62ª Reunião Anual da SBPC
E. Ciências Agrárias - 5. Medicina Veterinária - 4. Patologia Animal
ESTUDO HISTOPATOLÓGICO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL DE ANIMAIS COM LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA NO DISTRITO FEDERAL.
Maria Luíza de Melo Dias 1
Márcio Botelho de Castro 1
Rafaela Magalhães Barros 1
1. Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade de Brasília/UnB
INTRODUÇÃO:
O agente etiológico da Leishmaniose é o protozoário Leishmania chagasi, que é um parasita intracelular obrigatório das células do sistema fagocítico mononuclear. A doença é transmitida através da picada do mosquito Lutzomyia longipalpis, único vetor, comprovadamente, incriminado na transmissão da Leishmaniose Visceral. O flebotomíneo possui o parasita no tubo digestivo na sua forma flagelada ou promastigota, diferentemente do cão ou homem que possui o parasita na forma aflagelada ou amastigota. No ambiente doméstico, o cão (Canis familiaris) é considerado o principal reservatório epidemiológico da leishmaniose visceral, o que gera dificuldades no controle da doença (Feitosa et al. 2000). O quadro clínico se apresenta como febre irregular de longo curso, palidez de mucosa, emagrecimento progressivo e caquexia na fase final. Os sinais evidentes relacionam com a imunossupressão alterando pele e pêlos, alongamento das unhas devido à inatividade, opacidade da córnea após conjuntivite purulenta, além de hepatomegalia, esplenomegalia, linfoadenopatia, hipergammaglobulinemia, diarréia, hemorragia intestinal e raramente, sinais neurológicos. Apesar da presença de amastigotas em tecidos nervosos não terem sido descrito, foi relatado presença de parasitas no plexo coróide de cães, uma vez que os capilares do plexo coróide são fenestrados, conferindo livre passagem de moléculas e células e portanto sendo considerado como um mediador relevante dos sinais imunes entre o cérebro e a periferia. Além disso, foi descrito associação da doença com sinais neurológicos em animais cronicamente infectados (Feitosa et al. 2000). Também foi relatado presença de anticorpos específicos no fluido cérebro espinhal em cães infectados, apesar de não ter tido correlação entre títulos de anticorpos no líquor e sinais neurológicos (Lima et al. 2004). Desta forma, o objetivo principal deste estudo foi caracterizar as alterações provocadas pela Leishmania no SNC em animais com ou sem sinais clínicos da doença.
METODOLOGIA:
2.1. Cães   Foram selecionados do Hospital Veterinário da Universidade de Brasília (UnB) e do Centro de Controle de Zoonoses, Brasília, Distrito Federal, 34 animais adultos, de diferentes raças e idades. Tais animais possuíam positividade no exame sorológico,PCR e na pesquisa parasitológica em esfregaço de linfonodo e medula óssea e imprint de baço, para tanto, foram eutanasiados e enviados ao Laboratório de Patologia Veterinária - UnB, para realização de necropsia. Foram coletadas amostras dos diversos órgãos, incluindo o encéfalo, como procedimento de rotina. Animais que apresentavam sinais compatíveis com a doença (emaciação, linfadenopatia, esplenomegalia, onicogrifose e lesões de pele) foram classificados como sintomáticos, sendo um total de 19 animais, enquanto os outros 15 animais não apresentavam sintomas, mas eram positivos em todos os testes, foram classificados como assintomáticos. Nenhum destes animais apresentavam sinais neurológicos.   2.2. Análise histopatológica   O encéfalo foi fixado em formol a 10%, clivado, embebido em parafina, seccionado e as áreas coradas pela hematoxilina-eosina (HE). Os córtex frontal, parietal, temporal e occipital, núcleos da base, hipocampo, tálamo, colículo rostral, ponte, óbex, medula espinhal e cerebelo dos 34 animais foram avaliados com auxílio do microscópio óptico, de forma a classificar os infiltrados inflamatórios encontrados no encéfalo dos cães em ausente=0, discreto=1, moderado=2 e acentuado=3, de acordo com o grau de intensidade deste infiltrado, multifocal (M), se localizavam em diversas regiões do mesmo corte, e focal (F), caso fosse encontrado em apenas um local. Estes foram distinguidos quanto à localização em leptomeninges e parênquima cerebral.   2.3. Imunohistoquímica   A imunohistoquímica executada utilizou o padrão peroxidase estreptavidina-biotina com anticorpos monoclonais contra a forma amastigota da Leishmania spp, utilizando o kit da DAKO-USA. Os cortes foram desparafinizados e hidratados. A inibição da peroxidase endógena realizou-se através da incubação das lâminas em peróxido de hidrogênio a 3%, diluído em metanol, durante 20 minutos. Os antígenos foram recuperados em tampão citrato, pH 6,0, a 97-99º C, por 40 minutos. O bloqueio das proteínas inespecíficas foi feito com soro de cabra diluído 1:10 com solução de PBS. A incubação com anticorpos primários se deu por 18-20 horas a 4º C. Em seguida, as lâminas foram lavadas em PBS, incubadas com anticorpo secundário biotinilado (DAKO, USA) por 30 minutos em temperatura ambiente, lavadas com PBS e incubadas com complexo avidina-peroxidase (DAKO, USA), durante 30 minutos. A reação foi revelada com o cromógeno - DAB (DAKO, USA). As lâminas foram contra-coradas com Hematoxilina de Harris 1:10, em seguida, desidratadas e montadas com bálsamo neutro. Tecidos de pele de animal positivo na pesquisa parasitológica foram utilizados como controle positivo. Os cortes foram examinados em microscópio óptico para pesquisa do complexo antígeno-anticorpo, principalmente em locais com presença de infiltrado inflamatório de células mononucleares.
