A Memória, num mundo marcado pela rápida transformação do presente, tem se convertido em um elemento essencial nos novos processos de constituição de identidades individuais e sociais. Nesse sentido, nossa pesquisa buscou no cotidiano escolar a produção de tais subjetividades no tocante às práticas de Memória. Interessou-nos compreender aquilo que acontece com uma escola durante um percurso de mudanças curriculares e modificações em termos cultura escolar e, principalmente, os modos pelos quais os professores reorganizam as bases fundamentais de seus saberes e práticas pedagógicas.

Neste cenário particular de uma escola pública de periferia urbana, a Escola Municipal José Calil Ahoughi que, em face do desejo coletivo de redefinir estruturalmente as bases de funcionamento do currículo e das rotinas escolares, centrou na discussão dos processos de construção da identidade da criança e do jovem afro-descendente o eixo de sua redefinição curricular. Com isso, os conteúdos históricos e as práticas de memória vinculadas a projetos de construção identitária foram elevados à condição de eixo estruturante central das práticas escolares, desvinculado de qualquer reforma imposta por força de lei ou pelo sistema educativo, emanada dos sujeitos envolvidos diretamente no cotidiano escolar.

Ao se avaliar os mecanismos de tal reconstrução, buscamos constituir metodologias capazes de colocar em primeiro plano a voz e perspectivas compreensivas dos sujeitos preponderantes neste processo, a saber: os professores. Compreendendo como esta escola, diferente do que acontece na maioria das vezes, desenvolveu o hábito de arquivar todos os artefatos de cultura material produzidos no interior da dinâmica escolar, foi possível associar a temática dos saberes aos processos de constituição de Memória.

As entrevistas com cinco professoras se deram na relação com a exploração desses artefatos de memória transformados em vídeo-clipes, com os quais os professores entrevistados foram confrontados com suas próprias práticas que lhe foram apresentadas a partir da releitura materializada nesse suporte. A partir desse novo olhar sobre si e sobre o mundo, os sujeitos inseridos nessa nova cultura curricular acabam redefinindo suas bases identitárias, pois as memórias que deles emergem revelam formas particulares de se relacionar e se apropriar de um saber.

A pesquisa nos revelou, a partir das entrevistas com as professoras, três cenários distintos através dos quais o saber docente não é indiferente às transformações decorrentes na instituição escolar. No primeiro, percebemos o encontro de uma das professoras com um espaço escolar cujo trabalho por ela idealizado ganhou força para se desenvolver. No segundo, ficou claro para nós o movimento de resistência de uma outra professora às mudanças propostas pela escola. E no terceiro cenário, três professoras revelaram que as mudanças ocorridas na escola foram capazes de (re)modelar suas práticas pedagógicas.

Dessa maneira, concluímos que o docente estrutura seu saber em bases heterogêneas do ponto de vista de sua temporalidade e das fontes sobre as quais seus repertórios se organizam. Resgatar em entrevistas a história de vida de algumas professoras da Escola Municipal José Calil Ahoughi fez-se necessário para compreender como elas organizam seus saberes numa escola cujo currículo está em construção e ganha um peso distintivo no tocante ao lugar assumido pela abordagem de temáticas históricas.