63ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 6. Ciência Política - 6. Ciência Política
Gênero e Política na Mídia Brasileira: o caso da Marta Suplicy
Priscilla Caroline de Sousa Brito 1
Flávia Biroli 1,2
1. Instituto de Ciência Política - UnB
2. Profa. Dra./ Orientadora
INTRODUÇÃO:
Um dos aspectos que tendem a ser reforçados pela mídia é a naturalização das distinções de gênero, que também estão no campo político, revelando filtros que se impõem de maneira diferente à entrada de homens e mulheres nesse campo. O que é reproduzido no noticiário político dos meios de comunicação não só revela esse viés de gênero, como também realimenta os constrangimentos à participação da mulher na vida política.
A abordagem do presente trabalho parte do conceito de Bourdieu (1989) de campo político, como valores e normas que legitimam hierarquias. Seja reproduzindo aspectos dominantes do campo político, seja alterando a forma como os atores desse campo interagem entre si, a mídia ocupa um papel cada vez mais relevante na vida política (Biroli e Miguel, 2009). Assim, a presença da mulher no campo político se conformaria de acordo com o trato social diferenciado que constitui a distinção de gênero. O comportamento e os atributos que se esperam da mulher são associados a um tipo de sensibilidade incompatível com a vida pública, uma esfera caracterizada por ser predominantemente masculina.
METODOLOGIA:
De forma a testar algumas das hipóteses do projeto, acompanhamos uma das revistas de maior visibilidade no Brasil, a Isto É. Após um mapeamento de todo o material, com base no clipping da Câmara, as revistas, disponíveis nas bibliotecas do Senado e da UnB, foram analisadas. Esta análise foi feita a partir de uma ficha de leitura (para cada reportagem, coluna ou artigo foi preenchida uma ficha), o que orientava a associação a categorias temáticas e questões acerca das personagens, como carreira política e menções à vida privada. O conteúdo das matérias foi classificado em 26 categorias temáticas, sendo que 11 delas se referiam às matérias de política. Os dados colhidos foram inseridos no software de tratamento estatístico e análise lexical Sphinx Lexica, que permite trabalhar com os dados de forma analítica. As amostras utilizadas nesse projeto foram compostas a partir das bases de fichas de matérias referentes a todas as ministras de 1992 à 2009 e à amostragem estruturada de 10 % dos senadores e deputados homens referentes ao período de 1994 à 2006, observando as distribuições dos nomes selecionados na amostragem em função da região e do partido das personagens selecionadas, realizando coletas de fichas referentes a ela de 1989 à 2010.
RESULTADOS:
Conforme os dados obtidos na pesquisa, aproximadamente 14% das fichas referentes à cobertura de personagens femininas apresentavam menção à aparência física em contraposição aos 3% das fichas dos atores masculinos nos quais se mencionaria a aparência. A partir do estudo de caso de Marta Suplicy, ressalta-se a ênfase dada nas reportagens a traços de afetividade, de domesticidade e referências à aparência física, mesmo levando-se em conta que a personalidade da personagem em algumas matérias é descrita a partir de uma postura de confrontamento a outros homens, inclusive em relação a seu ex-marido.
A partir desses resultados é possível perceber que a cobertura dada a Marta Suplicy expõe os dilemas que nascem da expectativa social em torno da mulher que ocupa uma posição de destaque. Ao ocupar uma posição proeminente, exige-se da mulher que se comporte como um homem, fato que convive com a exigência de que as mulheres se comportem enquanto mulheres.Esses elementos permitem a constatação de que houve um tratamento ambíguo à cobertura da vida política de Marta Suplicy. Ao mesmo tempo em que era tratada como uma política dotada de certos traços de personalidade que em muito se afastam da subserviência própria da mulher restrita à esfera privada, é mantido o padrão de menções à vida privada e familiar e à aparência física, o que por sua vez remete ao reforço de papeis sociais baseados em distinções de gênero.
CONCLUSÃO:
A expectativa gerada pelos estereótipos que são criados em torno do papel social da mulher acabam criando barreiras à sua entrada no campo político e ao seu progresso no mesmo. A distinção entre as esferas pública e privada é um dos principais determinantes para a exclusão da mulher. Os meios de comunicação, ao reproduzirem essa distinção de um modo que situe a mulher na esfera privada, não só está refletindo a realidade como também contribui para o reforço da mesma. A análise das tabelas e o estudo de caso de Marta Suplicy demonstraram que, dentro do noticiário das revistas, houve uma tendência a remeter as mulheres ao âmbito do privado, o que se relaciona aos mecanismos de constrangimento à entrada da mulher no campo político e ao seu progresso na carreira política. Mesmo havendo certo grau de ambigüidade no tratamento dado á personalidade de Marta Suplicy, os dados revelaram a continuidade do padrão de referências ao doméstico, à família e ao corpo. É possível constatar o papel exercido pela mídia de conformação e reforço dos papeis sociais de homem e mulher em um sentido prejudicial à participação política das mulheres. O noticiário político tende a naturalizar a diferenciação de atributos e competências entre homem e mulher. Ao reproduzir esses padrões, a mídia também acaba perpetuando os estereótipos que fundamentam as distinções de gênero, contribuindo para a manutenção dos constrangimentos que se impõem a participação da mulher na vida política.
Palavras-chave: Gênero, Mídia, Política.