62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 4. Geografia - 1. Geografia Humana
PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO E PROCESSOS ESPACIAIS EM NATAL: O CONJUNTO PONTA NEGRA EM FOCO
Felipe Fernandes de Araújo 1
1. DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA/UFRN
INTRODUÇÃO:

A produção do espaço urbano se dá constantemente, associada à ação de diversos agentes produtores do espaço. A disputa pelo uso do solo, visto como mercadoria singular, é responsável por transformações socioespaciais que ocorrem na cidade e refletem a seletividade do capital. A cidade de Natal vem sendo alvo de intensos investimentos, principalmente nas últimas décadas, com o objetivo de promover a valorização do espaço e a atividade turística. Nesse contexto, o bairro de Ponta Negra, com privilegiada localização, tornou-se bastante valorizado e passa por processos espaciais no seu espaço urbano, por meio da ação dos agentes produtores do espaço. Diante dessa atual realidade, o trabalho se propõe a discutir a atual configuração do espaço intra-urbano do conjunto Ponta Negra, em face das transformações ocorridas. Para isso, foi realizada pesquisa de campo que verificou a mudança no uso do solo, com o aumento do número de atividades terciárias, muitas voltadas para a demanda turística. Além disso, observou-se a significativa mudança na forma urbana, com destaque para o surgimento de residências multifamiliares e flats, intensificando o processo de verticalização. Por fim, a análise do conteúdo social foi realizada através de entrevistas junto aos moradores. Embora a mudança no perfil socioeconômico dos moradores ocorra de maneira mais lenta que as mudanças na forma e função urbana, já observamos a chegada de uma nova população que, no futuro, pode substituir a população original do conjunto Ponta Negra, visto que podem pagar pelo alto preço do solo.

METODOLOGIA:

A verificação das mudanças ocorridas no conjunto Ponta Negra foi feita através de pesquisa de campo para levantamento de uso do solo e análise do mercado imobiliário em dois períodos: janeiro de 2007 e dezembro de 2008, cujos resultados serão comparados. Além disso, foi realizado um levantamento do perfil socioeconômico dos moradores, feito por meio de questionários junto aos moradores do conjunto. Utilizamos a divisão do conjunto de acordo com os setores censitários, baseado no censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - no ano 2000. O cálculo estatístico nos indicou que a amostra representativa seria de 110 entrevistas, dentre as quais conseguimos realizar 98, já que 12 moradores se recusaram a participar da pesquisa. O conjunto é dividido em seis setores censitários, cada um com um número específico de entrevistas, já que apresentam quantidades diferentes de lotes. Esta divisão possibilitou uma distribuição adequada dos entrevistados em todo o conjunto Ponta Negra.

RESULTADOS:

As ações dos agentes que produzem a cidade originam determinados processos ligados à acumulação de capital e à reprodução social. De acordo com Harvey (apud Corrêa, 1997), a cidade é a expressão concreta dos processos sociais, na forma de um ambiente físico construído sobre o espaço geográfico. Para Castells (1975, p. 73), a produção do espaço gera uma série de processos sociais que criam funções, formas espaciais e atividades dentro de uma organização espacial:

Chamamos produção de formas espaciais ao conjunto de processos que determinam a articulação concreta de elementos materiais sobre um espaço dado. Mais concretamente, à determinação da organização, no espaço, dos indivíduos e grupos, dos meios de trabalho, das funções, das atividades, etc.

Quando ocorre uma transformação na estrutura social, consequentemente, há também mudanças no espaço urbano, podendo-se falar na existência de processos espaciais. Os processos espaciais são os elementos mediadores que viabilizam meios para os processos sociais transformarem o espaço geográfico (CORRÊA, 1997). Castells (1975) afirma que a forma das cidades, a sua evolução e as suas funções vão depender do tipo de processo social que está subjacente a esta e, nesse processo, estão incluídos os processos espaciais. Nesse sentido, Corrêa (2000, p. 36) reforça a ideia de que os processos espaciais são de natureza social, uma vez que "são as forças através das quais o movimento de transformação da estrutura social, o processo, se efetiva espacialmente, refazendo a espacialidade da sociedade".

