62ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 6. Arquitetura e Urbanismo - 1. Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo
A PAISAGEM URBANA DE SÃO PAULO ATRAVÉS DAS LENTES DA FOTÓGRAFA ALICE BRILL
Ricardo Marchesini Galvão 1
Anat Falbel 2
1. Faculdade Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, UNICAMP
2. Profa. Dra./Orientadora - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, UNICAMP
INTRODUÇÃO:
A presente pesquisa apresenta uma análise sobre a obra da fotógrafa, artista e escritora imigrante de origem alemã Alice Brill (1920), destacando especificamente a temática da cidade de São Paulo a partir de imagens retratadas entre o fim da década de 1940 e o decorrer de 1950. Filha do artista alemão Erich Brill e da jornalista Marte Brill, Alice Brill migrou para o Brasil com 13 anos, refugiando-se da Alemanha nazista na cidade de São Paulo. Em grande parte sob influência dos pais passou a interessar-se por artes, mas ficou impossibilitada em seguir seus estudos dada a condição financeira que enfrentara no Brasil. Durante emprego em uma livraria, Brill conheceu o arquiteto e artista Paulo Rossi Osir, o qual a convidou a estudar artes e a colocou em contato com o Grupo Santa Helena, formado por artistas imigrantes que dividiam uma mesma visão sobre a cidade. Após o final da segunda guerra ganhou uma bolsa de estudos nos Estados Unidos, onde se dedicou ao estudo da arte, realizando também um curso de fotografia. De volta ao Brasil, conseguiu emprego como fotógrafa para a revista de arquitetura Habitat e para o Museu de Artes de São Paulo, em colaboração com Pietro Maria Bardi, quando formaliza seus estudos em filosofia e passa então a questionar a função social da arte.
METODOLOGIA:
Utilizando como fundamentação os conceitos de percepção fenomenológica da paisagem urbana, onde o espaço é interpretado em função da estrutura dos objetos da paisagem e da especificidade do observador, a análise da obra fotográfica de Brill foi construída a partir de duas perspectivas principais. A primeira insere sua obra no cenário das grandes transformações da paisagem urbana da cidade de São Paulo, carregada por novas experiências perceptivas, assim como no desenvolvimento da linguagem fotográfica como um modo de expressão da modernidade. A segunda pretende uma reinterpretação de sua obra a partir de conceitos formulados por críticos da modernidade, como Christian Norberg-Schulz, Roland Barthes e Walter Benjamin, examinando o olhar de Alice Brill sobre a cidade a partir de sua condição de imigrante alemã, filha da jornalista progressista Marte Brill e do pintor Erich Brill, cuja formação se iniciou na Berlim do entre guerras, passando pelo milieu cosmopolita de São Paulo - frequentado por imigrantes identificados com o desenvolvimento das expressões do modernismo no Brasil -, por sua formação específica de fotógrafa durante a estadia nos EUA e, a seguir, pela experiência profissional junto ao corpo editorial da revista Habitat e ao Museu de Artes de São Paulo.
RESULTADOS:
As visões urbanas apresentadas por Alice Brill no transcorrer da década de 1950, se nos mostram a evolução de uma sociedade urbana em plena transformação, mais bem também podem nos revelar a forma como a fotógrafa se relacionava com este novo ambiente urbano em formação, o seu significado, os signos urbanos outrora ocultos, mas por ela revelados. Por um lado temos um mundo atingido de surpresa pela modernidade, com todas as suas promessas e esperanças, resultando mudanças na configuração da paisagem urbana e, conseqüentemente, em novas experiências perceptivas. Paralelamente, essa maneira de enxergar o mundo exigiu uma nova linguagem artística, cenário onde se desenvolve a fotografia, pertencente a uma nova cultura visual. Aos poucos, essas mudanças se confundem com a própria vida de Alice Brill, onde aparecem a busca por suas origens e seu lugar. Da descoberta de seu mundo se dá também a sua própria descoberta, momento quando, segundo Cartier-Bresson, deve haver um "equilíbrio entre (...) o que está em nosso interior e o que está por fora. Como resultado de um processo dialético constante, estes dois mundos chegam a conformar apenas um". É desta relação que nasce a visão de Alice Brill, representada em sua obra fotográfica.
CONCLUSÃO:
Podemos concluir que Alice Brill nos apresenta duas cidades conflituosas como uma síntese de seu pensamento antropológico, ou ainda, uma só cidade composta por duas imagens. Em um primeiro momento, prevalece a consciência de sua condição de estrangeira, uma cidadã sem vínculos com uma São Paulo moderna que sofria intensas mudanças urbanas e sociais. Aos poucos, conforme a fotógrafa cria laços com o espaço da cidade, finca nele suas raízes, ela nos aponta para uma outra paisagem. Utilizando-se de uma linguagem moderna, Brill nos apresenta cenas de um mundo que residia em suas lembranças, um mundo caracterizado não pelo que ela realmente tenha vivido, mas bem pelo ideal de uma cidade que nunca deixou de procurar, o seu lugar. Nas fotografias de Brill devemos transpassar a São Paulo moderna e buscar na história da fotógrafa a cidade com a qual ela se identifica, o espírito representado em suas imagens, como coloca o fotógrafo Minor White: "quando se tenha transcendido tanto o objeto como a maneira de produzi-lo (...), aquilo que parece ser matéria se converte naquilo que parece ser espírito". Neste sentido, se a identidade criada entre a cidade e o indivíduo é concretizada na relação entre o fenômeno da percepção e a paisagem urbana, a análise do olhar particular de Alice Brill nos permite a compreensão da cosmovisão deste período.
Instituição de Fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP
Palavras-chave: Fotografia, Paisagem Urbana, Percepção.