62ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 4. Direito Constitucional
HISTÓRIA CONSTITUCIONAL E DIREITO INTERNACIONAL: O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A RELAÇÃO ENTRE DIREITO INTERNO E DIREITO INTERNACIONAL
Laís Maranhão Santos Mendonça 1
1. Universidade de Brasília - UnB
INTRODUÇÃO:

O Direito Internacional, apesar de ter se desenvolvido com a institucionalização de organizações e tribunais internacionais, ainda é bastante incipiente no que tange à aplicabilidade das normas. Para ser conferida efetividade e, consequentemente, utilidade as normas internacionais, é imprescindível a atuação dos Estados com vistas a tornar possível essa aplicabilidade. Assim, a atual forma jurídico-política em que são concebidos os Estados, é através de seus órgãos internos que se efetiva a aplicação das normas internacionais, possibilitando que os próprios cidadãos tornem-se sujeitos do Direito Internacional, deixando de restringir a abrangência dessas normas aos Estados como entidades políticas abstratas desvinculadas de seu povo.

Portanto, em uma análise esquemática da atuação do Estado para conferir efetividade aos tratados internacionais, o poder Legislativo elabora leis para cumprir as exigências e os pactos internacionais, o poder Executivo realiza políticas públicas para aplicar as referidas leis, enquanto o poder Judiciário assegura que essas normas sejam aplicadas e evita que haja lesões a direitos protegidos internacionalmente.

A atuação dos tribunais com relação à aplicabilidade das normas internacionais é um indicativo, talvez o mais direto e de mais fácil análise, do comprometimento do país para com as normas internacionais. É a jurisprudência que possibilita verificar se os tratados internacionais possuem validade jurídica em determinado país e qual o status que ocupam em seu ordenamento jurídico. Como a análise qualitativa da jurisprudência de todo o judiciário brasileiro é inviável em um estudo restrito, a escolha de limitar a pesquisa à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - STF justifica-se por sua função no ordenamento brasileiro, que é o julgamento sobre questões constitucionais. Dessa forma, é possível analisar a relação entre as normas de direito internacional e a Constituição Federal, especialmente em no âmbito dos direitos fundamentais e da estrutura do Estado brasileiro, mais especificamente a hierarquia ocupada pelos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. 


 

METODOLOGIA:
 A partir da concepção sobre aplicabilidade do direito internacional utilizada no presente trabalho, é possível observar que a atuação dos tribunais, especialmente os tribunais constitucionais (o Supremo Tribunal Federal, no caso brasileiro), é de extrema importância para a efetividade do direito internacional nas relações entre os Estados e os cidadãos e entre os próprios cidadãos. Admitindo também a concepção de que os sujeitos do direito internacional não são apenas os Estados, mas também os indivíduos, é possível observar a necessidade da internalização das normas internacionais para que sejam atingidos os objetivos almejados nos tratados. Somente a partir da aplicação das normas de direito internacional nas relações internas entre os governos e os povos é possível obter a eficácia dos tratados internacionais, especialmente dos tratados de direitos humanos.

Por isso, considerando a importância da interpretação constitucional e do STF no desempenho dessa atividade, a pesquisa restringiu-se a pesquisar a jurisprudência desse tribunal para buscar compreender a hierarquia de que são dotadas as normas internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. A investigação foi feita a partir dos acórdãos do STF publicados, disponíveis no endereço eletrônico do tribunal. Os acórdãos foram buscados a partir de diversos argumentos de pesquisa, até que se chegasse a um argumento para cada tema, que são tratados de direitos humanos, extradição e tratados envolvendo direito tributário, na tentativa de que o argumento final englobasse o maior número possível de acórdãos sobre cada tema. 