Segundo Santos (1985), sempre que a sociedade sofre uma mudança, as formas assumem novas funções. Para ele, os conceitos de forma, função, processo e estrutura, considerados em conjunto e relacionados entre si, poderão servir para a compreensão da organização espacial em sua totalidade. Nas palavras de Santos (1985, p. 53):

Quando se estuda a organização espacial, estes conceitos são necessários para explicar como o espaço social está estruturado, como os homens organizam sua sociedade no espaço e como a concepção e o uso que o homem faz do espaço sofrem mudanças.

Assim, os processos espaciais são responsáveis pela complexa organização espacial e "permitem localizações, relocalizações e permanência das atividades e população sobre o espaço urbano..." (CORRÊA, 1997, p.122).

Em relação aos tipos de processos espaciais, Corrêa (1997) lista os processos seguintes: centralização, descentralização, coesão, segregação, invasão-sucessão e inércia.

O conjunto Ponta Negra, originalmente formado por casas térreas uniformizadas, tem sofrido profundas modificações quanto ao uso do solo. Individualmente, as casas também foram reformadas ao longo do tempo, em particular nos últimos anos, inclusive refletindo o perfil socioeconômico de novos moradores. Uma primeira mudança que se constata é a existência do uso misto do lote, processo em que os moradores destinam uma parte do terreno para a construção de estabelecimentos comerciais ou de prestação de serviços, totalizando 136 lotes, em janeiro de 2007. Quando da segunda pesquisa, apenas dois anos depois, tivemos um aumento nesse número, atingindo 151 lotes. Assistência elétrica e mecânica (oficina, borracharia, loja de bicicleta e refrigeração), loja de roupas e salão de beleza constituem as principais atividades, neste caso.

Além disso, observamos que as bordas do conjunto, delimitado pela avenida Engenheiro Roberto Freire, avenida Praia de Genipabu e a Rota do Sol, bem como as vias principais do interior do conjunto - as avenidas Praia de Tibau e Praia de Búzios - começaram a sofrer transformações no uso do solo, com o surgimento de atividades terciárias, muitas voltadas à demanda turística.

Existiam, em janeiro de 2007, 90 lotes com função estritamente comercial ou de serviços. No momento da segunda pesquisa de campo, esse número havia subido para 96 lotes. São 38 tipos diferentes de serviços existentes, que incluem de trabalhos com pouca especialização, como oficina mecânica e ateliê de costura, a serviços mais especializados, como laboratório de análises clínicas, clínicas médicas etc. Destaca-se também a grande quantidade de bares, restaurantes, pousadas, casas de câmbio e agências de viagem, o que indica a existência de uma demanda turística, inclusive internacional.

Com relação ao mercado imobiliário, merece destaque a valorização dos imóveis. Por exemplo, o valor médio dos aluguéis gira em torno de R$ 710,00. Os altos valores que se pode obter incentivam a venda dos imóveis pelos proprietários. Assim, a tabela 2 nos mostra o aumento de 59,6% que houve no número de imóveis em condição de negociação no conjunto Ponta Negra. Deve-se salientar que esses números foram contabilizados pela presença de placa de venda e/ou aluguel no imóvel, podendo haver mais imóveis nessa situação, não publicitada através da afixação de placas. Também é comum a presença da clássica placa for sale, o que reflete o desejo de atrair os estrangeiros. As principais imobiliárias que atuam no conjunto são Abreu Imóveis, ECM, Tur Imóveis e Tertuliano Rego, todas locais, embora muitos empreendimentos no bairro (fora do conjunto) e nas praias próximas façam uso de capitais estrangeiros ou nacionais.

De acordo com Moore e Smelser (apud SCHWENK E MADUREIRA CRUZ, 2004), existe uma infinidade de fatores que afeta as ações dos processos espaciais, tais como a competição e a mobilidade. A competição resulta do fato de que dois objetos não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo. Como vimos, o espaço urbano caracteriza-se pela disputa de interesses dos agentes produtores do espaço, que gera usos, funções e formas diferenciadas. Já a mobilidade está associada ao movimento e ao deslocamento de pessoas e mercadorias de um local da cidade a outro, dependendo, portanto, do grau de acessibilidade.

A concentração de atividades terciárias no bairro de Ponta Negra reflete a existência de uma demanda solvável, constituída tanto pelos moradores de classe média do conjunto Ponta Negra como pelos turistas. Além dos serviços básicos que se desenvolvem no interior do conjunto, como padarias, salões de beleza e mercadinhos, é importante destacar aqueles que são voltados para a demanda turística.  Estes se concentram nas bordas do conjunto, principalmente ao longo da av. Eng. Roberto Freire, importante passagem para as praias do litoral sul da cidade. A população moradora no conjunto se beneficia da diversidade de serviços, o que possibilita maior autonomia com relação a outros bairros da cidade, uma vez que não precisa se deslocar a distâncias consideráveis para atender grande parte de suas necessidades. Destaca-se, ao longo da referida avenida, a concentração de supermercados, restaurantes e shoppings.

