62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 11. Psicologia Social
IMPACTO DOS VALORES PESSOAIS E DO AUTOCONCEITO SOBRE O ESTRESSE DE VESTIBULANDOS.
Eduarla Resende Videira Emilio 1
Tânia Mendonça Marques 1
Áurea de Fátima Oliveira 1
1. Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia - UFU
INTRODUÇÃO:

Enfrentar o exame vestibular para o ingresso na Universidade pode ser considerado uma das tarefas críticas do jovem. É um evento que pode gerar estresse dado a sua importância na vida do indivíduo, marcado pela possibilidade de ocupar um espaço no mercado de trabalho e alcançar um status na sociedade. Estudantes podem sentir estresse antes dos exames quando se tem uma intensificação do preparo e estudos, experimentando então reações emocionais como ansiedade, raiva, agressividade, apatia e depressão e ainda problemas de concentração e desempenho.

Contudo as reações das pessoas a eventos estressantes diferem amplamente, o que significa dizer que frente às situações de estresse, algumas pessoas desenvolvem problemas psicológicos ou físicos, enquanto outras não desenvolvem problemas, podendo até mesmo considerar a situação desafiadora e interessante, tais como exames finais de um curso ou no vestibular. Tais diferenças nos modos de pensar e lidar com eventos estressantes entre os vestibulandos pode estar associado aos valores e autoconceito dos estudantes.

Os valores pessoais e o autoconceito são fenômenos psicossociais complexos, resultantes de um gama de fatores, e entre o elenco que compreendem a personalidade humana, talvez caracterizem o que melhor distingue um indivíduo de outros.

Para Zendron (2000), a imagem de si mesmo é a maneira como o sujeito se percebe e se representa. Para a autora, o indivíduo necessita das idéias que tem de si mesmo para entrelaçar seus interesses e motivações e estabelecer seus objetivos. Lisboa (1997), por sua vez, salienta a importância autoconceito na construção do projeto de vida e do que se espera do futuro. Assim, uma questão que cerca o tema das expectativas futuras e do exame vestibular diz respeito à maneira com que o sistema de valores pessoais do vestibulando está organizado e seu autoconceito.

Dessa forma, a presente pesquisa objetivou identificar os valores e o autoconceito dos vestibulandos e ainda verificar se esses aspectos influenciam o nível de estresse. Investigar as relações entre essas variáveis e o possível impacto de valores e autoconceito sobre o estresse pode contribuir nas intervenções e orientações realizadas nas organizações de ensino, bem como resultar em benefícios na realização profissional e futura inserção no mercado de trabalho desses indivíduos.

 

METODOLOGIA:

Amostra

Participaram deste estudo estudantes regularmente matriculados na 3ª Série do ensino médio. A amostra foi composta por 135 estudantes, de ambos os sexos, sendo 78 do sexo feminino, com idade média de 17, 22 anos (DP= 0,631), os quais 52,6% (f= 71) eram matriculados em escola estadual e o restante em escolas particulares. 

Instrumentos

O instrumento de coleta de dados era composto por quatro partes:

Escala de Valores de Pessoais (PASQUALI; ALVES, 2004): Este instrumento é composto por 40 itens que abrangem as dez dimensões da teoria dos valores humanos de Schwartz. Os itens são respondidos em uma escala de seis pontos que varia de 1 (não se parece nada comigo) a 6 (se parece muito comigo). O fator "pacifismo" trata da justiça, harmonia, ajuda cuidado com a natureza, paz e segurança social (valores universalismo, benevolência e segurança). "Dominação" refere-se ao domínio, ser bem sucedido, ser importante, ambição e progresso (valores poder e realização). "Tradicionalismo" contém valores tais como manter a tradição, ser obediente, correto e respeitoso que revelam os tipos de valor tradição e conformidade. Por último, "dinamismo hedônico" abrange os tipos de valor estimulação e hedonismo, tendo como valores prazer, novidade e diversão. O fator I de segunda ordem é composto pela dimensão de autotranscendência e conservação do sistema de valores enquanto o fator II congrega os valores de dominação, realização e hedonismo, podendo ser denominado de autopromoção. A consistência interna dos fatores é satisfatória variando de 0,71 a 0,81, exceto tradicionalismo cujo Alpha é igual a 0,58.

Escala Fatorial de Autoconceito - EFA (TAMAYO, 1981): Consiste em uma escala composta por 98 itens que avaliam o autoconceito em quatro dimensões: self somático, self pessoal representado pelos fatores estabilidade e autocontrole, self social avaliado em receptividade e atitude social e self ético-moral. Os índices de confiabilidade são satisfatórios variando de 0,84 a 0,95. As respostas são dadas em escala de 5 pontos variando de -2 a +2 que mostra o grau de concordância do sujeito em relação aos adjetivos apresentados. O instrumento é auto-explicativo, não necessitando instruções individualizadas para aplicação.

