62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 7. Educação - 13. Ensino Profissionalizante
EDUCAÇÃO E TRABALHO: ENSINO MÉDIO MARCADA PELA FORMAÇÃO GERAL ABSTRATA E UM SISTEMA PARALELO DE FORMAÇÃO ESPECÍFICA PARA O MERCADO DE TRABALHO.
Ivo da Silva 1
Edson Caetano 1, 2
1. GPMSE/PPGE/IE/UFMT
2. Prof. Dr./ Orientador
INTRODUÇÃO:

Antes de o capitalismo ser estabelecido como modo de produção a pedagogia educacional mantinha as classes populares afastadas da ciência. Atualmente, com a completa hegemonia capitalista, a educação é utilizada para a obtenção de pseudos investimentos, os quais podem ser considerados puramente como empréstimos que mantém a subordinação.

O objetivo da pesquisa proposta insere-se no enfoque da temática da educação e trabalho, fazendo um recorte no significado da reforma do ensino técnico profissional, proposta pelo governo federal nos anos 90, tendo como referência a reestruturação capitalista do trabalho no mundo contemporâneo.

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia - IFECT (antiga Escolas Técnicas Federais), que em setembro de 2009, completou 100 anos. É singular o papel dessas instituições de ensino como política pública na construção de uma nação soberana e democrática, o que por sua vez, pressupõe o combate às desigualdades estruturais de toda ordem.

Para compreender o significado desse novo cenário, é importante lembrar que as instituições federais, em períodos distintos de sua existência, atenderam a diferentes orientações de governos, que possuíam em comum, uma concepção de formação centrada nas demandas do mercado, com hegemonia daquelas ditadas pelo desenvolvimento industrial, assumindo, assim, um caráter pragmático e circunstancial para a educação profissional.

O Estado, ao buscar a separação entre ciência e técnica no currículo da educação profissional com o Decreto Federal nº 2.208/97, com a justificativa de atender a nova reestruturação do mercado, optou pelo antigo modelo de educação que lembra a pedagogia advinda do taylorismo voltada para o treinamento de mão-de-obra para uma função específica.

No contexto socioeconômico e político dos anos 90, educação profissional, por si, não era mais interessante para o capital, mas calcada e articulada a conhecimentos científicos. As exigências de um trabalhador com capacidade de trabalhar em equipe, tomar decisões, interpretar, analisar, comunicação oral e escrita, remeter aos conteúdos oriundos da educação cientifica, sócio-histórica e humanística. Porém, esta realidade se apresentava apenas para uma determinada casta da classe trabalhadora.

Assim, parece que na medida em que os conceitos que orientavam a nova ordem econômica tinham foco nas relações de flexibilidade, competitividade e qualidade total, no plano da educação ia surgindo uma proposta de ensino médio marcada pela formação geral abstrata e um sistema paralelo de formação específica para o mercado de trabalho, calcada na idéia de pedagogia das competências de modo a formar trabalhadores para a empregabilidade.

Para Antônio Carlos Máximo o Decreto optou pela separação de ciência e técnica, tomando como pressuposto o "atendimento" às demandas do mercado sob o signo de supostos novos conceitos: qualificar, requalificar, profissionalizar, reprofissionalizar, especializar ou habilitar. Por outro lado, velava a questão da redução do papel do Estado no financiamento da educação profissional, posto que resultou na ampliação de matrículas no ensino de educação geral, e na opção por cursos profissionalizantes aligeirados.

A reforma se tratava do antigo modelo de educação capitalista que procurava consolidar na cabeça dos alunos "os divórcios característicos da própria divisão de trabalho entre escola e sociedade, entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre saber erudito e saber popular, entre ciência e técnica [...]" (MARCOS ARRUDA, 2002, p.66), que lembra a pedagogia taylorista/fordista.

Para o autor, o desafio se constitui na superação do caráter prático-formal ou funcionalista dos métodos capitalistas de ensino, responsáveis pela multiplicação das escolas de ensino, profissionalizantes como parte de um processo que homogeneíza, massificam e especializam unilateralmente para o trabalho. Essa realidade significa legitimar a natureza da educação para a classe trabalhadora como subalterna às mudanças do mundo produtivo que apresentava restritas oportunidades aos trabalhadores.

