62ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 7. Educação - 4. Educação Básica
EXCLUSÃO SOCIAL, VULNERABILIDADE À EXCLUSÃO ESCOLAR E PSICANÁLISE: A AUTOSCOPIA COMO AUXÍLIO NA CONSTRUÇÃO DE UMA 'MEMÓRIA DE SI'
Débora Barboza 1
Ana Archangelo 2, 3
1. Faculdade de Educação - UNICAMP
2. Profa. Dra. / Orientadora
3. Depto. de Psicologia Educacional, Faculdade de Educação - UNICAMP
INTRODUÇÃO:
As queixas dos professores em relação à dificuldade que encontram para lidar com alunos que tentam sobreviver em áreas cuja exclusão social é elevada são cada vez mais freqüentes. Entendendo que a exclusão social engendra também uma dinâmica subjetiva e considerando que os problemas enfrentados por algumas crianças originam-se daquilo que os docentes chamam de 'falta de memória', o objetivo central deste trabalho foi introduzir, no processo de pesquisa desses problemas, um método de investigação/intervenção que pudesse contribuir com o desenvolvimento do que aqui é chamado de 'memória de si'. A autoscopia é um procedimento baseado na filmagem de determinada prática e tem como finalidade a apreensão do cenário e das ações dos indivíduos que compõem uma situação. A pesquisa visou o acompanhamento de um aluno vitimado pela exclusão social e a apresentação, para este aluno, das videogravações realizadas, com o propósito de provê-lo com uma 'memória externa' de acontecimentos escolares nos quais ele esteve envolvido e que não encontraram morada na mente do mesmo. Assim, buscamos observar e compreender, à luz da psicanálise, o impacto da utilização de tal método na superação das dificuldades escolares apresentadas pela criança.
METODOLOGIA:
O projeto foi desenvolvido em uma escola pública na cidade de Campinas, situada em uma área de alta exclusão social, com uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental. A seleção de um aluno para participar da pesquisa foi feita mediante a constatação de que as tentativas pedagógicas utilizadas em sala de aula vinham se mostrando ineficazes para a aprendizagem da criança. Foram realizadas filmagens de situações escolares que envolviam tal aluno, além de observações em sala de aula. Posteriormente, a edição das filmagens permitiu a seleção das cenas mais significativas para fazer parte do material de investigação. Tais cenas foram vistas pela criança durante os encontros lúdicos individuais, realizados semanalmente, nos quais ela tinha a possibilidade de brincar, desenhar, jogar e de conversar sobre aquilo que lhe viesse à mente. A professora da criança participou de reuniões quinzenais com as pesquisadoras, o que permitiu que o impacto do uso da autoscopia fosse analisado nos diferentes contextos (sala de aula e encontros individuais) e a partir da percepção de diferentes atores (criança, pesquisadoras e professora).
RESULTADOS:
O fenômeno de exclusão social impacta os indivíduos ao negar a eles a própria existência. A criança, durante os encontros individuais, forneceu indícios do quão doloroso é para ela tentar sobreviver em um ambiente em que ela 'não existe' ou 'é esquecida'. A 'falta de memória' e a 'capacidade para não aprender' são traços que derivam de mecanismos de defesa do psiquismo para tentar sobreviver em um meio tão hostil. Desse modo, a capacidade para pensar e para aprender ficam comprometidas. Confrontar-se com a própria imagem durante a apresentação das videogravações mostrou ser uma experiência difícil para o aluno - havia um timing durante o qual ele suportava a angústia de se ver em situações frustrantes de seu cotidiano escolar e, mais ainda, de não lembrar das mesmas. Apesar disso, a experiência da autoscopia permitiu ao aluno um avanço na integração psíquica, pois ele conseguiu, progressivamente, tolerar e enfrentar tais frustrações. Paralelamente a isso, a curiosidade e o espírito investigativo em relação ao ambiente, bem como o comprometimento com a realização da atividade escolar, não presentes no início deste trabalho, foram gradualmente tomando forma. Aos poucos, o aluno demonstrou apreço pela memória e por aquilo que ela oferece.
CONCLUSÃO:
Foi possível, através da autoscopia, a obtenção de um material que permitiu a reconstituição das atividades desenvolvidas na escola e a construção de uma memória auxiliar, o que oportunizou ao aluno recorrer a ela para relembrar, elaborar e tomar para si suas experiências. Atribuímos à autoscopia grande relevância para fins de pesquisa, pois a videogravação mostrou-se eficiente como recurso adicional para a realização da tarefa de 'recordar', essencial no processo de aprendizagem. Como em toda a experiência de aplicação de uma nova estratégia metodológica, deparamo-nos com algumas dificuldades e indagações que deverão ser objeto de novas investigações, tais como: 1. Que critérios utilizar na seleção e edição das imagens? 2. Quanto tempo de filmagem apresentar para o aluno durante os encontros? 3. Até que ponto se deve considerar a angústia diante da projeção algo positivo para a criança ou mais uma experiência intrusiva para ela? A autoscopia ofereceu às pesquisadoras e à professora conhecimentos substanciais sobre a criança. Porém, o que nos pareceu fundamental foi o impacto do método sobre esta última, permitindo que significasse algumas de suas experiências e desenvolvesse habilidades a partir disso, em especial no que tange à memória e à capacidade narrativa.
Instituição de Fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
Palavras-chave: Autoscopia, Psicanálise e Educação, Dificuldade de aprendizagem.