmara Cabral 1
Sanderson Castro Soares de Oliveira 1
1. Universidade de Brasília
INTRODUÇÃO:
As categorias lingüísticas de tempo, modo e aspecto foram por muito tempo tidas como categorias verbais, mas à medida que novas línguas tornaram-se conhecidas, essas categorias passaram a ser consideradas por diferentes autores como categorias de predicados. Chung e Timbeleka (1985) representam esta última visão e propõem que tempo, aspecto e modo são categorias que especificam ou caracterizam a predicação básica. Tempo localiza o evento no tempo, aspecto caracteriza a estrutura temporal interna do evento e modo descreve a atualidade do evento em termos de possibilidade, necessidade e desejo. Correlações entre aspecto, tempo e modo são tão naturais nas línguas do mundo que muitas vezes o pesquisador lingüista pode se equivocar na sua interpretação dos dados. Pode, por exemplo, julgar ser manifestação de aspecto o que na realidade é manifestação de tempo, ou julgar ser manifestação de tempo o que na realidade é manifestação de modo; isto sem contar as situações em que morfemas são analisados como portmanteaux, expressando mais de uma categoria.
METODOLOGIA:

O estudo desenvolveu-se a partir da leitura da bibliografia relevante sobre a língua Paitér (Bontkes and Dooley 1985; Bontkes C. 1985; van der Meer 1985) e sobre as categorias gramaticais de tempo, aspecto e modo, em uma perspectiva tipológica trans-lingüística (Comrie 1975; Chung and Timberlake 1985; Desclès et Guentchéva 1995). Foram também considerados os estudos sobre aspecto, modo e modalidade  em línguas do tronco Tupí (Rodrigues 1953; Caldas 2000; Cabral 2007). O foco do estudo foram as ocorrências dos morfemas de e ade. O primeiro foi analisado por Bontkies e Dooley como T/A, ou seja, tempo e aspecto, enquanto que o segundo foi analisado pelos mesmos autores como imperfectivo. Van der Meer analisou a partícula de como uma marca perfectiva e ade como uma marca do imperfectivo. A análise dos dados seguiu critérios contrastivos e distribucionais. Foram, dessa forma, contrastados vários exemplos com ladé e com de, mas também exemplos com lade ou com de e exemplos sem nenhuma marca especial. A existência desses últimos dados torna problemática a análise de de como marca de aspecto perfectivo e de ade como marca de aspecto imperfectivo.

RESULTADOS:

Bontkes e Dooley (1985), assim como Van der Meer (1985) analisam de e ádé respectivamente como expressões de aspecto 'perfectivo' e 'imperfectivo'. Exemplos como os seguintes sugerem que esses dois morfemas sejam de fato marcas aspectuais:(1) yáb áa o-jé-k-iná máted é - arrow make 1SG-T/A-go-FACT yesterday SM -'I made an arrow yesterday.' (The arrow was in existence at the time of utterance.) - 'A seta já existia no momento da enunciação'. (2) meeg-ay o-jé-k-iná máted é - corn-plant 1SG-T/A-go-FACT yesterday SM - 'I went to plant corn yesterday.'- 'Eu fui para plantar milho ontem.' A análise dos dados mostrou, de fato, a existência de um contraste claro entre de e ade. Mostra que  o morfema de em conformidade com a idéia de aspecto perfectivo, como  mostra o morfema adé associado à idéia de aspecto imperfectivo. Algumas explicações plausíveis para a ausência das marcas de e ádé nos exemplos seguintes: (3) kánatér éga etágõ - how-much 2sg-? 2sq-tired - 'How tired are you?'; (4) nán-iná napóa agâ maâ wâ - who-FACT vine middle take HORT 'Who is grabbing that vine in the middle?'Essas marcas não ocorrem em perguntas, mesmo que o predicado expresse um processo inacabado ou acabado. Mas a resposta contém o morfema de:(5)meeg-g̃ay o-jé-k-iná máted é -'I went to plant corn yesterday.

CONCLUSÃO:

Os dados apresentados no presente estudo mostram que a análise das marcas de e ádé, respectivamente, como sendo marcas de aspecto perfectivo e imperfectivo é problemática, já que a ocorrência desses morfemas depende da certeza do falante ter sobre o conteúdo informacional expresso pelo predicado. Assim, em perguntas, esses morfemas não ocorrem se a sua presença incide sobre algo questionado que não foi atestado pelo falante. Esse fato sobre a ocorrência dos morfemas de e ádé em Paiter, são fortes indicações de que eles não são expressões de categoria de aspecto plenamente gramaticalizada (cf. Desclès et Guentchéva 1997). Por outro lado se aproxima mais da categoria de aspecto lexical, pois dependente de fatores pragmáticos, como o conhecimento do falante com respeito ao conteúdo informacional expresso pelo predicado.  Essa característica do Paitér parece associar aspecto lexical à modalidade epistêmica.

Instituição de Fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico
Palavras-chave: Tronco Tupí, Família Mindé, Língua Paitér , Tempo, aspecto e modo .