63ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 6. Sociologia Urbana
Do Inquérito ao Processo: uma Análise do Fluxo do Sistema de Justiça Criminal no Distrito Federal para os Crimes de Homicídios Dolosos registrados em 2004
Welliton Caixeta Maciel 1
Arthur Trindade Maranhão Costa 2,3
1. Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília - NEVIS/UnB
2. Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília - SOL/UnB
3. Coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília - NEVIS/UnB
INTRODUÇÃO:
Partindo-se da premissa de que o homicídio doloso seja considerado pelo sistema jurídico-normativo brasileiro o crime mais grave contra a vida, objetivou-se, com este estudo, identificar características inerentes ao seu processo de investigação e os fatores que determinam e/ou dificultam a sua resolução. Assim sendo, constituiu-se objetivo específico do estudo a compreensão acerca do papel e da função do inquérito policial no âmbito do sistema de justiça criminal e em que medida este interfere na questão da morosidade das investigações e julgamentos de homicídios dolosos no Distrito Federal, dando lugar, além da questão temporal, às diferentes relações sociais tecidas dentro deste sistema.
METODOLOGIA:
No que tange à metodologia de investigação do social utilizada, optou-se pelo uso integrado de três diferentes técnicas de pesquisa. Durante três meses, observou-se a rotina de uma delegacia de polícia, espaço no qual a investigação policial é colocada a termo. Tal incursão etnográfica informou a realização de quatro grupos focais e as possibilidades de interpretação e análise dos diferentes discursos de alguns dos protagonistas deste sistema (agentes de polícia, delegados, promotores e juízes), em seus ditos, interditos e não ditos. Paralelamente e sem prejuízo à transversalidade das reflexões, analisou-se, a partir de um questionário estruturado, 311 processos judiciais referentes ao tipo penal em questão, ‘transitados em julgado’ e arquivados, cujos inquéritos policiais (IPs) foram instaurados no ano de 2004, no Distrito Federal.
RESULTADOS:
Percebeu-se a existência de diversos filtros de discricionariedade, bem como de "tempos mortos" intra e inter-institucionais que acabam por emperrar todo o sistema. Esses diferentes filtros seguem lógicas também diferentes, evidenciando a ausência de uma política criminal coerente. Essa discricionariedade pode ser estruturada em termos: a) da escolha de objetivos e prioridades; b) das escolhas de métodos de intervenção; c) da aplicação seletiva de leis, ou seja, da escolha do estatuto legal a ser empregado. Nesse sistema, os excessos de formalidade e “cartorialismo” têm peso importante, sendo a lógica jurídica regente da seleção dos casos a serem instaurados inquéritos. Durante as investigações policiais, as atenções, percebidas também pelos laudos periciais, estão voltadas para confirmar a materialidade do crime, sendo a apreensão da arma de fogo elemento fundamental para a pronúncia e a condenação dos indiciados. 556 homicídios dolosos no DF em 2004; 311 redundaram em processos; 87 deles foram arquivados no TJDFT; 64 com IP instaurado por portaria e 23 a partir de flagrante delito; 68 foram denunciados pelo Ministério Público (78,2%); 49 sentenças de pronúncia e Tribunal do Júri (72,1%); 22 sentenças condenatórias privativas de liberdade (44,9%). Ou seja: apenas 25,3% dos IPs concluídos pela PCDF em 2004 levaram, de fato, à condenação dos indiciados.
CONCLUSÃO:
As informações produzidas a partir desses dados permitiram refletir sobre as interações entre os principais atores do sistema de justiça criminal: o agente de polícia, o escrivão, o delegado, o promotor e o juiz. O contato entre estes é limitado, distante e formal. A grande questão relativa ao inquérito policial se traduz nos tipos de saberes necessários à sua confecção e a disputa entre esses diferentes saberes. O fato de a confecção do Inquérito Policial, e mais especificamente do seu relatório final, ser a principal atividade numa delegacia de polícia, nos leva a crer na imposição de um tipo de saber, típico do campo jurídico, a uma instituição pertencente ao campo policial. Em função de todos esses fatores, dificilmente o inquérito policial se constitui numa ferramenta de controle da atividade policial.
Palavras-chave: Sistema de Justiça Criminal, Inquérito Policial, Sociologia Jurídica, Antropologia do Direito..