63ª Reunião Anual da SBPC
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 8. Antropologia
ANALOGIAS ENTRE CAÇA E GUERRA NO PENSAMENTO E HISTÓRIA DO CONTATO DOS KAYAPÓ MERIDIONAIS
Gabriela Gonçalves Junqueira 1
Marcel Mano 1,2
1. UFU
2. Prof. Dr./Orientador PPGCS - Instituto de Ciências Sociais
INTRODUÇÃO:
O trabalho apresenta dados de pesquisa cujo objetivo foi o estudo de parte de uma documentação histórica e etnográfica referentes aos Cayapó meridionais, com vistas a desvelar algumas correlações entre a caça e a guerra no universo histórico do contato. A partir da análise das relações desses índios com o mundo exterior humano não-Cayapó, mediadas historicamente pelas guerras, passou-se a sondar paralelos da ação guerreira nas relações desses índios com o mundo exterior não humano, mediadas então pela caça. Nestes termos, o que se colocava, evidentemente, era a comparação entre caça e guerra, animais e inimigos.
Desenvolvido à luz do estruturalismo, colocou-se em relevo como os índios Cayapó pensam e compreendem a problemática da guerra e da caça como formalmente análogas. Por meio do princípio de que o pensamento opera uma lógica associacionista, tal como proposta por Levi – Strauss, para o qual no mito o pensamento esforça-se por mostrar analogias formais entre diferentes domínios, foi possível entender que a natureza e os inimigos são relacionáveis para o pensamento e, em conseqüência, para a ação histórica dos Cayapó. Nesse sentido, o estudo pôde contribuir para uma melhor compreensão da atuação do pensamento simbólico na atualização histórica das ações durante o contato.
METODOLOGIA:
A metodologia utilizada no trabalho consistiu em uma combinação de aportes oriundos da antropologia e da história. O material básico da pesquisa foi tanto uma documentação histórica dos séculos XVIII e XIX referentes à região dos atuais sul de Goiàs, Triângulo Mineiro e norte de São Paulo –área de ocupação histórica dos Cayapó meridionais-, quanto uma bibliografia etnográfica referente a esses indígenas. Tratou-se, pois, do estudo de uma documentação histórica –material de pesquisa da história- a partir da perspectiva da alteridade –objeto da antropologia. Por um lado, a leitura de documentos históricos das mais diversas procedências, orientada pelo olhar antropológico e etnológico, dirigiu-se no sentido de garimpar informações sobre os Cayapó e os eventos do contato entre índios e não índios na região. Neste ponto, a perspectiva antropológica da histórica permitiu contrapor a visão oficial da guerra como alegoria da colonização às categorias cayapó nela envolvidas. Por outro lado, a leitura da bibliografia etnográfica permitiu tanto o exercício de uma projeção etnográfica que lançou luz sobre as estruturas da guerra na história do contato; quanto, ainda, isolar paralelos entre as estruturas da guerra e o sistema de caça como categorias intercambiáveis para o pensamento e a ação.
RESULTADOS:
Quando os documentos históricos dos séculos XVIII e XIX narram os ataques dos Cayapó na região em foco é possível sempre detectar uma mesma estrutura de ação. Eram botes rápidos e certeiros por meio dos quais eles matavam o inimigo e se apropriavam de elementos materiais de sua cultura. Essa estrutura de relação com o mundo exterior, que os Cayapó adotavam historicamente, reproduzia exatamente a mesma estrutura de relações que seus heróis fundadores mantiveram no tempo mítico com o mundo exterior da natureza. Em vários de seus mitos, parte do que tornou os Cayapó gente como são hoje foram os processos de apropriação de bens simbólicos e materiais do mundo exterior; tais como as penas do gavião para a confecção dos adornos plumários; o fogo da onça etc. Isso quer dizer que as guerras históricas atualizavam as caçadas mitológicas: em ambas, matar e roubar seres que povoam o universo não Cayapó. Só que no mito a predação da natureza, e na história a predação de outros homens. Por essas vias, caça e guerra seriam intercambiáveis, mesmo porque para os Cayapó, o animal de caça, embora parceiro, é inimigo em relação à caçada. A caça – inimigo – fera estaria assim em relação à guerra – inimigo – fera, e ambas como um mesmo modo de predação de um único mundo exterior não Cayapó.
CONCLUSÃO:
Ao que tudo indica, essa estrutura de relações com a alteridade se assenta numa visão de mundo tradicional que pode ser representada como concêntrica. Um circulo central definiria os Cayapó como gente (fortes, belos bravos), e um outro círculo maior ao redor do primeiro seria ocupado pelo mundo exterior não Cayapó, animais e outros povos. Assim, ao operar um processo de contraste e comparação, a lógica destes índios os define num etnocentrismo distintivo (centro-periferia) no qual eles, gente genuinamente humana, se opõem a todos os outros seres naturais e humanos não Cayapó. Em conseqüência, além desse sistema contrastante, o sistema classificatório cayapó entende também, agora por comparação, que o mundo da natureza e o mundo dos outros povos estão numa relação de analogia. Animais e outros povos seriam inimigos, mas detentores de certos poderes e bens apropriados na caça e na guerra para a própria produção da máquina social cayapó. Dentro desse amplo escopo sócio-cosmológico, nas guerras históricas os Cayapó meridionais atualizaram e reproduziram as suas estruturas culturais tradicionais de representação e ação; e por meio da predação do mundo exterior, tal como na caça, continuaram a engendrar a produção do seu mundo interior, criando guerreiros belos, fortes e bravos.
Palavras-chave: Índio Kayapó, Caça e Guerra, Contato e Identidade.