METODOLOGIA:

A metodologia abarca uma pesquisa qualitativa, utilizando um estudo de caso no IF-MT, tendo como instrumento da pesquisa: Levantamento bibliográfico para enxergar o objeto da pesquisa, documental e entrevistas. A pesquisa qualitativa é exploratória, ou seja, estimulam os sujeitos pesquisados a pensarem livremente sobre algum tema, objeto ou conceito. Elas fazem emergir aspectos subjetivos e atingem motivações não explícitas, ou mesmo conscientes, de maneira espontânea.

Com as entrevistas preliminares dos seguimentos dos professores, técnicos, alunos, coordenadores e diretores do IF-MT, e depois de decorridos nove anos da reforma em si, as falas dos entrevistados, no que diz respeito ao ensino é demarcada pelo antes e depois da reforma.

A pesquisa será qualitativa aplicada, conforme se configura segundo (Lakatos, 1986; Gil, 1991 e Trivinos, 1992). Primeiramente busca se reunir documentos (informações) sobre leis, processos, condições escolares, etc,,. Tentando não responder o problema, mas proporcionar uma melhor visão do mesmo.

Em segundo lugar, procurar descrever a situação mediante um estudo realizado em um determinado espaço-tempo, delineando o que é, e abordando basicamente a descrição, o registro, a análise e interpretação dos fenômenos ou situações atuais, objetivando o seu funcionamento no presente e no futuro.

RESULTADOS:

O universo do trabalho no Brasil contemporâneo é bastante complexo e heterogêneo. Nas últimas décadas, ao lado do modelo taylorista/fordista, instala-se uma nova demanda de estudos decorrentes na base técnicas, com ênfase na microeletrônica, o que gera novas demandas para a formação dos trabalhadores.

Basta verificar a trajetória da educação profissional no Brasil que sempre tencionou a caminhada para a dualidade, para compreender que esta modalidade de ensino sempre esteve atrelada aos interesses econômico-sociais e que "a simples adoção de novos conceitos não tem mudado a essência dessa política" (CARVALHO, 2003. p.79). Porém, apenas atualiza uma mesma concepção: a de uma educação cientifica destinada aos dirigentes; educação cientifica e técnica para determinada casta da classe trabalhadora e outra qualificação aligeirada aos demais que não terão acesso às mudanças do aparelho produtivo.

O processo de qualificação dos trabalhadores não pode restringir ao mero adestramento para a ocupação de determinado posto, como supunha a concepção de educação profissional dos anos 90, mas deveria buscar uma qualificação que daria conta da sua formação integral, passando principalmente pela educação básica (CARVALHO, 2003, p. 83-86).

Os desafios para enfrentar a problemática da dicotomia requerem o reconhecimento de que a dupla função de preparar para o mundo do trabalho e para a continuidade de estudos constitui-se em uma questão complexa que extrapola os aspectos pedagógicos, mas remete-se à política, determinada pelas mudanças nas bases materiais de produção ( KUENZER, 1997, p.10).

O dilema da negação da articulação entre ciência e técnica, a internalização da prática do modo de produção da sociedade capitalista, que conduz a substituição do homem pela máquina velava a compreensão de que o trabalho na sociedade capitalista dá-se em meio a uma relação de poder e de individualidade, e, na verdade, subestimava que trabalho também é relação social fundamental que define o modo de existir do homem.

Parece que as preocupações dos intelectuais da reforma velavam essa concepção, por entenderem que a perspectiva da reforma da educação profissional abriria a possibilidade de quebrar umas das maiores distorções do ensino brasileiro. Para Castro (2003, p.141-142), as escolas técnicas ofereciam um ensino caro e gratuito para a elite. Com a separação, ficariam os alunos ricos apenas com o acadêmico, liberando oficinas e laboratórios para os que por elas se interessassem.

Só isso já evidenciava a falta de compromisso do MEC em relação às escolas técnicas federais, provavelmente uma das melhores experiências, em cuja proposta assentava-se na busca da concepção que articulava formação geral de base científica com o trabalho produtivo, de onde unificado e suscetível de ser generalizado para todo o País (SAVIANI, 2003, p. 216).

