62ª Reunião Anual da SBPC
C. Ciências Biológicas - 9. Imunologia - 5. Imunologia
PURIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA PROTEÍNA PLASMÁTICA QUE SE LIGA A β-1,3-GLICANAS (βGBP) DOS CAMARÕES NATIVOS Farfantepenaeus paulensis E Litopenaeus schmitti
Priscila Gonçalves 1
Javier Vernal 2
Luciane Maria Perazzolo 1
Margherita Anna Barracco 1
1. Depto. Biologia Celular, Embriologia e Genética, UFSC
2. Depto. Bioquímica, UFSC
INTRODUÇÃO:
Os crustáceos são providos de um sistema imune inato que está intimamente relacionado ao seu sangue ou hemolinfa. Esta é constituída por uma fração celular, representada pelos hemócitos, e uma fração líquida ou plasma, onde se encontram dissolvidos fatores humorais. Quando um crustáceo é exposto a agentes estranhos, a primeira reação de defesa desencadeada é o reconhecimento do invasor por proteínas de reconhecimento padrão (PRPs) da hemolinfa, as quais interagem com padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs). Dentre as PRPs de crustáceos, destaca-se a proteína que se liga a β-1,3-glicanas, conhecida por βGBP. A βGBP é uma lipoglicoproteína plasmática envolvida tanto no transporte de lipídeos quanto no sistema imune, reconhecendo especificamente β-1,3-glicanas de fungos. A ligação do complexo βGBP-glicanas na superfície dos hemócitos ativa os hemócitos, que se tornam aderentes e liberam uma série de moléculas imunoefetoras, como as do sistema pró-fenoloxidase (proPO), o qual representa um importante mecanismo de defesa em crustáceos. O objetivo desse estudo foi purificar e caracterizar a βGBP dos camarões nativos Farfantepenaeus paulensis e Litopenaeus schmitti, bem como avaliar a sua participação sobre a ativação do sistema proPO e a sua capacidade aglutinar leveduras.
METODOLOGIA:
A hemolinfa dos camarões foi extraída em solução anticoagulante, centrifugada e as células utilizadas para obter o sobrenadante do lisado de hemócitos (HLS). O plasma, por sua vez, foi precipitado por baixa força iônica, através da diálise contra água destilada. Fração enriquecidas da βGBP de ambas as espécies foram obtidas neste precipitado e aplicadas em uma coluna Resource Q, empregando um sistema de cromatografia de fase líquida de alta/rápida eficiência (HPLC/FPLC). As proteínas aderidas na coluna foram eluídas por um gradiente linear de NaCl 0,10-0,35 M. A presença da βGBP foi verificada através de seu peso molecular em SDS-PAGE 7,5% e por imunodetecção (Western blot), utilizando um anticorpo policlonal dirigido contra a βGBP de Litopenaeus vannamei. A confirmação da purificação da βGBP de F. paulensis e L. schmitti foi realizada por espectrometria de massa (MALDI-TOF). Uma vez purificada e caracterizada, a βGBP de ambas as espécies foi complexada com laminarina (complexo βGBP-glicanas), a fim de avaliar a capacidade do complexo de aumentar a ativação do sistema proPO no HLS. Além disso, foi avaliada a atividade serino-proteásica da βGBP e/ou do complexo relacionada à ativação do sistema proPO e a sua capacidade de aglutinar células da levedura Saccharomyces cerevisiae.
RESULTADOS:
A βGBP de F. paulensis e L. schmitti foi purificada a partir do plasma através de precipitação por baixa força iônica seguida por cromatografia de troca aniônica. A fração purificada de βGBP foi eluída com NaCl 0,22 M e identificada por Western blot como uma proteína monomérica de ~100 kDa, reconhecida pelo anti-βGBP de L. vannamei. A identidade da βGBP foi confirmada por espectrometria de massa, onde os resíduos idênticos da βGBP dos camarões nativos cobriram 10% e 16%, respectivamente, da sequência da βGBP de L. vannamei, demonstrando assim uma homologia entre a βGBP desses três peneídeos. A βGBP complexada à laminarina induziu um aumento (3x) da atividade específica da PO (395,56±8,89 e 422,22±11,56 U/min/mg) em relação à laminarina apenas (148,44±26,67 e 113,33±30,89 U/min/mg) ou βGBP não-complexada (129,78±4,44 e 171,11±3,11 U/min/mg). No entanto, nenhuma atividade serino-proteásica foi encontrada associada a essa ativação, sugerindo não ser este o mecanismo de ativação do sistema proPO. A βGBP mostrou-se ainda capaz de aglutinar in vitro células de levedura, demonstrando a sua especificidade por β-1,3-glicanas e sugerindo tratar-se de uma molécula com pelo menos dois sítios de reconhecimento deste ligante.
CONCLUSÃO:
Foi possível purificar a PRP βGBP em ambos os camarões nativos F. paulensis e L. schmitti. A βGBP é uma proteína monomérica de peso molecular semelhante ao descrito para outras espécies de camarões marinhos. O reconhecimento inequívoco de uma única banda pelo anti-βGBP de L. vannamei e a proporção de resíduos idênticos da βGBP de F. paulensis e L. schmitti em relação à de L. vannamei sugerem que tais moléculas compartilham regiões com sequências e estruturas similares, o que reflete na homologia relativa encontrada para a PRP desses três peneídeos. A participação da proteína no sistema imune foi demonstrada pela sua capacidade de induzir de maneira expressiva a ativação do sistema proPO após complexada com β-1,3-glicanas. Além disso, foi mostrado pela primeira vez que essa molécula é capaz de reconhecer células de fungos, promovendo aglutinação de leveduras. Este trabalho contribui para uma maior compreensão do sistema imune das espécies nativas de camarões com potencial para cultivo no sul do Brasil. Esta PRP poderá, mediante estudos futuros, ser utilizada como um imunomarcador para avaliar as condições de saúde desses animais.
Instituição de Fomento: CNPq e FINEP
Palavras-chave: sistema imune de crustáceos, proteína que se liga a β-1,3-glicanas (βGBP), sistema pró-fenoloxidase (proPO).