62ª Reunião Anual da SBPC
H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 6. Lingüística
UMA LEITURA SOCIOCOGNITIVA DE SENTIDO EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS - A CONSTRUÇÃO DE VERSÕES PÚBLICAS DE MUNDO NA TRÍADE DEUS, O DIABO E RIOBALDO
Vanilton Pereira da Silva 1
1. Departamento de Letras, CCHLA/UFRN
INTRODUÇÃO:
Ao nascer, os membros de uma sociedade não encontram uma realidade autônoma a ser desvendada arbitrariamente, mas, um mundo culturalmente organizado do qual passam a fazer parte. E é através das relações intersubjetivas experienciadas no entorno sociocultural em que estão inseridos que darão ordem e sentido à sua existência. Nesta dinamicidade de interações múltiplas, norteada por atividades discursivas, são trespassados por crenças, valores e percepções que os fazem construir as versões públicas de mundo. Estas, por sua vez, evocam entendimentos e significados publicamente compartilhados e estabilizam versões da realidade. Apesar de estabilizadas, essas versões não são estáticas, mas operam sinergicamente através de redes de integração conceptual (FAUCONNIER, 2002) concatenando pensamentos e discursos em torno de uma compreensão idiossincrática das coisas. Tomando como corpus a obra literária Grande Sertão: Veredas - de João Guimarães Rosa -, nos lançamos ao desafio de sistematizar os modos como os processos lingüísticos de categorização e referenciação operam na construção de versões públicas de mundo na tríade Deus, o diabo e Riobaldo. Tal reflexão nos ajudará a desvelar de que forma as imbricações desses construtos linguísticos repercutem na interpretação da realidade.
METODOLOGIA:
Rompemos com as metodologias que elegem paradigmas científicos estanques e propusemos não só o entrelaçamento entre linguagem, pensamento e cultura, como também a interação da Linguística com outras áreas do conhecimento, tais como a Antropologia, a Filosofia da Linguagem e a Literatura. Entendemos, dessa forma, que nenhuma ciência tomada isoladamente é capaz de responder aos complexos e movediços "enigmas" da linguagem, manifestos em nossas práticas discursivas cotidianas. Notadamente, em uma obra como Grande Sertão: Veredas em que a palavra não cabe em si, prenhe de significados tramados à guisa de neologismos, a exemplo de Nonada. O interesse desta pesquisa, portanto, é analisar o conjunto das relações entre o texto e a realidade, levando-se em conta as nuanças que dão forma aos objetos-de-discurso evocados, significados e ressignificados pela/na linguagem construída no romance de Guimarães Rosa.
RESULTADOS:
Acreditamos que esta pesquisa exerce um papel relevante no sentido de instigar uma reflexão investigativo-epistemológica sobre o modo como os indivíduos negociam, num dado contexto, suas formas de enxergar a realidade e, eventualmente, transformá-la. Evidencia, também, que vivemos num ambiente estruturado em modos de pensar e de agir, repleto de símbolos e significados forjados ao longo dos tempos através das práticas culturais. A elaboração linguística de Grande Sertão: veredas, portanto, nos convida a pensar o contexto sociocultural de sua época, de modo a melhor analisarmos os meios de produção de sentido nela construídos. A perspicácia e a natureza criadora salientadas na escolha de diferentes objetos-de-discurso se coadunam na tessitura de esquemas mentais delineados pela linguagem - acerca de Riobaldo, de Deus e do diabo - e comprovam, como afirmou VYGOTSKY (1995:132), que "as palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do pensamento, mas também na evolução histórica da consciência como um todo. Uma palavra é um microcosmo da consciência humana".
CONCLUSÃO:
Observamos a necessidade premente de promover - não só no âmbito acadêmico como também no escolar - estudos e discussões que evidenciem o caráter interdisciplinar, sociocultural e interacional da linguística. Tais evidências são ratificadas através do amálgama liquefeito de estratégias cognitivas, linguísticas e culturais impregnadas na obra em análise, como também em nossas relações cotidianas. Ora, não há pensamento sem linguagem, nem linguagem sem pensamento. E ambos se engendram nas interações socioculturais. Em vista disso, o desenvolvimento linguístico, mental e cultural opera concomitante e reciprocamente. Logo, a sistematização da maneira como os processos linguísticos de categorização e referenciação operam na tessitura textual, bem como na linguagem em uso são de suma importância para o desvelamento das engrenagens que dão vida aos processos discursivos cotidianos. Estes, por sua vez, são impregnados de significados e esquemas simbólicos que norteiam o modo como enxergamos a realidade mundana. Em suma, para melhor compreendermos os complexos e múltiplos jogos de linguagem que norteiam tanto a obra de Guimarães quanto nossa vida cotidiana, faz-se mister rompermos com paradigmas estanques e adotarmos uma perspectiva que una linguagem, cognição e cultura.
Palavras-chave: Processos de categorização e referenciação, Relações intersubjetivas, Linguagem e realidade.