Dessa forma, a fragmentação do currículo em módulo de cargas horárias reduzidas, aligeiradas e desarticuladas da educação geral, acabou cristalizando a desqualificação da educação profissional e os trabalhadores. Se as mudanças na economia exigiam novos trabalhadores com domínio de cultura geral associada a tecnologia, essa realidade apresentava-se seletiva, posto que a modernização não era homogênea no Brasil. Assim, o próprio Estado reforçava políticas educacionais massivas para a formação de profissionais precariamente qualificados para um mercado altamente competitivo.

A reforma educacional colocara, a partir do alto, desafios aos estados brasileiros: a possibilidade de seguir o caminho indicado pela LDB/96, que abria espaço para a articulação de ciência e tecnologia no âmbito do ensino médio e o oposto, com o Decreto nº 2.208/97. Julga-se que o caminho que poderia se abrir teria de enfrentar as realidades dadas pelas relações na economia e na política de cada estado, caso contrário, tais condicionantes se incumbiriam de fazer a escolha pelos e para os trabalhadores.

As mudanças no mundo do trabalho remetem a incerteza, flexibilidade, empregabilidade, individualidade que, talvez, sejam possíveis enfrentar por um trabalhador fortemente armado de "ferramentas"que envolvem "conhecimentos científicos e tecnológicos, de modo articulado, para resolver problemas da prática social e produtiva" (KUENZER,1998ª, p. 7).

As novas determinações advindas do processo de modernização no mundo do trabalho, caso fossem democratizadas, visto que as pesquisas reforçam a tese da população das competências: sólida formação científico-tecnológica para a minoria incluída no mundo do trabalho; e o oposto para os demais (KUENZER, 1998ª, p. 6).

É imperioso aqui destacar ainda que anterior a reforma da educação profissional, na década de 80, a educação brasileira vivia uma intensa efervescência, pois, não bastasse estar o País passando por um processo de redemocratização, pós-golpe militar, ela se encontrava sob a égide de uma lei há quase um quarto de século - a Lei nº. 5.692/71. Implantada no governo de Emílio G. Médice, ela era pautada por amarrações que não permitiam a mínima flexibilidade na organização do ensino do 1º e 2º graus, trazendo, com isso, conseqüências desastrosas para o Ensino Médio. No início dessa década, com sinais claros de enfraquecimento do regime militar, o reconhecimento do fracasso da reforma educacional e a implantação da Lei nº. 70.044/82 dispensavam as escolas da obrigatoriedade da profissionalização, retomando a ênfase na formação geral.

O mundo, neste período, estava sendo acometido por mudanças profundas no campo da revolução científica e tecnológica. Conseqüentemente, transformava o cotidiano das pessoas e seus ambientes. A evolução rápida da comunicação e a aplicação da informática geraram grande impacto sobre a produção e circulação de bens. Houve re-conceituação do espaço e do tempo, bem como de aprendizagem. A época era propícia para mudanças educacionais.

Diante dessa nova realidade mundial, organismos financeiros internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), reordenaram os fluxos de investimento em países como o Brasil, com os recursos aplicados preferencialmente em políticas sociais. A saúde e a educação, identificadas como potencializadoras do capital humano, necessárias ao desenvolvimento econômico, foram alvos destes investimentos.

A escola, neste contexto estrutural, é primeiramente solicitada a atender a uma crescente demanda para fins econômicos, como revelam os relatórios internacionais. Essa demanda tem sido resolvida na América Latina com posturas não manifestas nos discursos oficiais de controle do fluxo de saída de alunos para o curso superior e para o mercado de trabalho. Nesse período, o sistema educacional de ensino atende aos preceitos das elites oligárquicas que necessitam conter o acesso ao curso superior, servindo como filtro para o mercado de trabalho.

Perante estas novas bases econômicas e sociais, e mesmo diante da resistência da elite educacional pensante em relação à legislação que viria ajustar as políticas governamentais às exigências internacionais, nasce a Lei de Diretrizes e Bases nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a Lei Darcy Ribeiro. Objetivamente, veio trazer um espaço de flexibilidade para que os sistemas de ensino pudessem operar de forma criativa e, com isso, trazer novas implicações para o Ensino Médio.

Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9394/96 que, pela primeira vez, dedica capítulo específico para a educação profissional[1], como visto alhures o Decreto 2.208/97, institui-se ampla reforma do Ensino Profissional que suscitou muitas discussão e crítica, tendo em vista o novo objetivo esse nível de ensino: formação para o mundo do trabalho, e não mais para o mercado de trabalho[2].