Inventário de Sintomas de Stress - ISS (LIPP, 1984): O Inventário de Sintomas de Stress (ISS) elaborado e validado por Lipp (1984), como medida de resposta ao stress, em seus componentes somáticos e cognitivos. A escala contém 14 itens do tipo Likert, variando de nunca (1 ponto) a muito frequentemente (5 pontos), que devem ser assinaladas com um "X" de acordo com a intensidade que o item caracterize a pessoa que responde. A escala avalia os sintomas presentes de stress, incluindo o tipo, a intensidade e a freqüência dos mesmos. É um instrumento especialmente útil porque inclui 7 sintomas mentais mais freqüentes e 7 sintomas físicos, e possibilita avaliar, rapidamente se os efeitos do stress se manifestam mais na mente ou no corpo.

Questionário de dados sócio-econômico: Este questionário foi elaborado para colher informações dos participantes, como a idade, sexo e renda familiar.

Procedimentos de coleta de dados

 Inicialmente se estabeleceu o contato das pesquisadoras com a equipe das escolas, a fim de expor os objetivos do presente estudo e dessa forma obter autorização para divulgar a pesquisa junto aos alunos. A aplicação dos questionários foi realizada em sala de aula com a autorização dos professores. Os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que foi lido e assinado, sendo que uma via permaneceu com eles e a segunda arquivada pelo pesquisador.

Análise dos dados

As respostas aos questionários formaram um banco de dados, a partir do qual foram realizadas as análises estatísticas através do programa Statistical Package for Social Science (SPSS)versão 12.0.

Inicialmente, foi efetuada análise exploratória dos dados com o objetivo de verificar a precisão da entrada de dados, respostas omissas, casos extremos, normalidade das variáveis e a verificação dos pressupostos necessários à aplicação das técnicas multivariadas. Em seguida, a amostra foi descrita por meio de estatísticas descritivas (média, desvio padrão e freqüência).

Para verificar o impacto de valores pessoais e autoconceito em relação ao estresse foi realizada análise de regressão múltipla stepwise (ABBAD; TORRES, 2002), sendo as variáveis-critério as dimensões de estresse do aluno e as variáveis independentes valores pessoais e autoconceito.

 

     

RESULTADOS:

A análise das respostas obtidas na Escala de Valores Pessoais, cuja pontuação varia de 1 a 6, permitiu identificar que os fatores Pacifismo (Média = 4,86; DP = 0,58) e Hedonismo (Média = 4,64; DP = 0,90) obtiveram maiores médias. Os menores índices foram encontrados nos fatores Tradicionalismos (Média = 3,95; DP = 0,81) e Dominação (Média = 3,96; DP = 0,95).

Pasquali e Alves (2004) colocam que o fator pacifismo cobre as dimensões, propostas por Schwartz de universalismo, benevolência e segurança, por sua vez o fator hedonismo cobre as dimensões de hedonismo e estimulação. Dessa forma, pode-se dizer que os vestibulandos possuem motivações que servem a interesses coletivos e individuais, uma vez que buscam paz, segurança social e bem-estar dos outros, e também almejam prazer e senso de gratificação para si mesmo. Não foi encontrada na literatura outras pesquisas que apontem as características dos valores pessoais de vestibulandos.

No que diz respeito às características essenciais do autoconceito dos vestibulandos, obtidas através da EFA, a maior média foi encontrada no Self ético-moral (Média= 3,54; DP= 0,34), no entanto a partir do histograma notou-se que este fator não atendeu a normalidade tendo uma assimetria negativa. Os itens da EFA referentes ao self ético-moral foram preenchidos com respostas desejáveis ou aceitáveis pela sociedade, ou seja, consideraram-se sempre leais, honestos, confiáveis, etc.. Nos estudos de Ribeiro (1988) sobre o autoconceito de adolescentes, a maior média também foi encontrada no self ético-moral. Yoshinaga e Prodócimo (2004) notaram em sua pesquisa uma grande tendência das adolescentes de se avaliarem como indivíduos que possuem valores altamente aceitos pela sociedade.

As outras dimensões do autoconceito que obtiveram os maiores índices foi o self social receptividade (média = 3,22; DP = 0,52) e o self somático (média= 3,21; DP= 0,50), por sua vez, os vestibulandos apresentam uma média inferior no Self pessoal estabilidade (média = 2,94; DP= 0,50). Conclui-se que os pesquisados possuem percepções positivas da qualidade de seus relacionamentos e capacidade de comunicação, e também de suas características físicas, e uma percepção de confiança em si mesmo inferior quando comparada às outras dimensões do autoconceito.