Considerando o que escrevem Schwenk e Madureira Cruz (2004, p. 297)

Os processos espaciais presentes na transformação e na organização do espaço não estão separados entre si. Nota-se que, ao estudar um processo, este se torna parte de outro, ou de alguma forma, torna-se associado ou auxiliado por outro processo, em determinada fase ou circunstância.

Entendemos que o conjunto Ponta Negra apresenta-se como um híbrido com relação aos processos espaciais que configuram seu espaço intraurbano. De acordo com Corrêa (1997), embora esteja associado à questão residencial, o processo de invasão-sucessão pode afetar as atividades terciárias e industriais. Ao tratar do mesmo processo, Castells (1975) lembra a importância na mudança das atividades de um espaço considerado e explica que esse fato pode estar ligado à iniciativa pública por meio de investimentos que promovam a renovação urbana. Entendemos que a mudança no uso do solo observada no conjunto, principalmente em suas bordas, pode vir a constituir, em parte, um processo espacial de invasão. Nas principais vias de acesso, trajeto também do transporte público, inúmeros estabelecimentos de comércio e serviços surgiram. Como explicam Schwenk e Madureira Cruz (2004, p. 295):

No ciclo de sucessão, a invasão é o primeiro estágio [...] A invasão pode ser contida ou acelerada por parte de cada grupo de população ou pelos tipos diferentes de uso da terra, dependendo do nível de atitude dos indivíduos envolvidos, proprietários, governadores [...] não sendo um processo instantâneo, mas de vários estágios.

Se, na forma e na função, as transformações parecem ocorrer de maneira mais rápida, constituindo um processo espacial de invasão, com relação ao conteúdo social do conjunto Ponta Negra, as mudanças se dão em um ritmo mais lento. Como o processo de invasão também se reflete na mudança do conteúdo social de determinada população, foram realizadas entrevistas junto aos moradores, com o objetivo de verificar se o perfil socioeconômico da população do conjunto também sofreu transformações.

A primeira questão que levantamos diz respeito ao local de origem dos moradores. Observamos que 36,36% dos moradores são oriundos de outros bairros de Natal ou da Região Metropolitana; 24,55%, do interior do Rio Grande do Norte; 16,36% vem de outros estados nordestinos e 11,82%, da região centro-sul do país. Associando esse dado com o tempo de moradia no conjunto, constatamos que os moradores vindos do interior do Rio Grande do Norte são aqueles que estão há mais tempo no conjunto. Por outro lado, aqueles que chegaram de outros estados do país, principalmente do centro-sul, moram há menos tempo no conjunto.

De acordo com os dados da pesquisa de campo, a oportunidade de obtenção da casa própria foi o principal motivo apresentado pelos moradores vindos do interior do Rio Grande do Norte para morar no conjunto Ponta Negra. Por outro lado, para os moradores do centro-sul do país, a localização do conjunto próxima à praia e o fato de o bairro ser considerado nobre foram decisivos na escolha do conjunto. Nesse sentido, a recente dinâmica de valorização dessa parte da cidade pode estar atraindo uma nova população para residir no conjunto.

Ao compararmos a condição dos imóveis dos moradores do conjunto com os do restante do bairro e da zona sul da cidade, chegamos a conclusões importantes. De acordo com a pesquisa, 72,73% das casas são próprias, 13,64% são alugadas e 2,73% são cedidas. A porcentagem de moradores com casa própria no conjunto é muito mais elevada que a do restante do bairro, que chega a 52,9%, e a da zona sul da cidade, que corresponde a 53,8% (IBGE, 2000). Nesse contexto, esse fator pode expressar a dimensão simbólica do espaço urbano, por meio das relações de vizinhança e identidade com a casa, principalmente entre os moradores mais antigos.

De acordo com a pesquisa, 80,91% dos moradores não pretendem se mudar do bairro. Por outro lado, embora isso pudesse diminuir a intensidade da dinâmica imobiliária no conjunto, observamos que existiam 56 imóveis disponíveis para venda e 35 para aluguel. Deve-se, mais uma vez, salientar que esses números foram contabilizados pela presença de placa de venda e/ou aluguel no imóvel, podendo haver mais imóveis nessa situação, não publicitada através da afixação de placas.

