62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 3. Filosofia - 1. Ética
ATARAXIA E O CUIDADO DE SI
Thiago Rodrigo de Oliveira Costa 1
1. Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (FIL/UnB)
INTRODUÇÃO:
O Cuidado de Si tem uma grande importância filosófica e ética. Importância que ficou ocultada, no ocidente, por um dos elementos que o constitue, o Conhecimento de Si. A esse respeito defendeu Foucault que o Conhecimento de Si encobertou o Cuidado de Si apartir dos séculos III e IV d.C., no contexto da emergência de um novo modo de subjetivação (em constituição desde os primeiros séculos de nossa era): a subjetivação cristã. Nossa pesquisa se deteve dentro do modo de subjetivação anterior e particularmente no que se desenvolveu nos séculos IV e III a.C e que se pode designar como epicurista. Este modo de subjetivação compreende, no interior do Cuidado de Si, além do Conhecimento de Si uma Estética da Existência fomentadora da ataraxia. Podemos observar que a ataraxia é um dos objetivos principais das escolas estóica, epicurista e cética. Escolas estas que perduraram até o século II d.C., de modo pleno, e que declinaram a partir daí até o IV d.C., onde as escolas de filosofia classificadas como pagãs, pelo cristianismo crescente, foram perseguidas e fechadas. O que torna fundamental a centralidade da ataraxia no epicurismo é o modo de vida que ela sucita, a existência eudaimônica, ou divina. Toda a investigação da natureza, no epicurismo, se orientará com vistas a essa finalidade.
METODOLOGIA:
O trabalho desenvolveu-se por meio de pesquisa bibliográfica sobre as fontes antigas acrescidas dos textos gregos destacando as fontes do epicurismo, lidas à luz da leitura moderna desenvolvida por Michel Foucault, especialmente, a partir de suas obras A Arqueologia do Saber e A Hermenêutica do Sujeito. Foram amplamente utilizadas as obras de historiadores da filosofia antiga que vertem sobre a temática estudada. As fontes foram examinadas em suas relações históricas com as tradições filosóficas anteriores, da qual constituem ao mesmo tempo respostas e novas proposições, e posteriores, em relação a qual constituem o "terreno" mesmo da reflexão filosófica. De forma muito grosseira, o método arqueológico empreendido consiste em contextualizar historicamente um determinado discurso observando as relações que este mantem com os discursos que lhe antecedem e com os que lhe sucedem, de tal modo que se possa observar a passagem de uns aos outros, o que se explicita com os conceitos de "proveniência" e de "emergência". A emergência se dá, por assim dizer, no "confronto" entre dois limiares que se "tocam" no ponto que emerge, e leva ao domínio do atual o que se encontrava na virtualidade efetuada de sua proveniência.
RESULTADOS:
O modo de subjetivação característico dos séculos IV e III a.C. pode ser descrito pelos seguintes processos: (i) valorização do comedimento, da temperança e do cálculo; (ii) valorização de um modo de vida simples; (iii) concentração dos esforços mais em evitar os sofrimentos que na obtenção dos prazeres; (iv) desvalorização da atividade política; (v) redução da relevância da religiosidade pública na formação da espiritualidade. Todos estes elementos tomados em conjunto invertem o modo de vida trágico. No modo de vida trágico temos (i) uma valorização da abundância, da intensidade e da aventura (hybris); (ii) uma valorização da opulência aristocrática; (iii) a perspectiva segundo a qual sem a dimensão do sofrimento não se pode ter sensibilidade para o prazer, e segundo a qual o sofrimento é inevitável; considera-se, ainda, que (iv) ser cidadão é engajar-se na defesa da autonomia, é ser político; (v) e tem-se uma sensibilidade para a presença dos deuses em todos os eventos no interior e no exterior da pólis, no público e no privado. De modo semelhante, mas não necessariamente simétrico, poderíamos descrever a passagem para o modo de vida cristão. Passagem que radicaliza tanto no sentido do aprofundamento quanto no sentido da inversão (que ocorre apenas sobre a característica (v)).
CONCLUSÃO:
Nossa pesquisa nos levou a confirmação de nossa hipótese de partida segundo a qual a ataraxia se tornou o novo objetivo ético no contexto do pensamento grego dos séculos IV e III a.C. Esta foi a forma de viver que neste momento adquiriu para si a beleza e a excelência. Nada em excesso, muito pouco espaço para a desmedida, não mais um lançar-se aventureiramente na existência, como na tradição épica e trágica. A própria noção de excelência (areté) se transformou. O que devemos observar, contudo, é que essa passagem do modo de vida trágico para o modo de vida temperante, e deste para o cristão, não se deu de um dia para o outro. Todas estas transformações se desenvolveram no curso de séculos. E não seríamos rigorosos se afirmássemos que as características do modo de vida anterior desapareciam por completo no posterior. Se a ataraxia gozou ter logrado êxito, este foi devido ao limiar que a sucitou, que lhe preparou as condições para a sua efetuação. Ela se tornou possível justamente porque antes dela havia um modo de vida que se caracterizava pela desmedida (hybris). E se é substituida posteriormente pelo modo de vida cristão é porque, em relação a ele, ela, a ataraxia, preservou nas condições que impunha para o seu exercício todo o elitismo característico do pensamento grego.
Instituição de Fomento: CAPES/CNPq
Palavras-chave: Ataraxia, Epicuro, Foucault.