62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 1. Lingüística Aplicada
A ÉTICA NO USO DA LINGUAGEM: REFLEXÕES SOBRE O PAPEL QUE A MÍDIA REIVINDICA PARA SI
Raimundo Ruberval Ferreira 2
Esdras Pereira Antão 1
1. UECE - Centro de Humanidades
2. Prof. Dr./ Orientador - Curso de Mestrado Acadêmico em Lingüística Aplicada
INTRODUÇÃO:

Foucault (1996) afirma que "o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta" (p. 10). Baseado nessa percepção de linguagem como lugar e objeto de luta, o projeto de pesquisa "A construção midiática do escândalo político no governo Lula e suas implicações ético-políticas na construção de identidades e representações", coordenado pelo Prof. Dr. Ruberval Ferreira busca analisar textos de alguns dispositivos midiáticos representantes do que podemos chamar de grande mídia e mídia alternativa relacionados aos escândalos do "mensalão" e do "dossiê" durante o primeiro mandato do presidente Lula, a fim de perceber como se dá a construção de significados para esse evento e quais suas implicações em termos ético-políticos.

Integrando esse projeto, o presente trabalho pretende discutir alguns aspectos da relação entre a política nacional e o chamado "quarto poder", a partir, especificamente da análise de textos ligados ao escândalo do mensalão, veiculados pela revista "Veja".  O objetivo principal é perceber, dentro de um conjunto amplo de agentes e instituições representados, cujas ações são significadas e ajudam a significar o escândalo, como o dispositivo midiático em questão significa sua ação na construção do evento.

METODOLOGIA:

O principal referencial teórico e metodológico desta pesquisa é a Análise de Discurso Crítica, na vertente desenvolvida por Norman Fairclough (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999; FAIRCLOUGH, 2001, 2003), que possibilita trabalhar a relação entre a linguagem e o social, ajudando a perceber os modos de agir, ser e representar dos sujeitos através da análise dos textos que eles produzem. Além disso, também fundamentam esta pesquisa estudos sobre escândalo político e mídia, que indicam a existência de um discurso que significa a imparcialidade como critério definidor do bom jornalismo. É o diálogo entre tais teorias que orienta o exame do modo como a mídia significa a si própria e suas ações dentro do evento político que ela ajuda a construir.

O corpus da pesquisa é composto pelos textos relacionados ao evento "mensalão" publicados pela revista Veja entre as edições de 18 de maio de 2005, quando da denúncia de corrupção nos Correios, e 21 de setembro de 2005, a última, em seqüência, relacionada ao escândalo. Dada a extensão e complexidade do corpus, o levantamento de dados equivale à seleção dos textos com maior potencial de análise no que concerne à construção de significados para a ação da própria instituição midiática na constituição do escândalo político em questão.
RESULTADOS:

A análise dos textos permitiu distinguir duas estratégias principais que a revista Veja utilizou para significar sua ação na constituição do escândalo: textos em que a mídia se coloca como defensora que dá "voz ao povo"; e textos em que a mídia se coloca como facilitadora - contraditoriamente, diga-se de passagem, já que didatizar os fatos pressupõe a interferência de quem os explica, apesar da revista fazê-lo afirmando sua imparcialidade. Vejamos alguns títulos e manchetes que ajudam a entender essa distinção.

Quanto à primeira estratégia, destacamos a manchete de capa "Corruptos: estamos perdendo a guerra contra eles" (edição 1906); ou títulos como "Diga-me com quem anda..." (edição 1906) e "Molecagem no plenário" (edição 1918 ).

Quanto à segunda estratégia destacamos "O dicionário da crise" (edição 1911); "Chave para entender a crise" (edição 1912); "Um guia para decifrar a crise" (edição 1907); e "100 fatos" (edição 1917) que promete, ao "recapitular o desenrolar dos acontecimentos", "lançar a luz límpida da realidade sobre os fins da roubalheira sistêmica".

CONCLUSÃO:
Ambas as estratégias que a análise dos dados nos mostrou, ao mesmo tempo em que se fundam ou são legitimadas por um discurso que elege a imparcialidade como critério do bom jornalismo, e ao mesmo tempo em que colaboram para a manutenção desse discurso, permitem à mídia se posicionar de fora da constituição do evento, como agente que não interfere ao narrar o acontecido, e que também não participa de sua construção, sendo apenas elo entre o povo e os acontecimentos. Isso amplia perigosamente o poder da mídia de influenciar as decisões políticas nacionais, não apenas como instituição capaz de manipular o povo, e sim como agente que, agindo dentro de uma luta importante na definição de limites na construção do social, pode se eximir de responsabilidade pelos seus atos ao afirmar que não participa dessa luta ou que, se participa, é apenas representando o interesse do povo.
Instituição de Fomento: FUNCAP
Palavras-chave: Discurso , Mídia , Identidade.