Com todas essas reformas, o grande desafio que ainda permanece para a educação é como formar, pelo currículo escolar, a humanidade dos educandos, pobres, médios e ricos (crianças, jovens e adultos) em sua plenitude.

Entre as adequações nos aspectos conceituais e estruturais do novo ensino profissional com o Decreto nº. 2.208/97, que regulamentou o § 2º do art. 36 e os arts. 30 a 42 da nova LDB, é importante ressaltar as principais medidas dessa regulamentação: A proposição da retirada do cunho propedêutico do Ensino Técnico (art. 5º); A flexibilização dos currículos com a modularização, do nível médio e técnico (art. 8º);Certificação por competências (art. 11, § único) e Redução em 50% das vagas oferecidas para o Ensino Médio (Portaria 646/97)[3].



[1] LDB nº. 9394/96, cap. III, art. 39, 40, 41 e 42.

[2] Mercado de Trabalho: a educação visava somente à qualificação para o trabalho (profissionalização compulsória - Lei nº. 5.692/71). Mundo do Trabalho: nova concepção em que este mundo vai se transformando no mundo do conhecimento, e o saber é vertido em operações produtivas.

[3] Portaria 646, de 14 de maio de 1997, do MEC, art. 3º: As instituições de educação tecnológica ficam autorizadas a manter o Ensino Médio, com matrícula independente da educação profissional, oferecendo o máximo de 50% do total da vagas oferecidas para os cursos regulares em 1997, observando o disposto na Lei 9394/96.

CONCLUSÃO:

Através dos primeiros levantamentos bibliográficos e documentais a pesquisa aponta para resultados preliminares que a reforma criou perplexidade nos diversos segmentos das escolas profissionais do Brasil, em função de nova ordem da educação profissional, a relação educação-trabalho-mercado, em verdade, é uma questão antiga e problemática. A relação entre escola que forma e o posto de trabalho que absorve o educando formado sempre esteve permeada por infinitas mediações e contradições.

Por outro lado também foi possível perceber e compreender o significado desse novo cenário, sob um novo olhar, qual seja, de que a reforma da educação profissional não ocorreu de forma aleatória do que estava acontecendo no Brasil em relação à reestruturação produtiva.

É hegemônico as falas dos professores de que as instituições federais, em períodos distintos de sua existência, atenderam a diferentes orientações de governos, que possuíam em comum, uma concepção de formação centrada nas demandas do mercado, com hegemonia daquelas ditadas pelo desenvolvimento industrial, assumindo, assim, um caráter pragmático e circunstancial para a educação profissional.

A nosso ver o estudo da trajetória da educação profissional, no período de 1995-2002, demonstrará a existência de um campo de disputas teórico-ideológicas, em torno da temática, contudo, observou-se que ganhará espaço a concepção centrada na perspectiva da nacionalidade econômica das políticas públicas, uma vez que, apesar dos esforços políticos e técnicos para as formulações e aprovação dos projetos, estes revelam ineficazes até dezembro de 2002.

A relevância social do projeto alicerça na construção deste conhecimento, uma vez que, mais do que qualificação para o mundo do trabalho, a educação é um instrumento de libertação que o acesso à cultura propicia.

No campo da pesquisa a produção do conhecimento é a mola propulsora para o desenvolvimento de um país e de uma sociedade.

Sempre que o assunto educação, a consideração preliminar e obrigatória é a de avaliar o efetivo compromisso com a relevância social de seu investimento. A legitimação de todos os processos e procedimentos relacionados com a prática educacional só pode ancorar na convergência com os valores e objetivos responsáveis pela emancipação dos sujeitos envolvidos com a educação são intrinsecamente compromissos políticos.

Mas, quando fala em educação é referir-se igualmente ao conhecimento, ferramenta imprescindível da prática educacional. E quando se fala em educação está se referindo essencialmente à produção desse conhecimento. Daí a necessidade de se fundamentar toda a atividade educacional que se pretenda desenvolver, numa sólida plataforma epistemológica, pois é mediante a ferramenta do conhecimento que a prática garante para si consistência e fecundidade.

Palavras-chave: Educação profissional, reforma, reestruturação produtiva..