Já as resposta obtidas no ISS permitiram observar que os vestibulandos que participaram da pesquisa apresentam sinais mais elevados de estresse cognitivo, cuja média foi de 2,63 (DP= 0,91). A média do estresse somático foi de 2,11 (DP= 0,63). Conclui-se que os vestibulandos sofrem mais com sintomas de ordem emocional, tais como ansiedade, angústia, preocupação excessiva, falta de concentração e tédio.

Para verificar o impacto dos valores pessoais e do autoconceito em relação ao estresse foi realizada a análise de regressão múltipla stepwise. Observou-se que as variáveis self pessoal estabilidade, hedonismo e o self ético-moral foram as preditoras principais do estresse cognitivo com índice de explicação de 32%. O Self pessoal estabilidade apresentou maior impacto, contribuindo com 25% (R2 = 0,25; b= -0,57; p < 0,001), seguido pelo fator hedonismo (R2 = 0,06; b= 0,25; p < 0,001) e, com menor índice, o self ético moral (R2 = 0,02; b= 0,15; p < 0,001). A relação entre estresse cognitivo e self pessoal estabilidade é inversa, ou seja, o vestibulando confiante e seguro de si mesmo é pouco propenso a desenvolver sintomas de estresse cognitivo. Por sua vez, o fator hedonismo e o self ético moral mantêm relação direta com estresse cognitivo, o que significa dizer que sintomas como ansiedade e preocupação tendem a afetar aquelas estudantes que têm como prioridades a busca pelo prazer e diversão, bem como aqueles que auto-avaliam positivamente nos aspectos éticos e morais.

Os resultados da regressão múltipla também mostraram que três dimensões do autoconceito explicam a maior proporção de variância do estresse somático, contribuindo com 18%. O self pessoal estabilidade (R2 = 0,11; b= -0,40; p < 0,001) novamente teve o maior impacto sobre a variável critério, com índice de 11% e um valor negativo de b, o que indica a relação inversa das variáveis, ou seja, quanto melhor a percepção que o indivíduo tem sobre a suas capacidade e habilidades, menor a chance de desenvolver estresse somático. Diferentemente, o preditor self social receptividade (R2 = 0,05; b= 0,26; p < 0,001) apresentou uma relação direta com o estresse somático, o que significa que vestibulandos que se percebem mais abertos aos outros e receptivos, são mais propensos a ter reações físicas diante uma situação estressora. A outra dimensão social do autoconceito, denominada atitude social, apresentou R2 igual a 0,03 e b= 0,20, indicando que os vestibulandos que se avaliam como capazes de relacionar-se são menos propensos a desenvolver sintomas somáticos de estresse.

CONCLUSÃO:

Uma questão que cerca o tema das expectativas futuras, do estresse e do exame vestibular diz respeito à maneira com que o sistema de valores pessoais do vestibulando está organizado e seu autoconceito.

Estudar os valores pessoais e autoconceito do vestibulando contribuiu na ampliação do conhecimento sobre essas variáveis em adolescentes e jovens adultos que se encontram em fase de transformação e em busca de seu lugar no mundo. Porém, salienta-se a falta de estudos empíricos que tenham agregado essas variáveis em uma investigação científica que explore o estresse. Assim, novos estudos são necessários para verificar a consistência desses achados.

Os resultados obtidos podem beneficiar o conjunto de estudantes visto que o conhecimento gerado pela pesquisa auxilia na compreensão do estresse. Nota-se que não há preocupação ou objetivo de reverter os dados desta pesquisa em uma tecnologia específica ou instrumental com aplicação imediata em qualquer tipo de instituição de ensino. O conhecimento consistente gerado por um conjunto amplo de pesquisas ao longo do tempo é que poderá, no futuro, ser utilizado por outros pesquisadores e instituições.

Ressalta-se a importância de promover intervenções junto a jovens com recursos que promovam o auto-conceito e analisem os valores pessoais, de modo a potencializar os resultados quanto ao desempenho no vestibular.

Elbaum & Vaughn (2001 apud STEVANATO et al., 2003) em seus estudos sobre intervenções para melhorar o autoconceito de crianças com problemas de aprendizagem, observaram que as intervenções psicopedagógicas foram mais efetivas com estudantes elementares e as intervenções de aconselhamento tiveram efeito mais significativos sobre o autoconceito de estudantes mais velhos.

Pode-se, finalmente, sugerir que novos estudos investiguem as diferenças de sexo encontradas entre as variáveis apontadas, bem como as diferenças entre estudantes de escolas públicas e particulares.

 

Instituição de Fomento: Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq/ PIBIC).
Palavras-chave: Valores pessoais, Autoconceito, Estresse.