RESULTADOS:
3.1. Alterações histopatológicas   A principal alteração histopatológica observada no SNC dos animais do experimento foi a presença de infiltrados inflamatórios nas meninges e perivascular no parênquima cerebral em 55,89% dos cães com LVC, variando de leve a moderado em intensidade. Eram constituídos por linfócitos, macrófagos, plasmócitos e raros neutrófilos, sem presença de parasitas detectáveis intra ou extracelulares. Os tipos de infiltrado inflamatório predominantes nos cortes de SNC foram linfohistiocítico (41,18%), linfoplasmocítico (38,24%) e histioplasmocítico (20,58%). Não foram observadas quaisquer alterações degenerativas ou necróticas em todas as regiões analisadas. As principais regiões do SNC com alterações inflamatórias foram córtex occipital (57,89%), cerebelo (52,63%), núcleos da base (31,57%), córtex frontal, córtex parietal, córtex temporal e colículo rostral (26,31% - para cada uma das regiões). As figuras 1 e 2 demonstram os infiltrados inflamatórios. 3.2. Imuno-histoquímica   Na imunohistoquímica não foram encontrados parasitas nas diversas secções do SNC dos animais que apresentaram alterações inflamatórias.
CONCLUSÃO:
Poucos estudos descrevem a histopatologia do SNC em cães infectados pela L. chagasi, sendo mais descritas em órgãos ricos em células do sitema fagocítico mononuclear, como baço, medula óssea, pele, fígado (Lima et al. 2004). Já foi descrito coroidite e meningite com infiltrato linfocítico, assim como presença de parasitas (L. infantum) dentro e fora de macrófagos, em cães. Em contraste, nenhum parasita foi detectado na histopatologia em HE, assim como na IHQ, durante este estudo. Também não foram encontrados parasitas em outros estudos (Melo et al. 2009). Foram descritas reações patológicas no sistema nervoso de cães com leishmaniose sem sintomas neurológicos, como leptomeningite, sateliose, neuroniofagia e neurônios escuros. Em pacientes com sinais neurológicos as alterações histopatológicas foram mais freqüentes e intensas (Ikeda et al. 2007). Estudos demonstraram que cães infectados possuem maior quantidade de células T CD3+ comparado com não-infectados, enquanto linfócitos B CD79+ e macrófagos estão em menor número. Sendo estas mais numerosas em plexo coróide e leptomeninges, comparadas com área subependimária (Melo et al. 2009). Existem várias maneiras dos leucócitos migrarem para o SNC, sendo através do sangue para o fluido cérebroespinhal, através do plexo coróide, do sangue para o espaço subaracnóide e do sangue para o espaço perivascular do parênquima. Estudos analisando amostras de fluido cerebroespinhal detectaram altos níveis de anticorpos anti-leishmania, sugerindo a quebra do equilíbrio da barreira de filtração e a tranferência de anticorpos e antígenos do sangue para o compartimento do fluido cerebroespinhal, podendo promover uma resposta imune local na presença da infecção (Lima et al. 2004; Melo et al. 2009). Outros estudos utilizaram amostras de líquor obtidos por punção da cisterna magna, com conseqüente realização de PCR, onde foi observado amplificação de fragmento de DNA em 120 pares de bases, sugerindo passagem de parasitos ou fragmentos pela barreira hematoencefálica (Gonçalves et al. 2004). A técnica de IHQ para detecção de amastigotas em tecidos caninos foi relatada ser eficiente para o diagnóstico da leishmaniose, utilizando amostras de baço, fígado, linfonodos, medula óssea, rins e pele, com alta sensibilidade e especificidade. O método de imunohistoquímica não evidenciou presença de formas amastigotas no SNC de animais infectados naturalmente por L. chagasi, corroborado por Ikeda et al. 2007.
Palavras-chave: Leishmaniose Visceral, Histopatologia, Sistema Nervoso Central.