Um aspecto importante de ser analisado diz respeito às atividades de lazer dos moradores. Todos os itens apontados como atividades realizadas pelos moradores podem ser satisfeitas no próprio bairro, como ir à praia, ao cinema, ao shopping, à igreja etc. Esse pode ser um dos motivos para que os moradores não queiram deixar o conjunto. Por outro lado, esse mesmo fator desperta o interesse de novos moradores. A ressalva que fazemos é de que, embora a praia seja apontada como importante atividade de lazer, 68,89% dos moradores revelaram que preferem frequentar outras praias mais distantes. Essa mudança no hábito do morador está associada à presença de turistas estrangeiros, sendo a prostituição foi apontada como o principal impacto dessa presença. De acordo com os moradores entrevistados, a chegada de estrangeiros também contribuiu para o aumento do custo de vida, inclusive nos preços supervalorizados dos imóveis.

A respeito do perfil socioeconômico dos moradores, tratamos de quatro questões: a renda, a escolaridade, a posse de automóvel e a posse de outro imóvel. De acordo com o censo do IBGE 2000, a renda da população de Natal é de aproximadamente R$ 919,10 e a renda da população que mora no bairro de Ponta Negra é de aproximadamente R$ 1.424,00. De acordo com a pesquisa que realizamos, a renda do morador do Conjunto Ponta Negra é de R$ 1.443,93, enquanto a renda familiar mensal supera R$ 4.700,00. A média do bairro é mais baixa porque parte da população que mora na Vila de Ponta Negra possui rendimentos menores.

Com relação à escolaridade, observamos que a população possui um elevado nível de qualificação. De acordo com o IBGE (2000), a média da população de Natal que possui 2° Grau completo é de 22,3%. No conjunto Ponta Negra, essa média ultrapassa os 25% dos moradores. Ainda tomando por base os dados do censo do IBGE (2000), 10,6% da população de Natal tem 15 anos ou mais de estudo. Esse tempo corresponde ao período destinado até a conclusão do 3° Grau. Nesse sentido, a média dos moradores do conjunto que possuem 3° Grau completo é de 36,36%. De acordo com a pesquisa de campo, os moradores que estudaram apenas até o 1° Grau geralmente constituem uma população mais antiga que parou de estudar para buscar um emprego e ajudar na renda familiar.

As respostas que tratam da posse de automóvel e de outro imóvel podem indicar indiretamente o nível econômico, uma vez que são bens relativamente caros. Esses dados nos parecem expressivos, visto que mais de 75% dos moradores possuem, pelo menos, um automóvel e 36,36% dos moradores possuem outro imóvel. Os imóveis ou terrenos são localizados em outros bairros da cidade, no interior do estado, em outros estados ou até mesmo em outros países.

O conjunto Ponta Negra foi construído para atender às necessidades de moradia da população com até 5 salários mínimos, na época. Inúmeras pessoas, devido à localização periférica e relativa distância em relação ao centro da cidade, acabaram buscando outros bairros para morar. Atualmente, a população do conjunto Ponta Negra faz parte de parcela privilegiada da população da cidade, que tem acesso a diversos serviços sem precisar se deslocar grandes distâncias, uma vez que o bairro aparece como uma nova centralidade urbana.

A disseminação de apartamentos e flats vem, não raramente, atender à demanda de turistas estrangeiros em busca da chamada segunda residência, o que representa a chegada de uma nova população. Além disso, a valorização do bairro gera grande atratividade entre os moradores de outras localidades da cidade. No entanto, como essa valorização gerou uma elevação no preço do solo, somente a classes mais abastada da população pode pagar para residir em Ponta Negra.

Entendemos que a mudança no conteúdo social do conjunto pode vir a ser uma tendência futura. Como explica Singer (1982), a disponibilidade de novos serviços atrai famílias de renda mais elevada, que podem pagar um preço maior pelo uso do solo, em comparação com os moradores mais antigos e pobres, os quais vendem suas casas, quando proprietários, ou simplesmente saem quando inquilinos, de modo que o novo serviço vai servir aos novos moradores, e não aos que supostamente deveria beneficiar.

