63ª Reunião Anual da SBPC |
H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 6. Literatura |
SAINT-HILAIRE E GUIMARÃES ROSA: O OLHAR DO VIAJANTE-NATURALISTA FRANCÊS (SÉCULO XIX) E DO ROMANCISTA (SÉCULO XX) SOBRE O GRANDE SERTÃO BRASILEIRO E SUAS VEREDAS |
Ivone da Silva Rebello 1 Eliana da Cunha Lopes 2 |
1. Profa. Dra. – Secretaria Estadual de Educação e Cultura do Rio de Janeiro – SEEDUC-RJ 2. Profa. Ms. – Faculdade Gama e Sousa – FGS-RJ |
INTRODUÇÃO: |
Este trabalho consiste num estudo crítico-literário sobre o sertão brasileiro e suas veredas, a partir da visão de escritores, que estiveram in loco, desbravando esse espaço da natureza brasileira: Auguste de Saint-Hilaire, naturalista, autor de Voyage aux sources du Rio S. Francisco et dans la province de Goyaz -corpus deste trabalho –; e Guimarães Rosa, romancista, autor de Grande Sertão: Veredas – também corpus do trabalho. Neste estudo, sob a ótica desses escritores, percebemos as imagens do sertão de modo científico e literário. Hilaire nos deixou um relato vivo do sertão (território que englobava parte de Minas Gerais, Goiás e Bahia), descrevendo o clima, a flora e a paisagem, afirmando que: "Se alguns exemplares dos meus relatos resistirem ao tempo e ao esquecimento, as gerações futuras talvez encontrem neles informações de grande interesse sobre essas vastas províncias..."; e Rosa viaja pelo sertão (do Município de Três Marias a Araçaí) e nos deixa uma descrição, em prosa romanceada, na qual registrou a cultura do sertão, os tons azuis e verdes do Rio S. Francisco, assim como os buritizais, as veredas, a fauna e a flora típicas do cerrado, cenário do livro, no qual afirma: "o sertão está dentro da gente" e "em toda parte". A relevância desta pesquisa está na compreensão do vasto sertão brasileiro numa visão científica e literária, na qual procuramos mostrar como esse espaço é delineado de acordo com o objetivo de cada escritor na construção de sua obra. |
METODOLOGIA: |
Trata-se de uma pesquisa documental, bibliográfica e de análise textual. Os procedimentos metodológicos foram divididos em três partes. Primeiramente, explorou-se a leitura das obras Grande Sertão: Veredas e Viagem às nascentes do Rio São Francisco e pela Província de Goiás, bem como a leitura de textos críticos sobre ambas. Em seguida, selecionaram-se partes dos textos lidos, as quais analisam, descrevem e apresentam uma reflexão sobre o sertão brasileiro e suas veredas. E, por fim, estabeleceu-se uma análise textual dos traços aproximativos ou não, para mostrar a visão das duas obras em relação ao sertão brasileiro e o lugar que cada uma ocupa na ciência e na literatura brasileiras. Teoricamente, fundamentamos o nosso estudo em Meyer (2008), Rosenfield (2008), Hansen (2000), Denis (2002), Perrone-Moisés (2005), Reis (1992), Nitrini (2000), Lima (1966), Dacanal (1988), Brandão (1998), Granato (1996), Todorov (1983), Chaul e Ribeiro (2001) dentre outros. Tal fundamentação nos permitiu analisar com mais profundidade as duas obras, a fim de entender quais os elementos que as levam a ocupar um lugar de destaque na ciência e na literatura. |
RESULTADOS: |
No estudo das obras, observamos a maestria dos autores na criação e representação da natureza como espaço inerente ao homem: "o sertão está dentro da gente" (Rosa) e ... "quando chega a uma dessas localidades situadas nos trópicos, onde a natureza parece ter concentrado suas forças para exibir tudo o que a vegetação possui de mais rico e variado" (Hilaire,1811). Através das diferentes visões do sertão, os autores mostram novas veredas, novas possibilidades de leitura que integram a vida do homem sertanejo, este dialogando a todo o momento com seres bióticos e abióticos do sertão. A natureza rosiana, desde uma flor à imensidão de um sertão sem fim, aparece em uma descrição "ternamente amorosa, e só deixa de o ser quando o que ele descreve precisa ser por um momento algo bruto, feio, ameaçador" (MEYER,2008). Já, Hilaire termina sua obra, afirmando que: "... jamais lamentarei ter passado perdido nos sertões, em meio a privações sempre renovadas, longe de minha família e de minha pátria, os mais belos dias da minha existência. Não lastimarei a perda de minha saúde, pois poderei dizer: paguei a dívida da hospitalidade, e minha passagem pela terra não foi inútil" (2004). É possível, então, perceber na obra rosiana uma admiração terna e amorosa pela natureza sertaneja e, na obra hilaireana, uma sensibilidade para uma missão tão científica; "é um mártir que teria comprometido sua saúde em nome da ciência e da pátria" (KURY,1995). |
CONCLUSÃO: |
A partir dos resultados, percebeu-se que o sertão representa para o naturalista um espaço físico ainda a ser desbravado e, para o romancista, é parte constitutiva na formação social e cultural do sertanejo. O discurso e o olhar do naturalista no Brasil foram fundamentais na construção da identidade nacional, na formação do caráter sociocultural do brasileiro e na descrição dos aspectos geofísicos da natureza. Assim, Hilaire afirma que: "...nos locais onde se erguerão então cidades prósperas e populosas, havia outrora apenas um ou dois casebres que pouco diferiam das choças selvagens; que onde estarão retinindo nos ares os ruídos dos martelos e das máquinas mais complexas ouviam-se apenas, em outros tempos, o coaxar de alguns sapos e o canto dos pássaros; que, em lugar das extensas plantações de milho, de mandioca, de cana-de-açúcar e das árvores frutíferas, o que havia eram terras cobertas por uma vegetação exuberante, mas inútil". Seguindo a tradição do romance regionalista, Rosa apresenta o sertão não como "um cenário natural em que alguma coisa acontece, mas um ator central que faz tudo o mais acontecer" (MEYER,2008). E, dentro dessa visão literária, a travessia de "Grande Sertão: Veredas corresponde, portanto, à passagem de uma aventura subjetiva e particular a uma aventura universal, válida não apenas para o sertanejo, mas para todo e qualquer ser humano" (ROSENFIELD,2008). Enfim, as obras exibem a realidade do sertão, de acordo com a visão de mundo de seus escritores. |
Palavras-chave: Romance regionalista, Relato de viajantes-naturalistas, Sertão-Veredas. |