62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 5. História - 2. História do Brasil
DE BEM VINDOS A INDESEJÁVEIS: A MUDANÇA NO OLHAR GOVERNAMENTAL SOBRE OS PESQUISADORES ALEMÃES NO BRASIL NOS ANOS 30 E 40 ATRAVÉS DA ATUAÇÃO DO CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO DAS EXPEDIÇÕES ARTÍSTICAS E CIENTÍFICAS.
José Benito Yárritu Abellás 1
Everaldo Pereira Frade 1
Luiz Francisco Aramburú 1
Luci Meri Guimarães da Silva 1
1. Museu de Astronomia e Ciências Afins/MAST
INTRODUÇÃO:

O Conselho de Fiscalização de Expedições Artísticas e Científicas no Brasil (CFE), criado em 1933, tinha por objetivo fiscalizar qualquer expedição estrangeira, particular ou privada, em terras brasileiras, sendo o órgão que garantia ao Estado o poder de decisão sobre a realização dessas expedições e a vigilância sobre as mesmas. Em seus mais de 30 anos de funcionamento (de 1933 a 1968), o citado Conselho produziu uma vasta documentação, hoje sob guarda do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), documentação que, por sua importância, foi incluída no programa da UNESCO "Memória do Mundo", que tem por objetivo identificar documentos que tenham valor de patrimônio documental da humanidade. Esse arquivo é fonte básica, dentre outras, para pesquisas que tenham como objeto as expedições estrangeiras em território brasileiro, ou ainda sobre como se dava a relação do Estado brasileiro com as mesmas. Partindo dessa premissa e utilizando tal documentação em nossa pesquisa, buscamos demonstrar como o "olhar" do governo varguista sobre expedições comandadas por súditos do Reich se transforma com a paulatina aproximação e adesão do Brasil ao lado Aliado na Segunda Guerra, tendo como ápice a declaração de guerra ao Eixo pelo governo brasileiro em 22 de agosto de 1942.

METODOLOGIA:

No arquivo do CFE sob guarda do MAST estão documentos produzidos pelo Conselho envolvendo suas decisões, de caráter geral ou especifico (voltadas para cada expedição), bem como a documentação remetida pelos responsáveis pelas expedições ao Conselho, como pedidos de autorização para sua realização ou, ainda, respostas às exigências do CFE. Comuns nas décadas iniciais do século XX, tais expedições tinham caráter exploratório/científico, dirigidas majoritariamente para as regiões mais inóspitas do país, ou caráter artístico, como no caso das expedições que buscavam cenários para produções cinematográficas. Na análise do conjunto documental observamos que, quantitativamente, Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra, ocupam um lugar de destaque na solicitação de autorização para as mesmas. Tomando tais países - representantes de lados opostos na Segunda Guerra - como parâmetro, demarcamos as reações do CFE no que diz respeito à autorização e fiscalização de suas expedições no período de 1933 a 1945, a fim de observar permanências e descontinuidades nas decisões do órgão, buscando ver se as mesmas relacionavam-se de alguma maneira com as idas e vindas das relações do Brasil com os dois lados em conflito, ao longo desse período.

RESULTADOS:

Na documentação dos anos iniciais do Conselho observamos não haver diferenças entre o tratamento dado às expedições americanas, inglesas e alemãs. Para autorizar a realização das expedições, o Conselho buscava o maior número de informações, a fim de evitar aquelas cujos objetivos não fossem claros. Dentre as informações regularmente buscadas pelo CFE estavam as relativas aos responsáveis pela expedição (instituições, empresas, pessoas) e seus interesses. Se na concessão de autorizações primava-se por um maior zelo, o processo de fiscalização das expedições, depois de instaladas, era precário, pela ausência de uma estrutura administrativa que permitisse ao Conselho exercer a vigilância sobre as mesmas. Independente dos desvios relatados nos documentos, a análise desses demonstra que a aceitação para o funcionamento e a leniência na fiscalização das expedições dependia diretamente da relação do governo brasileiro com os governos dos países dos quais eram originárias. Assim, o tratamento dispensado às expedições de EUA, Inglaterra e Alemanha é o mesmo na maior parte do período analisado, alterando-se gradualmente em paralelo com a mudança da posição diplomática do governo Vargas no decorrer do conflito.

 

CONCLUSÃO:

O tratamento dispensado pelo CFE às expedições vinculadas de alguma forma a governos amigos era distinto do destinado às expedições organizadas, por exemplo, por indivíduos isolados. Sobre essas recaíam as maiores exigências do Conselho. Nesse cenário, contar, de algum modo, com a chancela dos governos dos países de origem era, para as expedições, pré-condição para a obtenção de um olhar mais favorável por parte do CFE, tanto no processo de autorização como também na fiscalização, no caso de eventuais desvios que estas cometessem. Nos anos iniciais de funcionamento do Conselho não havia distinção no tratamento burocrático dispensado às expedições americanas, inglesas e alemãs.Todavia, no avançar da década de 1930 e, principalmente, após a eclosão da guerra, a atuação do Conselho tornou-se continuamente mais criteriosa com as expedições teutônicas - embora não necessariamente inamistosa ou cerceadora - em contraponto às inglesas e americanas, mesmo antes da entrada do Brasil na guerra. Apenas após agosto de 1942 é que se observa, de maneira irrefutável, a proibição definitiva imposta pelo governo Vargas às expedições alemãs, atitude que reproduz o tratamento dispensado em várias esferas aos súditos e instituições de uma nação considerada inimiga.

Palavras-chave: Expedições estrangeiras, Governo Vargas, Segunda Guerra.