Devido ao reduzido número de acórdãos relacionados a alguns temas e à repetição das ementas indicando o mesmo julgamento de determinadas questões, chegou-se aos acórdãos que permitiram a realização de uma pesquisa qualitativa e não quantitativa dos dados. Considerando os resultados parciais quantitativos acima referidos e a forma com que se pretendia abordar o tema, optou-se pela abordagem qualitativa, de análise dos argumentos apresentados pelos julgadores em relação a cada tema.  

RESULTADOS:
Com relação às diferenças entre os tipos de tratados internacionais, a jurisprudência do STF apresenta de forma diversa a aplicabilidade dos tratados internacionais contratuais e normativos (Distinção conceitual formulada por Clóvis Beviláqua, citada por Jacob Dolinger em seu artigo "As soluções da Suprema Corte Brasileira para os conflitos entre o Direito Interno e o Direito Internacional: Um exercício de ecletismo" publicado na Revista Forense, Vol. 334 - 1996). Os tratados contratuais, entendidos como criadores de direitos subjetivos entre os Estados, são interpretados como normas específicas para as relações entre os signatários, que afastariam a aplicabilidade das normas gerais para os países signatários. Essa é a hipótese dos tratados de direito tributário, que estipulam isenção de impostos para parceiros comerciais do Brasil, que são aplicados como normas específicas, contratuais, ainda que de ratificação anterior à edição da lei que com eles entre em conflito. Isso também ocorre nas decisões sobre extradição, nas quais são aplicados os tratados bilaterais assinados pelo Brasil e outro país correspondente, mesmo que exista norma brasileira (o Estatuto do Estrangeiro). Os tratados normativos, entendidos como normas que estipulam direito objetivo estariam sujeitos à derrogação quando em conflito com legislação mais recente.

A diferenciação entre as matérias abordadas nos tratados também atinge a jurisprudência do STF, especialmente com relação aos tratados de direitos humanos, que possuem status diferente dos outros tratados, em relação ao qual ainda existe controvérsia.  

CONCLUSÃO:

Observa-se que o tratamento dispensado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal à hierarquia dos tratados internacionais quando de sua aplicação no âmbito nacional varia de acordo com o tipo de tratado sob análise, a matéria de que tratam e, logicamente, com o contexto histórico em que ocorreu o julgamento.

Com relação ao tipo de tratado, observa-se a tendência a facilitar a aplicação de tratados bilaterais e contratuais, pois sua não aplicação gera uma violação mais diretamente direcionada a um país, o que pode prejudicar relações comerciais e diplomáticas. As exceções são os tratados sobre direito tributário. Os tratados normativos e multilaterais são menos aplicados nos julgamentos do STF, pois a não aplicação dessas normas não é considerada uma violação direta em relação a determinado país. Essa percepção indica que os Estados que assumem compromissos perante organizações internacionais, que não se referem a relações interestatais, mas compromissos em adotar regras comuns em relação a sua próprio povo não dispensam tanta importância à ofensa de outros Estados a essas normas como dispensariam em um tratado bilateral, por exemplo. Isso é responsável por contribuir com o enfraquecimento da coercitividade e, consequetemente, da aplicabilidade dos tratados internacionais.

A diferença entre as matérias dos tratados internacionais é responsável pelo maior discrímen entre a atual jurisprudência do STF. Essa se divide entre a hierarquia dada aos tratados em geral e a hierarquia dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil. Atualmente, a jurisprudência ainda não está consolidada nesse sentido, mas a maioria dos julgados se inclina para a adoção da hierarquia "supralegal" dos tratados de direitos humanos, ou seja, acima das leis e abaixo da Constituição. Importante ressaltar que essa jurisprudência deve-se ao atual contexto histórico de prevalência da importância dos direitos humanos, possibilitada pela própria Constituição de 1988 e pelas normas internacionais, observando-se que a democratização do Brasil possibilitou um maior número de ratificação de tratados internacionais de direitos humanos e de sua aplicabilidade pelo STF.            
Palavras-chave: Direito Internacional, Direito Constitucional, tratados.