62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 4. Sociolingüística
DESENVOLVENDO NOVOS PADRÕES FONOLÓGICOS NA COMUNIDADE DE FALA
Marcelo Alexandre Silva Lopes de Melo 1
Christina Abreu Gomes 1
1. Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro / CLA UFRJ
INTRODUÇÃO:
Um estudo piloto realizado com 14 falantes com 1º grau incompleto, que no momento da entrevista eram internos da Escola João Luís Alves, uma instituição para jovens infratores no Rio de Janeiro, revelou um percentual significativo de realização da fricativa sibilante em coda como velar ou glotal (doravante (h)), 30%. Em estudos realizados sobre a comunidade de fala do Rio de Janeiro, essa é a variante menos frequente entre os falantes de classe média com até 2º grau, 7% (Scherre e Macedo, 2000), e com grau universitário, 6% (Callou e Brandão, 2008). Esse estudo pretende focalizar a fala de jovens infratores, sem acesso algum ou quase nenhum aos modelos de formação de segmentos sociais já estudados. Trata-se, portanto, de um grupo cujo comportamento linguístico pode permitir não só a identificação de aspectos da especificidade desse grupo, mas também a ampliação acerca da compreensão do funcionamento do português brasileiro. Essas especificidades podem se referir a uma maior frequência de variantes estigmatizadas e, nesse caso, significar que esses falantes podem estar não só mais adiantados em relação a aspectos relacionados a processos de mudança, como também podem constituir característica inovadora em relação ao que se conhece sobre a comunidade de fala do Rio de Janeiro.
METODOLOGIA:
A metodologia da entrevista seguiu os mesmos procedimentos adotados nas mostras de fala conduzidas pelo PEUL (Programa de Estudos sobre o Uso da Língua), mas com as adaptações necessárias ao perfil dos indivíduos da nova amostra a ser constituída. Quatorze entrevistas já foram realizadas, tendo sido feito o levantamento da variável sociolinguística estudada (a alternância na realização da fricativa em coda). Na atual fase, foram levantados os dados relevantes para este estudo em 9 (nove) das entrevistas já realizadas e foi feita a codificação dos dados com base em grupos de fatores previamente escolhidos: realização, ambiente, tonicidade, classe de palavra, item lexical, grau de formalidade. As entrevistas têm tempo de duração entre 30 e 60 minutos, foram gravadas com um aparelho digital e foram realizadas, em local reservado, dentro da própria unidade de internação onde os menores estavam internados. A metodologia utilizada para a quantificação dos dados foi o Rbrul versão 1.9 (Johnson, 2009). Só é possível rodar o R-brul no ambiente do Programa R. Ambos são igualmente públicos e estão disponíveis para download na internet.
RESULTADOS:
Com um total de 2.841 dados na primeira rodada do R-brul, foram selecionadas as seguintes variáveis independentes: ambiente seguinte, posição da sílaba na palavra, item lexical e indivíduo. A variável 'ambiente seguinte' mostrou-se relevante, já que aspectos articulatórios (posição da glote) parecem interferir na realização da variante (h), que tende a ser realizada quando seguida de consoante sonora, sendo menos frequente quando seguida de consoante surda. A realização da variante (h) é também favorecida em final de palavra e em itens de alta frequência de ocorrência. Alguns itens são realizados quase que categoricamente com a fricativa posterior, como 'mesmo' e 'nós', e categoricamente como na contração de preposição e artigo em às vezes. No caso do pronome de 'nós', este só não é pronunciado como 'noh' diante de vogal ou pausa, sendo este último ambiente o que bloqueia a realização de (h), uma vez que não houve registro de (h) nesse ambiente, seja em pausa absoluta ou no interior de sintagma. Os resultados do grupo de fatores dos indivíduos revela que, embora a variante glotal seja a mais frequente no grupo, os indivíduos da amostra se diferenciam com a frequência de uso indo de 26% a 50%.
CONCLUSÃO:
Os resultados obtidos nesse estudo revelam a importância de se considerar a frequência do item no entendimento do padrão variável observado para esse grupo de falantes na comunidade de fala estudada. Os resultados apresentados colocam um problema para o tratamento tradicional da variação fonológica como um processo, sendo as variantes melhor acomodadas em um modelo que considere a possibilidade de um léxico dinâmico em que a frequência de ocorrência da palavra tem impacto na representação. A situação observada é melhor capturada se considerarmos as variantes da coda como parte da nuvem de representações das possibilidades fonéticas dos itens lexicais, de acordo com a proposta dos Modelos baseados no Uso. No entanto, a existência de condicionamento fonético para a ocorrência da variante (h) pode também ser capturada no modelo, sendo entendida como parte da interação entre representação lexical e outros níveis de representação que entram em atuação quando é efetuada a escolha da variante a ser produzida. Assim, a comunidade de falantes em questão constitui um grupo cujo comportamento linguístico pode permitir a identificação de especificidades desse grupo, além de diferentes tendências de processos de mudança em relação ao que se conhece sobre a comunidade de fala do Rio de Janeiro.
Instituição de Fomento: PIBIC/CNPq, FAPERJ, Bolsa CNE, processo no. -26/102.405/2009.
Palavras-chave: sociolinguística, variação, fricativa.