Um fator que pode ser decisivo para a formação dessa situação específica é a legislação urbana que atualmente regulamenta a construção no conjunto Ponta Negra. De acordo com o Plano Diretor do município, o coeficiente de adensamento no conjunto foi modificado, reduzindo-se o seu potencial construtivo. Porém muitos empreendimentos ainda serão construídos pelo fato de terem recebido a licença quando a lei anterior ainda estava sob vigência. A atual legislação urbanística, que entrou em vigor a partir de 2007, contribuiu - embora temporariamente - para diminuir o ritmo das transformações socioespaciais no conjunto Ponta Negra, ao restringir o processo de verticalização em uma área de suas áreas.

Além disso, a crise econômica internacional que ocorreu em 2008 também pode ter colaborado para a queda do dinamismo do mercado imobiliário no bairro, com destaque para a diminuição das segundas residências voltadas para os estrangeiros. Nesse contexto, as mudanças no conteúdo social parecem ocorrer de maneira mais lenta que aquelas na forma e na função urbanas. Pode-se afirmar no entanto, que, diante de tanta pressão do mercado, o conjunto Ponta Negra ainda sofrerá outras transformações no futuro, inclusive no que diz respeito a sua população moradora.

 

 

 

 

CONCLUSÃO:

A disputa capitalista por solo entre os diferentes agentes produtores do espaço urbano deve-se ao fato de o modo de produção vigente basear-se na propriedade privada da terra. Como o solo urbano é utilizado de forma diferente por esses agentes, a espacialidade da sociedade é constantemente modificada, configurando os chamados processos espaciais.

O processo de transformação da cidade de Natal ocorreu de maneira seletiva e intensificou a produção desigual do espaço, por haver privilegiado uma parcela da população com renda mais elevada e, em conseqüência, propicia espaços exclusivos para que essa demanda se estabeleça em áreas nobres, como o bairro de Ponta Negra. De acordo com o referencial teórico adotado neste trabalho, ao analisarmos as características do solo urbano na cidade de Natal - como a localização, os atributos urbanos e a acessibilidade -, podemos perceber os interesses dos diversos agentes produtores do espaço para extrair renda da terra. Nesse sentido, Natal possui um aspecto de cidade-mercadoria.

A intensificação do processo de urbanização, pós-Segunda Guerra Mundial, provocou o surgimento de novos usos, novas formas e funções para atender aos interesses da classe dominante. O conjunto Ponta Negra é um exemplo de como a produção do espaço urbano é um dos fatores de reprodução do capital na cidade. A partir de investimentos tanto públicos como privados, o bairro como um todo tornou-se bastante atrativo para o capital imobiliário. Nesse sentido, entendemos que se configura um processo de invasão, uma vez que houve uma substituição do uso residencial pelo de atividades terciárias, principalmente ao longo da avenida Eng. Roberto Freire e nas principais vias de acesso ao conjunto.

Com relação ao uso do solo, destacamos o aumento do número de atividades comerciais e de serviços e a proliferação do uso misto, no qual parte do lote é destinada para a realização de atividades terciárias. As alterações no padrão arquitetônico da casa dos moradores estão associadas ao aumento do processo de verticalização, com o crescimento no número de residências multifamiliares e flats. Além disso, é comum a existência de casas reformadas, muitas das quais com mais de um pavimento, o que sugere mudanças no perfil socioeconômico dos moradores.

Nesse sentido, fez-se necessária a realização de entrevistas junto aos residentes do conjunto Ponta Negra, para análise do seu conteúdo social. Percebemos que as mudanças no uso do solo e no padrão das casas ocorreram de maneira mais rápida do que aquelas relacionadas com o perfil dos moradores. Com relação aos moradores que possuem casa própria, as consequências da valorização do solo se refletem tanto no aumento do custo de vida quanto na oportunidade de alcançar um bom preço com a venda do seu imóvel. A substituição da população parece ser um processo espacial que ainda está no início, mas que poderá se intensificar no futuro.

Enfim, essa área pode ser vista como reserva de mercado para o grande capital imobiliário. Com a atual lei vigente do Plano Diretor, essa área pode permanecer com uma certa estabilidade por algum período de tempo. Porém, a partir do momento em que as condições econômicas, sociais e políticas se tornarem ideais, é possível que a população do conjunto Ponta Negra não resista à intensa pressão imobiliária.

 

Instituição de Fomento: CNPq
Palavras-chave: produção do espaço urbano, processos espaciais, conjunto Ponta Negra.