62ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 13. Direito
FORMAS DE DOMINAÇÃO JURÍDICA:ESTUDO DE CASO DA DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA RAPOSA/SERRA DO SOL.
Alessandra Marchioni 1
1. Profa. Dra. / Universidade Federal de Alagoas UFAL FDA
INTRODUÇÃO:

Essa pesquisa tem como objetivo geral descrever, no âmbito do universo social amazônico, um conjunto de relações político-jurídicas e seus efeitos sociais e ambientais. Especificamente descrever o funcionamento do direito em sua unificação cognitiva e imposição normativa; identificar o poder jurídico em disputa nas relações de força existentes, expressas nas determinações econômicas e, em particular, nos interesses dominantes; verificar no universo social em análise ("de demarcação de terras indígenas"), o processo de concentração desse poder jurídico-normativo como um processo de distinção social, objetivando diferenciar os agentes sociais pelo uso ou não-uso, imediato ou mediato, do direito, bem como a pré-figuração de relações sociais entre seus agentes.

METODOLOGIA:
No que se refere à metodologia científica utilizada nesse trabalho, será utilizada a metodologia de abordagem sociológica de Pierre Bourdieu, porque permite a transcendência da metodologia tradicional, em que referências teóricas e práticas devem ser estudadas e apresentadas de modo estanque e em separado. Assim, serão encontradas descrições teóricas em simultaneidade às descrições empíricas dos casos concretos de demarcação de terras indíegnas e a aplicação legislativa e jurisprudencial, e vice-versa, mas sempre no intento de trazer à luz as relações subjetivamente praticadas e objetivadas pelo "campo".
RESULTADOS:

A Constituição Federal reconheceu o direito dos índios às terras tradicionalmente ocupadas independentemente de demarcação (art.231§2CF), porém o procedimento demarcatório de terras indígenas (TIs) depende de um trâmite específico, que inclui atos administrativos ministeriais e presidenciais. Em 1996, o Decreto n. 1775,  de autoria do Ministério da Justiça, modificou dito procedimento, até então vigente no Brasil. Esse Decreto introduziu o princípio do contraditório nos processos administrativos demarcatórios, medida considerada essencial para impedir a proposição de ações de inconstitucionalidade contra tais procedimentos. Nesse sentido, o Decreto determinou a aplicação retroativa do contraditório a todas as terras com demarcações em curso (ou já homologadas). Nesse contexto, o procedimento demarcatório da Terra Indígena Raposa/Serra do Sol foi uma das situações em relação a qual foi solicitada diligências adicionais, e a respeito da qual passou a pairar o risco de redução da área originalmente identificada. Depois de inúmeras controvérsias, em 2005, a área da terra indígena foi delimitada de forma definitiva pela Portaria 534 do Ministério da Justiça, ao que se seguiu o Decreto Presidencial de homologação. Ao contrário do que se poderia pensar, tal homologação não impediu que uma nova gama de contestações administrativas e judiciais fosse proposta junto à Justiça Federal de Roraima e, em grau recursal, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse sentido, o julgamento da Petição n.3388 criou um precedente jurisprudencial para as futuras demarcações de terras indígenas no país. Se a priori constatam-se posições favoráveis aos direitos indígenas, ao final, a tese aprovada por maioria dos votos pelos Ministros do STF é frontalmente contrária aos mesmos. A defesa da delimitação da área indígena tradicionalmente ocupada pelos índios em 5 de outubro de 1988, quando promulgada a Constituição, tratou de definir um prazo inicial para a ocupação indígena tradicional. Numa interpretação restritiva, a expressão constitucional "terras tradicionalmente ocupadas" (art. 231 § 1 CF) é atacada de forma a fulminar a consagrada "teoria do indigenato", expressão constitucional que não revela uma relação temporal entre os índios e o seu território, justamente porque não há títulos anteriores a esses direitos que são originários. No entanto, em recentes decisões, o STF ratificou aquele entendimento, sustando as demarcações das TIs Arroio-Korá (MS) e Anaro (RR), em ambos os casos, porque foram juntados aos processos demarcatórios documentos que comprovariam a propriedade de terras anteriores à CF. Outro obstáculo, criado pela tese dos Ministros foi o flagrante desrespeito à ordem internacional, claramente à Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) n.169, sobre o direito de manifestação dos povos indígenas em consulta prévia para atividades de exploração que possam causar-lhes prejuízo (art.15). Ora, se o "usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos", podem ser suplantados pelos interesses econômicos da União e se "o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos", nem "o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas minerais" que dependerão sempre de autorização do Congresso Nacional (itens 1 a 3 do Acórdão), é forçoso observar que se relegam os direitos indígenas, na ponderação com outros direitos, como os econômicos e os de desenvolvimento, à posição de manifesta inferioridade.

CONCLUSÃO:

o Estado define parâmetros da cultura dominante, denominada de cultura "nacional legítima". Em seu discurso homogêneo encobre uma heterogeneidade "não-marcada" de visões e divisões sociais peculiares ao campo social. Esses sentidos de mundo encontram-se refletidos em instrumentos jurídicos nas normativas: Decreto 1775/1996 e Despacho n. 80/1996, e nas teses defendidas pelos membros do Supremo Tribunal Federal no julgamento sobre a "demarcação das Terras Indígenas da Raposa Serra do Sol em forma contínua, e a conseqüente extrusão dos não-índios presentes na área". Nesse sentido, a decisão quase unânime em relação à demarcação contínua das "terras indígenas tradicionalmente ocupadas", escamoteou o resultado de uma concorrência entre juristas e juízes pelo capital jurídico, e desviou o foco para uma manobra que tratou de desconstituir teses, falou-se sobre a "tese do indigenato", e direitos, diz-se da "posse e uso permanente" e da "exclusão da consulta e da participação daqueles povos com relação às decisões que lhes venham a atingir diretamente".Nesse sentido, comprovou-se que o campo político-jurídico foi objeto de luta tanto na sua representação, quanto em sua realidade, confirmando a existência de um padrão relacional de dominação, que penetrou nos casos de demarcação de terras indígenas, principalmente após 1996, legitimando a todos eles.

 

Instituição de Fomento: CNPq
Palavras-chave: direitos indígenas, raposa serra do sol, teoria do indigenato.